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A mostrar mensagens de 2022
Ontem fomos ao circo. Um espetáculo de qualidade, mesmo para mim, que não gosto por aí além de circo. Mas respeito muito aquela gente e a maneira como escolheram viver. Como acontece quase sempre nestas alturas, sinto-me muito mais atraído para prestar atenção à sombra que à luz. Gosto de ver o que as pessoas fazem quando a luz escolhe outro foco de atenção, e aqueles que habitam a luz dão sempre boas lições quando estão na sombra. E ontem não fugiu à regra. Mas ontem foi dia de festa. Porque não fui eu quem foi ao circo, mas os nossos miúdos do RAIZ. A excitação era tanta que a determinada altura (às vezes sou assim "tapado") lhes disse para falarem baixo, mas logo me apercebi da minha estupidez. Na verdade, todo o espetáculo está montado para que eles vibrem, aplaudam, dancem e cantem, e isso não é compatível com vozes controladas e rabiotes sossegadamente alapados nas cadeiras. E se alguém sabe vibrar até ao limite das gargantas, são eles. E como foi bom vê-los a vibrar! É
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Vou lendo aqui  https://www.americamagazine.org/faith/2022/11/28/pope-francis-interview-america-244225 com calma, saboreando, a entrevista que o Papa deu a um orgão de comunicação social norte americano. Não li tudo, ainda, porque gosto de ir toando notas, refletindo, por partes, deixando que as palavras ecoem em mim e tenham a necessária repercussão na minha vida. Nada do que leio na e da Igreja me é estranho, me é inócuo, promove sempre uma reação - por vezes meramente instintiva - da minha parte. Ou concordo, ou discordo, mas tomo sempre uma posição.  Na parte desta entrevista que já li, quando inquirido acerca da Conferência Episcopal americana, o Papa responde que para ele o que é importante é a relação sacramental entre o Bispo e a sua comunidade. O resto é organizacional. Sorrio. Não poderia esta mais de acordo. E extrapolo: o importante é a relação íntima de cada cristão, de cada pessoa com o Pai, com Jesus Cristo, mergulhado no Espírito. A Igreja é, para o cuidado e o crescime
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Tenho, não o hábito, mas o propósito, de rezar todos os dias. Para além de fazer parte do que faço - toda a minha vida profissional gira em torno de Deus - faz parte do que sou - toda a minha vida acontece, efetivamente, com Deus dentro. Rezar é-me, por isso, tão natural quanto respirar. No entanto, há dias em que sinto uma imensa saudade de rezar! A verdade é que os dias se vão sucedendo uns aos outros, as pequenas questões, os pequenos trabalhos, o pequeno quotidiano vai avançando, e eu vou saltando pelos dias, com a leveza de um hipopótamos, de nenúfar em nenúfar, tentando manter o equilíbrio impossível, dando-me por satisfeito por chegar ao final do dia vivo e, ainda por cima, satisfeito com o mínimo de eficácia conseguido. E sinto imensa falta da paragem, do nosso mútuo diálogo interior, na serenidade, no encontro profundo, na mútua redescoberta. Sinto a falta do clima interior de Taizé, daquele ritual de chegada à capela, do meu destapar - tiro o gorro, o cachecol, dispo o casaco
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Volta e meia sinto-me sozinho nesta Igreja que amo e à qual dedico grande parte da minha vida. Não é coisa que me custe assim por aí além, nem é coisa de agora. É de sempre. Provavelmente porque sou um tardio na fé, porque nasci no seio de uma família que ainda não era católica, porque apenas com cerca de 15 anos, e por vias travessas, descobri a imensidão de Jesus, provavelmente por isso tudo e mais alguma coisa, há aspetos na Igreja que eu não entendo e por isso não posso defender. Um deles, que vem recorrentemente à liça, é a questão do purgatório, que está ligado às almas que se pretensamente se salvam graças à nossa oração, que está ligada às intenções das missas e isso tudo. Eu acredito num Deus infinitamente bom, num Deus que espera até à ultima para acolher quem O busca, um Deus que não depende em nada dos homens a não ser para Lhe abrirmos a porta. Acredito, por isso, em termos meramente hipotéticos, na existência do Inferno, que é "apenas" a negação de Deus. Outra d
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  Voltamos a conversar acerca deste buraco, hoje. Mais uma vez, fica a sensação que não me fiz entender. Não há maneira de o fazer. Como posso falar destes buracos a quem nunca os sentiu, nunca lhe pôs a vista em cima, nunca fez parte da sua realidade? Como falar de incompletude a quem se sente completo? Não é possível. Mas também não é possível, ou desejável sequer, tapar esse buraco. Mais vale assumir a sua presença, perceber que está lá, permanentemente lá, e viver com isso, tendo o cuidado de o contornar, tendo a sensatez de lhe encontrar a corda ou as escadas ou pelo menos a mão disponível quando lá se cai. Assim será com os buracos da nossa vida: de nada adianta varrê-los para debaixo do tapete, torná-los omnipresentes de tanto se forçar o seu desaparecimento. Porque o buraco é também parte do que somos. E uma importante parte.
Já tinha imensas saudades! Este fim de semana voltamos a ter Encontro Nacional do ComTigo. Cheguei lá a ir buscar energia ao fundo de mim porque a semana tina sido uma verdadeira loucura. Como acredito que acontece muitas vezes a quem é educador, vesti o sorriso na esperança que com ele pudesse contagiar quem tinha diante de mim, que sabia estarem cheios de expectativa da boa. Nestas coisas, ou são conquistados nos primeiros 15 minutos ou dificilmente vão lá das pernas, por isso dou couro e cabelo nesse curto período, sabendo que depois a coisa entra em modo de gestão. Então, nesse momento, ninguém canta mais alto, ninguém dança mais escangalhado, ninguém tem o sorriso mais aberto que o meu. Depois é ir. Depois foi deixar ir, deixar fluir, ficarmos permeáveis à alegria e à energia que nos rodeia, permitindo-nos invadir pelo elixir da juventude. E foi tão bom! Cheguei ao fim rebentado, com a cabeça a estoirar de cansaço, mas chegamos todos felizes. E quando é assim, vale bem a pena. Com
Politicamente, não sou nem de direita nem de esquerda, sou adepto da Doutrina Social da Igreja que, como deve ser, bebe em ambas as margens, sem exclusividades nem radicalismos. No centro está sempre a pessoa, na sua circunstância, na sua luta, fundamentalmente no seu direito à dignidade - e quantas vezes é a própria Igreja a esquecê-lo! Tenho, por isso, uma costela de esquerda no que toca à defesa intransigente dos que mais precisam e se encontram indefesos perante um capital que é demolidor na sua cegueira de busca incessante do lucro; e uma costela de direita perante aqueles que se querem substituir às pessoas e ao seu direito a construir um futuro devidamente recompensado pelo seu esforço e mérito. Esquerda e Direita não me assustam, por isso. O mesmo já não posso dizer dos extremos, quaisquer que eles sejam. Porque vêm da cegueira ideológica e conduzem à cegueira ideológica, à desatenção pelas pessoas concretas nas suas situações concretas e se guiam por agrupamentos ideológicos q

A técnica do Pateta

Perceber que a sabedoria é sempre sábia, qualquer que seja a sua origem, sempre foi um dos meus melhores instintos. Isso permite-me a gratidão de aprender, todos os dias, com as mais diversas pessoas e situações. E sempre foi assim. Ainda agora, em conversa mais ou menos divertida, dizia que este ano irei aplicar o Técnica do Pateta. E recontei como, em miúdo, me ficou marcada uma pequena BD em que o Pateta, por castigo, se viu forçado a varrer todo o pavimento até Roma. Quando o Mickey lhe perguntou como iria cumprir essa impossível tarefa, o Pateta respondeu "é fácil: varres um quadrado, respiras, varres o quadrado seguinte, respiras..." Este ano irei tentar fazer isso mesmo: concentro-me na tarefa que tenho entre mãos, respiro, concentro-me na tarefa seguinte, respiro... Na verdade, a sabedoria, quando é verdadeiramente sábia, é de uma simplicidade que estranha.
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    Recebi, logo de manhãzinha, a mensagem de uma amigo: "Parabéns, 17 anos é muito tempo!" Sorri. Sim, é muito tempo. Mais do que estive ligado a qualquer outra organização. Foram também muitos (e bons e, sobretudo, fundamentais) anos na G2E, alguns outros na minha empresa e, finalmente, o restante aqui, nesta casa. Vi a sua mensagem no momento em que entrava para a capela do colégio e me sentia invadir por aquele maravilhoso sentimento do regresso a casa. Foi, aliás, isso o que respondi: "não é muito tempo, quando te sentes na casa da família". Sim, isso é uma bênção. Uma verdadeira bênção. Não tardaram a chegar os rostos conhecidos, os rostos amigos, com a (passageira) jovialidade de quem regressa de férias. Alguns deles são também, para mim, regresso. Ás boas conversas, ao conhecimento mútuo, à mútua entrega na confiança, aos enormes desafios que nos esperam a todos ao longo deste ano que agora se inicia.  Algures na minha vida, já me foi extremamente penoso ir
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É sempre assim: por volta desta altura das férias, sinto uma enorme necessidade de me voltar a sentar ao computador e preparar o futuro. A nível profissional e pessoal sou de projetos. Não consigo ficar quieto por muito tempo e tenho aquela doença das borboletas na barriga que me leva a desejar meter-me de cabeça quando um bom projeto me é bem apresentado. Com alguma facilidade, emprenho pelos ouvidos e, uma vez metido, não sei viver de outra forma que não seja totalmente imerso no que faço, e como os dias me são pequenos, é muito frequente que as noites sejam povoadas com aquilo que, de dia, me ocupa o ser. Se é verdade que Deus nos fala através dos sonhos, então Ele é um chefe que não se cala. E às vezes bem precisava do descanso! A minha forma de fazer tem algo a haver com as vacas: primeiro engulo tudo sem mastigar e só depois, nas minhas caminhadas, na minha elíptica, nos momentos em que aparentemente estou a fazer cera, é que o que me alimenta volta à atualidade e aí é devidament

vergonha

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Todos nós já sentimos, em alguma altura, vergonha alheia. Seja com um tio desbragado numa qualquer cerimónia, um amigo que sabemos ser impecável apesar do seu ocasional comportamento desapropriado, ou, neste caso, com uma Igreja que sabemos, por experiência própria, ser imensamente mais do que aquilo que tem sido manifestamente noticiado. Nestas alturas não tenho por hábito sacudir a água do capote: defendo, quando muito, calo, e deixo para uma outra altura uma conversa mais apropriada que nos permita enriquecer mutuamente.  Nesta altura é-me particularmente difícil lidar com a vergonha que, ainda por cima, não sinto como propriamente alheia mas como também minha, da família que escolhi para viver comigo a fé: a Igreja. Em momento algum senti que este era um problema que não me diz respeito. Não porque tenha contactado direta ou indiretamente com casos de pedofilia ou qualquer tipo de abuso físico, mas porque, agora que se têm provado - ainda que não em tribunal - tornam mais clara uma
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Trabalho há tempo suficiente com malta nova para saber que as imagens que muitas vezes são projetadas não correspondem à verdade. Na verdade, não são nem anjos imaculados nem diabinhos à solta, são pessoas em construção num universo muitas vezes demasiado confuso e multidisciplinar para que eles consigam perceber o chão que pisam. Por isso, normalmente, no que toca a malta nova, tenho ambos os pés no chão. Não que não me deixe contagiar e entusiasmar e sonhar e projetar com eles. Pelo contrário, sou muitas vezes quem (ainda) despoleta essa alegria e esse voar para além do que lhes é dado a viver. Há miúdos, então, que pelas suas circunstâncias precisam muito mais de sonhar que de pão para a boca, que esse vão tendo, apesar de tudo. Sim, voo com eles e a partir deles. Muitas vezes. Mas sei que, na melhor das hipóteses, seremos andaimes, nada mais que isso. E que é justamente andaimes, o que deveremos ser. E andaimes unipessoais, feitos à medida de cada um e, mesmo com cada um, adaptávei
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    Começa-se a respirar um outro ar, neste nosso pequeno burgo que é o nosso local de trabalho.    Há menos de um mês, chegava à sala dos professores, dizia bom dia e, no máximo, obtinha como resposta um ou dois grunhidos mais ou menos percetíveis. Eu, que não sou professor - e que nessas alturas vivo numa outra cadência - olhava e via tudo pressionado pelo tempo, pelos resultados, pelos projetos, pelas agendas. Ninguém falava com ninguém de outra coisa que não fosse correções e provas e notas e reuniões e pautas e escalas. Chegavam todos demasiado cedo e saiam todos demasiado tarde e, invariavelmente, era quase visível a olho nu o peso do sentimento de culpa de não terem tempo para aqueles que amam, porque sofriam na pele o paradoxo da sensação do abandono daqueles que amam em nome do seu cuidado. Não admira, por isso, a enormidade de caras fechas, algo zangadas até, com que me deparava todos os dias.    E nós não somos assim. Não somos mesmo assim.    Nestes últimos dias, passado o
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  Dê-se à miudagem um belíssimo dia de sol, uma piscina e uns escorregas, e teremos semeado as memórias de um dia absolutamente inesquecível. Sobretudo se nunca o fizeram antes. Continuo a deixar que a realidade me surpreenda! "Deixo a caixa dos comprimidos do enjoo para a minha filha. Não sei se ela enjoa, porque nunca andou de autocarro nem de camioneta, mas leva de qualquer maneira. E se algum miúdo precisar, pode dar desses." Quando comentava isto, espantado pelo facto de uma miúda com 7 anos nunca ter andado de camioneta, fiquei ainda mais espantado quando soube que ela nunca viu o mar. O nosso Espaço RAIZ fica a pouco mais 1 km do das praias da Foz do Douro, e aquela miúda, que vive junto ao RAIZ, nunca viu o mar! Em 2022, neste país à beira mar plantado, há pessoas nascidas neste século que ainda não viram o mar! Estas coisas provocam em mim o efeito necessário: coloco os pés no chão e abro os olhos, permitindo-me ver bem quem tenho diante de mim. E ainda bem que tudo
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  Apesar de tudo aquilo com que me deparo todos os dias, estranho bastante o mal. Não o mal por acidente, o que acontece inadvertidamente, sem querer, que é consequência de um qualquer deslize ou atitude menos refletida. Esse tem remendo, mais ou menos fácil, em função da verticalidade de quem o comete. Mas existe aquele mal, pensado, programado, intencional, profundamente desumano e desligado da vida, porque nem sequer animalesco é, mas a negação da própria vida. Sua ou dos outros. E esse mal existe. É-me muitas vezes inimaginável. Mas por vezes encontro-o. Olhos nos olhos. E desarma-me. Eu estou longe de viver numa bolha ou num conto de fadas. Como acontece com qualquer pessoa minimamente vivida, eu conheço a dor, provocada e sentida, a desilusão, profunda ou passageira, a falsidade (com a qual tenho tremenda dificuldade em lidar), que deixa sempre marcas profundas, e tantas outras formas engenhosas de fazer mal. Sei como o mal habita as margens, quer de cada um de nós, quer d
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  Foi um bom ensinamento. Estava eu casado há pouco tempo e tinha a folia do exercício físico. Como frequentemente me acontece - agora menos - não conseguia perceber como é que aquilo que era tão evidente para mim - a importância do exercício em termos físicos e mentais - podia ser tão desprezível para os outros. E inscrevi a Isabel no ginásio, claro, porque lhe faria bem à cabeça. Como raramente ia, fui percebendo, algo contrariado, que para a Isabel meia hora de jardinagem era tão fundamental quanto uma hora de ginásio para mim. E aprendi. Várias coisas. A primeira foi a ver com olhos de ver. Mas a principal é que eu não sou a medida de ninguém: aquilo que é notório e evidente para mim não o é necessariamente para os outros. E aprendi que somos felizes de maneira diferente. E que todos temos o direito de procurar essa felicidade sem termos que lidar com os achismos dos outros. Esta é uma lição que preciso de ir buscar várias vezes ao baú da memória. Assim aconteceu com as escolhas do
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  Caminho cedo, à beira mar, nesta maravilhosa manhã. Hoje, sozinho, entretido com os meus botões, apenas ocasionalmente interrompido pelos sorrisos trocados com aqueles com quem me cruzo todas as manhãs. Princípio da semana em que farei 56, altura, em termos profissionais e pessoais, de balanços, de avaliar rumos e pertenças, de pesos e medidas. A contragosto, que já cheguei ao tempo de não me contrariar, nestes e noutros aspetos de prós e contras, limitando-me a perceber e a tentar abraçar o que vou sendo. E é justamente esse o gerúndio que habito: vou sendo. No fim de semana aconteceu a festa das famílias, e dos alunos, e daqueles com quem trabalho. Inevitavelmente, mal coloquei o pé dentro, instalou-se o desconforto. Num acontecimento que é concebido para que nos reconheçamos mutuamente no imenso que nos une, procuro o impossível, refugiando-me num canto, olhando, cumprimentando aqui e ali, quando não o consigo evitar, sorrindo genuína mas atabalhoadamente, com o mesmo à vontade co
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Não tenho por hábito reler o que escrevo. Nem sequer para corrigir. Já na faculdade utilizava um método que sempre me deu bons resultados: gastava tempo a hierarquizar a resposta por tópicos que ia riscando à medida que os colocava na folha de exame. Colocado o ponto final, fechava o exame, exausto, e entregava-o assim, sem o reler.  Na verdade, tendo a escrever como vivo: de supetão, sem pensar demasiado, atirando-me de cabeça, e espantando-me, mais tarde, com as enormidades que disse ou cometi. Durante imenso tempo, como não aprecio por aí além esta forma de ser, batalhei contra ela, forçando-me a ser outro, porventura de quem gostasse mais. Está bom de ver que esta sempre foi uma batalha perdida. E fui aprendendo a apreciar mais a autenticidade, ainda que esta acarrete maior confusão. Não relendo o que escrevo, sou, no entanto, curioso à frequência com que o faço. Há alturas em que escrevo dias seguidos, em que transbordo (para mim a escrita é sempre um vomitar) dias seguidos como s
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  Não sou muito das redes sociais imediatas. Acho-as, hoje, fundamentais para comunicar aquilo que é breve e passageiro, mas prefiro o que deixa lastro. Por isso sou mais de blogues e de podcasts. Hoje de manhã ouvia um dos muitos podcasts que oiço onde se discutia a última prova de Formula 1, que aconteceu em Miami. Nunca tinha acontecido ali uma prova antes e o que o repórter disse foi que aquilo teve imensa gente, muita animação, mas que apenas 5% dos que estavam lá é que viram a prova ou sabem sequer o que é a Formula 1: os restantes foram apenas para o espetáculo e estariam qualquer que fosse a modalidade. E concluiu "se calhar é isso que é suposto acontecer e eu estou a ser demasiado exigente". Eu pensei imediatamente nas JMJ, que acontecerão no próximo ano. Nada a haver? Na minha opinião, tudo. Sim, será um enorme espetáculo, sim, terá milhares de pessoas, de jovens, sim, será um enorme acontecimento para a Igreja, para Portugal, para o mundo. Será? Até pela minha hist
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  Há já muito tempo que abandonei a pretensão de ser percebido na minha maneira de amar. Cada um terá a sua, fruto do seu entorno pessoal, do amor e do desamor que experienciou, às vezes com dor, outras com inusitada felicidade, e eu, claro, não escapo à regra.  Eu amo com pudor.  O amor é uma porta que se abre apenas por dentro, que exige um consentimento e uma disponibilidade interior que nada nem situação alguma consegue forçar. É um diálogo, mútuo, íntimo, profundo, e porque é diálogo é propício a malentendidos, que, porque é profundo, são sempre dolorosos, que, porque são íntimos, nem sempre são portadores da clareza que facilmente tudo resolveria no amor. Há todo um cuidado, revestido de atenção, que se exige no amor. Um constante lidar com pinças onde as palavras, os gestos, as atitudes, os olhares, adquirem um peso que apenas no amor é o seu, específico, exclusivo, absoluto. A forma como olho, como falo, como escuto, como me entrego, a quem amo, é por isso diferente, também dep
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Não é todos os dias que testemunho o nascimento de Deus em alguém. Demasiadas vezes tenho Deus como garantidamente certo. Mesmo eu, que vivo imerso por entre pessoas para quem a referência mais imediata de Jesus é a do treinador de futebol, esqueço-me frequentemente que Deus é um habitante desconhecido em tantas pessoas das comunidades que habito. Este fim de semana foi de Rumos: uma caminhada de Ansião a Fátima por entre aldeias e caminhos de santiago entrecortadas por dinâmicas de reflexão e oração. Connosco, pela primeira vez, foram alguns miúdos do RAIZ para quem tudo aquilo era novo: o caminho, as aldeias, as paisagens, as reflexões, mas sobretudo as orações. Durante a primeira - feita logo no arranque - só se conseguiam rir de espanto e nervosismo: tudo era estranheza e sentiam-se peixes fora de água. Pouco tempo depois já no caminho, conversamos: "stor, eu não sei rezar, nunca rezei". "Não te preocupes, não tens que fazer nada, nem responder: limita-te a ficar em
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    Espanto dos espantos: todos nós somos diferentes em função da companhia. Talvez não na essência - embora por vezes aconteça - mas na forma, com certeza que sim. Não faria sentido, aliás, se assim não fosse. Se não tivéssemos pessoas especiais e momentos especiais não teríamos amigos nem namorados nem casamentos nem confidentes e seria tudo a mesma coisa. E sabemos como isso não acontece. E sabemos também que não falamos com todos da mesma maneira, não dizemos a todos o mesmo e muito menos com a mesma profundidade. E isso não é menosprezo, mas escolha, o que torna as nossas pessoas muito especiais. As minhas são. E mesmo essas não se deparam com a mesma versão de mim. Até por causa das circunstâncias! Eu, por exemplo, tenho extraordinária facilidade em me comover enquanto testemunha direta de uma qualquer dor e, pelo contrário, tenho enorme dificuldade em agir à distância. Ainda agora, com a pandemia e, depois, a guerra da Ucrânia, confirmei que me é muito mais natural e imediato en
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  Para além de todas as teorias, de todas as homilias, de todas as liturgias, há duas atitudes fundamentais de Jesus que me levaram e levam todos os dias a tentar aderir, de corpo e alma, à fé cristã: acolher e perdoar. Nas turmas onde tenho testemunhado algumas destas coisas de viver com Deus dentro refiro sempre a profunda humanidade de Jesus. Sim, para mim, Jesus é a imagem do Pai, é o Seu filho, é aquele que une céu e terra, no sentido em que, sendo Deus, vem ao nosso encontro e, sendo homem, leva-nos ao encontro com o Pai. No entanto, para alguns daqueles a quem eu falo, dizer isto é dizer pouco mais que nada. Por isso falo-lhes da humanidade de Jesus, da maneira como Ele sentava e conversava, no olhar que fazia incidir sobre as pessoas que habitavam as margens a quem, invariavelmente, fazia recordar uma dignidade que todos davam como perdida. A começar pelos próprios. E recordo-lhes como isso é algo que todos podemos fazer. Não precisamos de ter fé, não precisamos de ter grandes
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  O medo  Certa manhã, ganhamos de presente um coelhinho das índias. Chegou em casa numa gaiola. Ao meio-dia, abri a porta da gaiola. Voltei para casa ao anoitecer e o encontrei tal e qual o havia deixado: gaiola adentro, grudado nas barras, tremendo por causa do susto da liberdade. O Livro dos Abraços, de Galeano   Detesto o medo. Não aquele natural, essencial até, que nos resta da nossa condição de animal e que nos permite manter os sentidos alertas para tudo o que pode, efetivamente, por em risco a nossa vida. Desse também não gosto muito mas, no limite, impede-nos de saltar de cabeça a partir do alto de um prédio qualquer. E também não me refiro ao medo que advém da imensidão de amar, que nos desperta para a proteção, para o abraço, que nos comove para a necessidade de cuidar quando estamos perante alguém que sofre. Esse é-nos dado pela nossa condição humana, que nos faz ultrapassar-nos a nós próprios e às nossas conveniências. O medo que detesto mesmo é o medo irracional, que não
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  Hoje, numa turma, tive dificuldade em fazer-lhes perceber a importância do sonho. Talvez porque são miúdos imersos numa (demasiado?) boa realidade, feita de objetivos claros, de percursos há muito delineados, onde não há grande lugar para devaneios. Muitos deles são miúdos já com muito pouco de miúdos, tal é a carga que lhes é imposta por eles próprios e pelos seus pais e pelas elevadíssimas expectativas que uns e outros têm para as suas vidas. Eu olho para eles e tenho alguma dificuldade em perceber. Naquela idade não deveriam ainda levar as coisas demasiado a sério. Deveriam ser capazes de arriscar, de viver a felicidade ao máximo, de aprender que as noites podem ser infinitas e os amanheceres irrepetíveis na melhor das companhias, com todos os sentidos bem despertos para poderem usufruir o imensamente belo e o maravilhosamente novo, tão próprios da idade que têm. E no entanto... olho-os e a muitos deles falta vida, demasiadamente preocupados com os testes e com as matérias e com a
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    Um dos livros que ando a ler, Ikigai, de Ken Mogi, refere a importância do saber estar "aqui e agora" como um dos pilares fundamentais para a felicidade. Eu gosto muito desse aqui e agora, desse carpe diem, dessa capacidade de aproveitar cada momento como se fosse o último, como se nada mais importasse. Naturalmente, não pode ser tomada por si só, como se não existisse continuidade como se a vida não tivesse ou não deixasse lastro. O saber viver aqui e agora é importante quando devidamente enquadrado num percurso de vida onde cabe a memória grata do caminho percorrido, das pessoas que nos habitam e nos permitem que nelas habitemos. E a esperança, essa quase ingénua confiança que a vida nos reserva coisas boas. O aqui e agora não implica, por isso, alheamento ou inconsciência, mas o louvor. Pela oportunidade de ser feliz, pela capacidade de viver a vida até ao tutano, intensamente, completamente, sem dar lugar à ressaca da culpa do dia seguinte. E sempre na forma partilhad
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  Não tenho desculpas. Não me adiantam justificações. Não é por falta de interesse, ou de conhecimento, ou de vontade. Começo os meus dias a rezar, a procurar na Palavra do dia o sentido, a motivação, o desejo, não para viver mas para viver melhor, para ser melhor. Invariavelmente, chego ao fim do filme do dia com um sabor amargo na alma: aqui e ali, num ou noutro momento, não consegui, não fui capaz. E nem sequer é um sentimento vago de dever ser melhor, de conseguir ser outro. São momentos definidos, palavras concretas, conversas ditas e escutadas, atitudes testemunhas e exercidas, no concreto do meu dia, da minha vida, daquilo que vou sendo, com os outros. Diria que este amargo sabor a pouco é profiláctico. Que me restitui ao lugar a que pertenço, que me impede de deixar ainda mais a desejar, que é um incentivo a que eu nunca deixe de, pelo menos, tentar, de conseguir ser um bocadinho melhor a cada dia que passa. É azeda, contudo, esta sensação de não chegar. É cansativa esta consta
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  De entre os inúmeros aspetos da minha personalidade que, pudesse eu, seriam rifados com uma alegria imensa, há um que me mete sempre em trabalhos. Não sei bem porquê, mas não sou muito dado a unanimidades. Quando está toda a gente de acordo, com um olhar monofocado sobre o que quer que seja, eu descubro-me a, instintivamente, procurar a falha e a alterar a forma como eu vejo a coisa. Nesta altura com a guerra na Ucrânia, passa-se um bocadinho isso. Claro que sou contra a estupidez do Putin, claro que é uma agressão bárbara, claro devemos fazer tudo para acolher os refugiados, claro que estamos todos de acordo que nestas alturas quem se lixa é o mexilhão e é para ele, fundamentalmente, que devemos olhar e, sobretudo, acolher. No entanto, isso não me faz tecer loas nem à Ucrânia nem ao seu presidente. Nem me predispõe grande coisa a embarcar nas inúmeras campanhas de solidariedade que nesta altura abundam por esta europa fora. Por um lado por causa do excesso de emotividade - que me põ
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  Quando fui para a faculdade  estudar Ciências Religiosas, uma amiga fez-me um aviso que nunca mais esqueci: "Tem cuidado. Num curso desses ou a tua fé tem raízes e sai fortalecida ou corres o risco sério de a perder." Ao longo dos vários anos da faculdade tive sempre bem presente este aviso. Que se revelou verdadeiro. Quando estudava a História da Igreja, a Eclesiologia e outras disciplinas deste género, deparei-me com muitos acontecimentos nossos, da Igreja, que estavam bem longe de Jesus. E isso pode ser verdadeiramente perturbador. Afinal, eu estou completamente imerso na Igreja, faço parte dela, quero fazer parte da sua história, da sua realidade, e nem sempre o legado é aquele que eu gostaria que fosse. Recentemente, isso tornou-se gritantemente evidente com os inúmeros casos de pedofilia que ocorreram no nosso seio. Perante esses acontecimentos, só me resta a vergonha - que nem sequer é alheia mas também minha porque não me posso por de fora quando me é convenientemen
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  Por vezes há coisas que dizemos e ouvimos dizer que soam a mais do mesmo, a verbo para encher meninos, como o meu pai me dizia. Outras, porém, constituem oportunidades para a desconstrução dos nossos próprios conceitos. E eu adoro quando isso acontece. Há algum tempo, fui convidado para falar em algumas turmas acerca do que é esta coisa de viver com fé. Como eu não sei bem o que isso seja - nem tenha capacidade de dizer o que quer que seja acerca do assunto - preferi falar do que é viver com Deus dentro. Porque essas são certezas: a que sou habitado por Ele e a que quero que Ele me habite, mas, mais que isso, que essa cohabitação tem consequências práticas na minha vida e na dos que me rodeiam. E eu gosto de alicerçar o que digo naquilo que vivo. Numa das últimas aulas, uma aluna, provavelmente algo insatisfeita por eu não ter abordado convenientemente a fé (a propósito, engana-se redondamente quem acha que os miúdos hoje não querem saber da fé para nada), perguntou-me o que era a fé
Sentar e escutar, acolher, com o coração aberto, um outro coração, eventualmente ferido, eventualmente magoado, eventualmente perdido, ser admitido na dor dos outros, é um privilégio. Pena é que eu nem sempre tenha a serenidade, a abertura e a coragem de me dispor a fazê-lo.
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  Quando estou com a cabeça cheia, assoberbada, recorro ao básico, ao primeiro. Passeio-me no Parque da Cidade, sento-me junto ao mar, deixo que a brisa me envolva e o som das ondas me invada. Abandono-me. Não faço qualquer esforço para calar o que a cabeça me grita mas, pelo contrário, deixo fluir, até que a sua voz enrouqueça e atenue, lentamente, recuperando a sua normal tonalidade para que, finalmente, abracemos juntos o silêncio.  O abandono tem muito de confiança, de deixar correr, de permitir a passagem do controlo. No meu caso, decorre da necessidade de regresso. À minha finitude, à minha pequenez, ao meu lugar. É um reganhar de consciência, de pertença, de reconhecimento. Recordo-me que não posso tudo e por isso abandono-me, conscientemente, a quem sei que tudo pode. Remeto-me ao conforto do silêncio profundo, que acontece no lugar onde, calculo, estará colocada a alma. Este silêncio que não é ausência mas inelutável presença, admitida, concedida, desejada intensamente para se
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  Tenho falado do Encontro de Cristo na minha vida em várias turmas.  Mais valia ler-lhes isto que encontrei hoje:   Maria Madalena - Sobre o primeiro encontro com Jesus Vi-o pela primeira vez em junho. Ele caminhava pelas plantações de trigo, quando passei por perto com minhas criadas. Ele estava só. O ritmo de seus passos não se comparava com o de outros homens, e jamais vi um corpo mover-se como o seu. Homens não pisam a terra daquela maneira. Até agora não sei se ele ia rápido ou devagar. Minhas criadas apontaram para ele, cochichando timidamente umas com as outras. Eu parei por um momento e levantei o braço para saudá-lo, mas ele não virou o rosto, nem sequer me olhou. Como o odiei nesse momento! Retraí-me, fria como se tivesse atravessado uma nevasca. Eu tremia. Naquela noite, sonhei com ele. Contaram-me depois que cheguei a gritar enquanto dormia e que meu sono havia sido agitado. Foi em agosto que voltei a vê-lo, pela janela. Ele estava sentado à somb
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  Ontem sabia que teria um dia cheio. No entanto, não era essa a mossa que sentia: dias cheios são o pão nosso de cada um dos meus dias e dou Graças por isso. O que me fazia mossa era a ânsia da normalidade que, há muito tempo, teima em primar pela ausência. Eu sempre gostei da normalidade da rotina, de saber, no início de cada manhã, com o que vou contar e antecipar os trabalhos, os temas, as reações. Por causa disso, dessa ilusão do controlo, os meus primeiros 5 segundos depois de uma qualquer surpresa dificilmente são positivos: reajo sempre com protesto. Depois acalmo, racionalizo, incorporo e encaixo-me no que a vida me dá. Mas, entretanto, esses 5 segundos já estiveram lá e foram visíveis para o autor da surpresa. E isso não costuma ser bom. Por outro lado, não gosto da queixa do antes é que era bom ou do éramos tão felizes e não sabíamos. Apesar das imensas memórias que me habitam - e que eu prezo, independentemente de me fazerem sorrir ou sofrer - creio que nunca fui um saudosi