Olho para o meu anelar esquerdo e não acredito. Já não o via assim despido há mitos anos. E despido é como quem diz, pois tem ainda bem patente, bem vincada, a marca da aliança que o envolve há quase vinte e cinco anos. Que saiu agora para servir de medida a uma outra, de prata fingida (parece que é ouro branco, ou lá o que é).

Ainda ontem conversávamos e eu disse, para seu grande desgosto, que não precisava de nada disso. Que não tem sido mau porque tenho visto na sua cara a alegria e a excitação enquanto marca o local, enquanto faz e entrega os convites, enquanto vamos a casa dos nossos amigos mais antigos para combinarmos as coisas. Fora isso, não precisava nem de convites, nem de jantar, nem de bodas. Bastar-me-ia nós os dois e os filhos, todos juntos, num fim de semana em qualquer sítio, a festejarmos juntos, o que tem sido a nossa vida. Juntos. Seria perfeito!

Ainda ontem, numa das conversas com os nossos amigos mais antigos, falávamos acerca da opção de alguns dos seus filhos que, alegando não ter dinheiro para casar, optaram por viver com os seus namorados. Não entendo. Não existe isso de não ter dinheiro para casar. O processo de casamento não custa mais que cem ou duzentos euros. Não é por aí, portanto. O que eles não têm é dinheiro para as quintas e para os temas das quintas e para os foguetes e a banda e toda a festança que agora é moda envolver um casamento. Eu não tenho nada contra aqueles que escolhem viver com os namorados. Principalmente se não têm vida de fé ou entendem que o matrimónio não é importante. Pelo contrário. Entendo-os melhor e respeito-os mais que aqueles que casam junto de um altar apenas porque sim. Mas não entendo que digam que não casam porque não têm dinheiro. Não casam porque querem boda. E não a podem pagar. Ponto final!

Ainda ontem conversávamos que tínhamos tido uma boa escola de vida. O JUP, com os convívios e retiros, com as catequeses, com os cânticos, depois com os fins de semana juntos enquanto os nossos filhos eram pequenos, foi, verdadeiramente, uma boa escola de vida. Passávamos férias juntos, acampávamos, organizávamos encontros de coros, escrevíamos jornais e assumíamos toda a vida juvenil numa paróquia em que o pároco primava pela ausência. E tudo aquilo que fazíamos revelou ser, à medida que o futuro nos foi chegando, uma rede de conhecimentos e ferramentas importantíssimas nos nossos casamentos, nas nossas profissões, na forma como vivemos, separadamente, a nossa fé. Agora que os nossos filhos começam a definir o seu presente e futuro, começamos a sentir necessidade de voltarmos a estar juntos, de retomarmos conversas e cumplicidades que nunca sentíramos que se tinham perdido mas apenas ficaram suspensas, por tempo indeterminado, até que voltássemos a ter vida própria.

Ainda ontem, quando regressávamos a casa, disse-lhe que isto sim, sabia-me bem. Este retomar de conversas e de partilhas, este pretexto para voltarmos a estar juntos, esta sensação que nunca nos deixamos de ter uns aos outros apesar do tempo, apesar dos filhos, apesar da vida que se foi interpondo, naturalmente, dirigindo o nosso olhar para o que ia sendo mais importante. E que, como sempre, tinha escolhido bem ao decidir fazer a festa não apenas com os nossos filhos mas também com alguns dos que têm capítulos dedicados da nossa vida. Mas que, ainda assim, dispensava bem a aliança de prata, ou ouro branco, ou lá o que é.

Ainda ontem, quando nos deitamos, recordei em silêncio as palavras que dissera, para mim há bem pouco tempo: "recebe esta aliança como sinal do meu amor e da minha fidelidade. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo." E disse-lhe que bom mesmo, para mim, iria ser repetir estas palavras na nossa cerimónia. Sabendo que elas estão cheias de verdade, de vida vivida mas também de ânsias de futuro. O resto - ela que me desculpe - é folclore.

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