Quem me conhece bem sabe que eu sou um barco com o motor fora de bordo. Que se for deixado à deriva o mais provável é que fique como que encalhado no primeiro sofá que encontrar, a ver o tempo passar, sonhando, como o cavaleiro da triste figura tão bem fazia, com duras batalhas contra moinhos de vento tentando encontrar a sua Dulcineia, que até pode estar a dois passos de si mas permanece inacessível. Em boa verdade, por vezes, nos dias melhores, já duvido que permaneça no sofá, na esperança que a vida já me tenha dado o suficiente para que eu consiga olhar para mim com renovados olhares.

E em matéria de olhar para mim com renovados olhares, no meu registo dos pontos altos deste ano há de estar com certeza o tempo que estive, completamente eu, completamente com o meu Deus, por um período de tempo que não sei ainda definir, na capela do silêncio de Taizé. Nunca tinha estado assim, sem ninguém, completamente sem ninguém, completamente sem tempo, completamente sem espelhos, e com a vantagem de ter sido no final da semana e por isso no final do percurso interior e por isso já sem questões já sem problemas já sem preocupações já sem nada mais que um profundo sentimento de louvor e gratidão por poder estar tão despido, tão eu, diante do meu Deus.

Mas nunca me fio muito em mim, e delicio-me sempre quando, por amor, me tentam baralhar e abanar os alicerces e provocar a confusão, e com isso me desinstalam e me inquietam e me interrogam e me levam a interrogar-me e a perguntar-me pelos meus caminhos, pelos meus projectos, pela minha ânsia de futuro que por vezes está em clara contradição com o meu presente. Se houve uma linha de alguma constância ao longo da minha vida foi esta opção, umas vezes consciente outras nem tanto, por quem, por amor, me desafia. Desafios sempre tive, que se traduziram em escolhas que se foram transformando em percursos que foram definindo o que tem sido a minha vida. Apercebo-me muitas vezes que foi justamente esta minha tendência natural em aceitar os desafios, em escolher as pessoas desafiantes, em ter preferido sempre esses desafios ao ficar comodamente sentado no tão desejado sofá que me fez sair daquele mundo onde os horizontes são tão claramente definidos e definitivos à partida, e sonhar com outros horizontes, e ver outros horizontes, e dar outros horizontes a sonhar e a ver.

Passado o espanto, passado por vezes até um certo resmungar pelo incómodo, passada uma vontade absolutamente natural em mim de permanecer, a minha atitude é sempre de louvor. Por quem se incomoda a incomodar-me, por quem quer e espera algo mais de mim, por quem persiste, por quem me ama e continua a acreditar, ao ponto de me desafiar a ser melhor.

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