Quase todos os dias da semana caminho pelos mesmos sítios, passo pelas mesmas pessoas, que vão entretidas a correr, ou a caminhar energicamente, ou a passear o cão, oiço o som das ondas, das gaivotas, do vento quando há vento, de tudo o que acontece cá por dentro, quando cá por dentro acontece alguma coisa que valha a pena ouvir. Poder-se-ia pensar que é sempre a mesma coisa, mas nunca o é. Nunca tinha feito isto tanto tempo seguido, durante um período tão prolongado. Normalmente, nestas coisas que não me são essenciais, a minha resistência é menor que pouca. Acho muito giro na primeira semana, cumpro com algum sacrifício na segunda e depois sou muito bom a arranjar desculpas e justificações para não ter que o fazer. Desta vez, porém, não tem sido assim e, na medida do que me é possível e o trabalho me permite, desde Outubro que começo os meus dias a caminhar. O percurso que faço é sistematicamente o mesmo: estaciono no mesmo sítio, atravesso a avenida no mesmo sítio, desço até ao mar no mesmo sítio, retomo a avenida no mesmo sítio e reencontro-me com os Sinais, do Fernando Alves, enquanto me dirijo para aqui. Tenho muito de kantiano na forma como gosto de cumprir as minhas rotinas. Caminhar quase todos os dias quase à mesma hora pelos mesmos lugares tem-me permitido reparar no que não via antes. O crescimento dos arbustos depois de terem sido podados, a limpeza dos passeios antecipando o movimento primaveril que se anuncia a passos largos, a instalação progressiva dos abrigos onde se passa o dia a jogar às cartas, e até a evolução física daquele senhor de idade que começou por caminhar a custo e agora já passa por mim a correr.

Sempre preferi o tempo à novidade. Apesar de me adaptar com facilidade ao que a vida me vai dando, podendo escolher, normalmente escolho o que dura, o que leva tempo, o que se vai imprimindo em nós e nos permite imprimir algo de nós. Talvez por isso nunca percebi a freima em pintar o cabelo, a trabalheira das maquilhagens que - julgam elas - supostamente nos deliciam, o medo das rugas, a vã tentativa dos homens em esconder a barriguinha, ou a calvície. Eu gosto de ver as marcas do tempo. Nas pessoas e nas coisas. Talvez porque ilumine o suficiente para que possamos distinguir o que é do que aparenta ser. E isso é sempre bom!

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