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A mostrar mensagens de outubro, 2016
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Hoje não tinha ainda pousado a pasta e um aluno - um amigo! - pediu-me, em tom de brincadeira, para analisar um poema de Fernando Pessoa. Sorri imediatamente a seguir a ter-lhe passado os olhos por cima. Para mim era claro como água, como se me estivesse a ver ao espelho, ou tivesse estado estes anos (precisaria de anos para o fazer!) a tentar por no papel a inquietação que tenho por assídua companhia dia após dia, noite após noite. Disse-lhe que não percebia qual a sua dificuldade mas que o deveria analisar depois dos cinquenta.  Eu entendo a sua dificuldade. Porque na verdade não anda longe da dificuldade de muitos dos que me rodeiam e que, volta e meia, me olham com a mesma naturalidade e compreensão com que olhariam um elefante vestido de tutu cor de rosa. A maioria das vezes não estou nem aí para tentar explicar o inexplicável e finjo recuar. Como explicaria o insaciável? Como explicaria o interminável? O ilógico, o irracional de ter permanentemente fome quando é suposto
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Eu penso na morte. Na minha morte. No que quero que façam ao meu corpo, não que considere o meu corpo algo de muito importante mas sobretudo porque considero a memória algo de muito importante. Não tenho o culto dos mortos. Não tenho o hábito de ir ao cemitério visitar aqueles que amei e que já lá estão, Não sinto essa necessidade. Recordo-os muitas vezes nas mais diversas situações, rezo-lhes algumas (não por eles, que estão junto do Pai, mas a eles, que estão junto do Pai) porque acredito que possuem agora a clarividência que nunca temos por aqui e porque acredito que me amam e ma poderão, de alguma forma, transmitir. Dificilmente o faria num cemitério que, por muito que me digam o contrário, é um lugar de mortos. E de morte. Fiquei apreensivo esta semana ao ler a Instrução da Congregação para a Doutrina da Fé. Não, eu não sou o tipo de católico que segue à risca as orientações da Igreja; Sim, eu sou o tipo de católico que está atento ao que a Igreja proclama e defende. E para mi
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Naquela mesa redonda do chinês cumpria-se um sonho. Nós chegamos cedo, prerrogativa de pais, para quem o tempo já se mede de uma outra maneira, diferente, mais lenta, menos absorvente, com os segundos e os minutos a pautarem a vida num outro ritmo, provavelmente menos premente. Eles foram chegando. Aos poucos, Dois a dois. Passado pouco tempo, estávamos todos. Naquela mesa redonda do chinês a algazarra era pouco diferente da de todos os dias lá de casa. O mesmo tom de conversa. as mesmas conversas cruzadas, os mesmos risos, a mesa alegria, a mesma partilha. E eu, ora a participar ativamente, ora a brincar com o tabuleiro giratório daquela mesa redonda do chinês - tenho que arranjar uma coisa destas - ora observando-os, completamente embevecido, imensamente grato. Estão enormes, os meus filhos! Estamos naquela fase da vida e que a conciliação de horários e disponibilidades é cada vez mais difícil e por isso paira como que uma urgência sempre que estamos juntos. As refeições com tod
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Conhecemo-nos há alguns anos. Esta, claro, é apenas uma das muitas formas de o dizer. Na verdade, não nos conhecemos. Conhecíamos a mesma pessoa e, por seu intermédio, passamos algum - escasso - tempo juntos. Nunca fomos íntimos, nunca passamos mais que algum tempo juntos e, sempre que o fizemos, havia, pelo menos da minha parte, aquele misto de identificação e desafio intimidante. Intimidam-me sempre as pessoas com personalidade forte, mas no sentido de me fazer correr para elas, como uma mariposa que fica fascinada pela luz, apesar de saber que poderá muito bem ser o seu fim, Os amorfos nunca me disseram nada, absolutamente nada, como se eu precisasse da vertigem do abismo - ainda que por interposta vida - para me sentir vivo. Sendo do sexo masculino então, sinto uma espécie de desafio nunca claramente assumido, devidamente acompanhado pela voz do speaker de um combate de boxe "de um lado.... Vamos começando a conhecer-nos agora, alguns anos depois. O mesmo fascínio por mim
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Frequentemente, digo que sou muito olhos. Sou-o, efetivamente. Desde sempre! Numa pessoa, qualquer que seja a sua idade, a primeira coisa que me salta à vista é o seu olhar. Não a cor dos olhos, que essa me passa completamente ao lado e será mais tarde atribuída por mim em função do que me diz, mas o mundo que revela, à superfície ou na profundidade. Quando era mais novo era fortemente gozado por causa disso. Para começar, porque olhava com a mesma atenção, curiosidade e gozo os olhos de quem quer que fosse, independentemente do seu género ou idade. E isso, para os outros, era muito esquisito! Depois, porque raramente reparava em quaisquer outros atributos físicos, muito mais em voga na altura, mas que me passavam completamente despercebidos. Ainda hoje, o critério mais importante continua a ser o olhar. É-me muito difícil gostar de alguém cujo olhar não me diz coisa nenhuma. Para que isso aconteça tenho que apelar a uma série de racionalidades que me levem mais longe que a minha pe
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Fazer alguém feliz, ser motivo de felicidade - mais que alegria, fugaz, felicidade mesmo, mais interior mas mais profunda e duradoura - é uma tarefa árdua. Pelo menos para mim. Conheço pessoas extremamente felizardas que o conseguem com uma naturalidade tal que parece que lhes basta respirar para que os outros sejam felizes. Pessoas graciosas, leves, elas próprias intrinsecamente felizes ao ponto de irradiarem uma felicidade genuína, quase infantil, naquilo que a infância tem de melhor. Eu não consigo. Não com essa naturalidade. E mesmo quando o consigo é como que arrancada a ferros. Pensada. Construída. Intencional. Com destinatário. Ironicamente, eu, que gosto tanto do Principezinho, levo muitas vezes nas orelhas por não conseguir assumir a responsabilidade de cuidar devidamente daqueles que cativo. Provavelmente faço com eles o que faço com quase tudo na vida: vivo-os muito intensamente, desligo muito rapidamente. Numa das últimas conversas à volta dessa temática, dei por mi
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Nos vários mundos que me habitam, ora coincidentes ora alternados, ora em rebuliço ora em pacificada coexistência, há um que detesto particularmente, que constitui o meu ódio de estimação, porque odeio essa pessoa que volta e meia também me habita: o ingrato. Tenho dias, ou momentos, ou alturas, em que ando zangado com o mundo e com tudo e todos os que me rodeiam, Uma zanga séria e profunda que me leva a praguejar num constante e abafado silêncio, numa sensação horrível que sou credor do mundo e que todos me devem prestar justíssima vassalagem. Uma zanga alicerçada na mais profunda das incompreensões, de mim para mim, claro, mas sentida e multiplicada como sendo dos outros para mim, onde ninguém me entende, ninguém me dá o devido valor, ninguém se digna sequer de colocar o pedestal, estender a passadeira, instalar o púlpito a partir do qual tudo e todos dão loas pela minha simples existência. São dias, ou momentos, ou alturas, de profunda solidão, de alguma depressão, que me toldam
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Há muitos anos deram-me um livro do Paulo Coelho como indireta. As nossas muitas conversas e partilhas desembocavam sempre na posse. Ou melhor, na minha clara pulsão para de alguma forma controlar aqueles que amo. Quem mo ofereceu não duvidava do meu amor, da minha capacidade de amar mas, pelo contrário, da forma total e totalizante com que o fazia, dizendo-me algumas vezes que corria o risco de asfixiar. Naturalmente, como sempre me acontece com os que me amam verdadeira e, sobretudo, desprendidamente, cocacolizei aquela evidente idiotice, estranhando-a antes e entranhando-a depois de pensar nela com calma. E com alma. O que é certo é que aquele livro e aquelas conversas e aquelas idiotices evidentes transformaram a minha forma de amar. Os meus filhos que o digam! Hoje acordei muito tentado a fazer uma pesquisa numa qualquer rede social. Seja pelas conversas que tenho noite dentro, seja pelos sonhos que tenho noite fora, seja pela vida que me pulsa a cada momento, o q
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Sou um criador. De mundos. Alternativos. Alternados. De vidas. Alternativas. Alternadas. Que, no meu imaginário, são muito pouco imaginárias. Têm vida vivida, quotidiana, paralela, e são tão ou mais reais quanto a vida real, aquela que é suposto ser por mim vivida. Em cada uma dessas vidas eu sou um outro que não eu, com sentimentos próprios e alegrias próprias e tristezas próprias e razões próprias e por vezes naturalmente contraditórias em função da vida que é vivida paralelamente a uma qualquer oura vida que eventualmente será vivida num outro momento. Gostaria de poder afirmar, taxativamente, indubitavelmente, que todas essas vidas me têm em comum, como ator principal, numa peça por mim escrita e cujo desenlace é por mim controlado, mas a sensação que tenho a maioria das vezes é justamente a oposta, que eu sou apenas mais um, pequeno, insignificante figurante, que a maior parte do tempo se olha a si mesmo, a partir de um canto, escuro, à espera de me ver, e à minha construção, e
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Dizia-lhe, ontem, apenas ontem, como me tinha sentido irremediavelmente só. Não o fiz muitas vezes, ao longo de todos estes anos, não sei se por medo,se por comodidade, se por entender, como ainda entendo, que é uma coisa apenas minha e ninguém tem nada a ver com isso a não ser que eu o queira partilhar. Depois da surpresa - e há sempre surpresa quando lhe digo algo deste género - disse-me que algures entre a minha solidão desejada e a indesejada espera pela minha necessidade de encontro. Que também existe. E disse-me aquela que é a minha maior evidência, que sou muito complicado. Obrigadinho. Já o sabia. Desde sempre! Naquele primeiro banco da nossa igreja deu-se o click que fez com que a solidão se eclipsasse com a mesma rapidez e naturalidade com que chegara. Nem sei bem o que o padre dissera, sei que me reconstruiu por dentro - "serás restaurador de ruas destruídas" - e me fez encarar o resto do dia de domingo com outro espírito. Ainda ontem, no seguimento da conv
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Hoje quase almoçava sozinho. Não consegui. Quando estou assim, quando não me recomendo, uma amiga gosta de me provocar e pergunta-me se estou no meu momento autista. Sorrio. Sorrio apenas. Nestes dias a última coisa que me apetece é estar a justificar o que quer que seja. Nestes dias tenho a sensação que lambo feridas. E só me apetecia estar assim, num qualquer canto escuro, só completamente só, deliciosamente só, até que a tristeza passe. Nem sempre há um motivo palpável para esta tristeza. É um misto de sensação de perda com necessidade premente de recolhimento. Que acontece quando sinto que estou a perder (me?) ou naquele momento de distensão que acontece logo a seguir a uma tarefa que exigiu muito de mim. Ou as duas coisas, que andam muitas vezes de mãos dadas. Como se a respiração tivesse estado sustida uns dias e precisasse agora de encher de novo os pulmões. Quando estou assim, quando não me recomendo e me refugio, uma amiga gosta de me provocar e diz-e que eu gosto é de se
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"O suicídio é sempre um assassínio de um outro." Impressionou-me, esta frase. Muito! Talvez porque ao longo da minha vida me tenha deparado com vários suicídios, uns levados a cabo com sucesso, outros fracassados - sintomático, quando o sucesso de algo leva à morte e o seu fracasso conduz à vida! - de pessoas que me eram queridas. À tremenda surpresa do acontecimento sucedia-se sempre a tremenda culpa de não ter estado presente quando era mais necessário. Não importa para o caso se vivia longe, se não tinha a mínima hipótese de saber, se ninguém o suspeitava ou se andava distraído. Importa sim que eu não estava lá. Qualquer que tivesse sido o motivo, eu não estava lá. Para poder conversar, para poder olhar nos olhos, para poder estender a mão e dizer que nada é tão mau que justifique tamanha decisão. Durante alguns meses não consegui encarar o seu irmão. A notícia da morte atingira-me com uma violência que até então eu desconhecia, ao ponto de quase correr para poder es
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Ao vê-los, no campo, a dirigir com mestria a partilha dos grupos dos ainda mais miúdos que eles próprios, senti um imenso orgulho. A minha ganapada está a crescer e a preparar-se para outros voos. Mais altos. Mais exigentes. Talvez vá sendo tempo de, lentamente, progressivamente, ir eu voando a um ritmo paulatinamente mais baixo. Até porque o corpo já começa a dar sinais claros de dificuldade em acompanhar ritmos. Quando acompanhei o RH+ (que saudades do RH+!) deparei-me com um problema que, já na altura, não era novo para mim. A minha intenção sempre tivera sido a de lhes dar asas, de lhes dar ferramentas para a vida de adultos que se avizinhava. Quando quis soltá-los, suavemente, percebi que continuavam dependentes, demasiado dependentes para o meu gosto, demasiado colados a mim para o que precisavam, e acabei por largá-los repentinamente. E dolorosamente. Para eles. E para mim. Prometi-me na altura ficar mais atento para que não voltasse a acontecer. Recordo com particular s