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A mostrar mensagens de julho, 2022
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Trabalho há tempo suficiente com malta nova para saber que as imagens que muitas vezes são projetadas não correspondem à verdade. Na verdade, não são nem anjos imaculados nem diabinhos à solta, são pessoas em construção num universo muitas vezes demasiado confuso e multidisciplinar para que eles consigam perceber o chão que pisam. Por isso, normalmente, no que toca a malta nova, tenho ambos os pés no chão. Não que não me deixe contagiar e entusiasmar e sonhar e projetar com eles. Pelo contrário, sou muitas vezes quem (ainda) despoleta essa alegria e esse voar para além do que lhes é dado a viver. Há miúdos, então, que pelas suas circunstâncias precisam muito mais de sonhar que de pão para a boca, que esse vão tendo, apesar de tudo. Sim, voo com eles e a partir deles. Muitas vezes. Mas sei que, na melhor das hipóteses, seremos andaimes, nada mais que isso. E que é justamente andaimes, o que deveremos ser. E andaimes unipessoais, feitos à medida de cada um e, mesmo com cada um, adaptávei
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    Começa-se a respirar um outro ar, neste nosso pequeno burgo que é o nosso local de trabalho.    Há menos de um mês, chegava à sala dos professores, dizia bom dia e, no máximo, obtinha como resposta um ou dois grunhidos mais ou menos percetíveis. Eu, que não sou professor - e que nessas alturas vivo numa outra cadência - olhava e via tudo pressionado pelo tempo, pelos resultados, pelos projetos, pelas agendas. Ninguém falava com ninguém de outra coisa que não fosse correções e provas e notas e reuniões e pautas e escalas. Chegavam todos demasiado cedo e saiam todos demasiado tarde e, invariavelmente, era quase visível a olho nu o peso do sentimento de culpa de não terem tempo para aqueles que amam, porque sofriam na pele o paradoxo da sensação do abandono daqueles que amam em nome do seu cuidado. Não admira, por isso, a enormidade de caras fechas, algo zangadas até, com que me deparava todos os dias.    E nós não somos assim. Não somos mesmo assim.    Nestes últimos dias, passado o
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  Dê-se à miudagem um belíssimo dia de sol, uma piscina e uns escorregas, e teremos semeado as memórias de um dia absolutamente inesquecível. Sobretudo se nunca o fizeram antes. Continuo a deixar que a realidade me surpreenda! "Deixo a caixa dos comprimidos do enjoo para a minha filha. Não sei se ela enjoa, porque nunca andou de autocarro nem de camioneta, mas leva de qualquer maneira. E se algum miúdo precisar, pode dar desses." Quando comentava isto, espantado pelo facto de uma miúda com 7 anos nunca ter andado de camioneta, fiquei ainda mais espantado quando soube que ela nunca viu o mar. O nosso Espaço RAIZ fica a pouco mais 1 km do das praias da Foz do Douro, e aquela miúda, que vive junto ao RAIZ, nunca viu o mar! Em 2022, neste país à beira mar plantado, há pessoas nascidas neste século que ainda não viram o mar! Estas coisas provocam em mim o efeito necessário: coloco os pés no chão e abro os olhos, permitindo-me ver bem quem tenho diante de mim. E ainda bem que tudo
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  Apesar de tudo aquilo com que me deparo todos os dias, estranho bastante o mal. Não o mal por acidente, o que acontece inadvertidamente, sem querer, que é consequência de um qualquer deslize ou atitude menos refletida. Esse tem remendo, mais ou menos fácil, em função da verticalidade de quem o comete. Mas existe aquele mal, pensado, programado, intencional, profundamente desumano e desligado da vida, porque nem sequer animalesco é, mas a negação da própria vida. Sua ou dos outros. E esse mal existe. É-me muitas vezes inimaginável. Mas por vezes encontro-o. Olhos nos olhos. E desarma-me. Eu estou longe de viver numa bolha ou num conto de fadas. Como acontece com qualquer pessoa minimamente vivida, eu conheço a dor, provocada e sentida, a desilusão, profunda ou passageira, a falsidade (com a qual tenho tremenda dificuldade em lidar), que deixa sempre marcas profundas, e tantas outras formas engenhosas de fazer mal. Sei como o mal habita as margens, quer de cada um de nós, quer d