Esta semana tive uma daquelas conversas deliciosas com um dos meus filhos, desta vez acerca da fé, da superstição e da importância de cada um fazer o seu próprio caminho de busca e discernimento. Por vezes ainda deixo que o medo me atrapalhe o amor. Por vezes, ainda caio na tentação de lhes definir o caminho, na perfeição, sem qualquer falha, limitando a sua possibilidade de errar, de cair e de se magoar. Por outro lado, utilizo algumas vezes a expressão "apanhar cacos" quando me quero referir ao nosso papel na vida daqueles que amamos. Pretendo com essa expressão referir-me à necessidade de os deixar ir, de os deixar escolher, dedicando-lhes sempre um olhar atento para evitar males maiores, deixando-os lidar com os males menores, fazendo-lhes sentir que estamos sempre disponíveis para apanhar os cacos e juntá-los quando as coisas não correm bem.

Recordo, com muita ternura, alguém que me retorquia, com alguma raiva, por entre lágrimas, que o que não quer é ter que apanhar cacos, que quer que aqueles que ama tanto permaneçam inteiros, intactos, felizes. Pois... nada nos dói mais que a dor daqueles que amamos. Na maioria das vezes nós até podemos bem com os nossos próprios cacos. Recolhemo-nos dos olhares - mesmo dos que nos amam! - lambemos feridas, sacudimos o pó da roupa, e seguimos em frente, sabendo nós e Deus como, e em que condições! Agora, lidar com uma dor que, não sendo nossa, se torna nossa por amor, se torna amplificada por amor, se torna insuportável por amor, é exigir o impossível! É exigir o milagre!

Por vezes penso que no amor só devia valer fechar os olhos e deixar fluir. Permitir que cada momento valesse apenas por cada momento, esquecendo histórias de vida, esquecendo percursos, esquecendo ontens e amanhãs, entregando-nos num permanente agora. Mas onde ficaríamos nós no meio de tanto amor? Numa permanente exaltação dos sentidos, num sucessivo momento zen, sem qualquer ligação com a realidade, sem qualquer ligação com o o mundo à nossa volta, sem qualquer ligação com a vida, sem qualquer vida, sem viver. Penso sempre em Pedro que, face à visão de Moisés, Elias e Jesus, se apressa a desejar construir uma cabana para os quatro e leva uma sarabanda de Jesus por causa disso.

Nessa conversa que tive esta semana, às tantas questionaram-me como é que sabia se Jesus era verdadeiramente Deus, como é que sabia que não era mais um profeta que eles seguiriam com gosto, com admiração, mas apenas mais um profeta, como Gandhi, ou Madre Teresa de Calcutá, ou Mandela. Poderia ter-lhes dado a minha resposta, mas teria sido sempre a minha resposta, fruto do meu percurso pessoal, da minha reflexão pessoal, do meu discernimento pessoal. E o que eu desejo é que cada um faça o seu próprio processo de discernimento e encontre as suas próprias respostas. Claro que uma tarefa dessas não é para agora, nem sequer é para amanhã. Claro que isso não os libertará das quedas, nãos os impedirá de dar as cabeçadas que irão dar, não limitará em nada a sua dor que se multiplicará em minha dor. Claro que isso em nada limitará a tarefa de ter que apanhar e juntar os cacos daqueles a quem tanto amamos! Mas a alternativa é impedi-los de viver, é tirar-lhes vida.
E tirar vida, qualquer que seja a boa intenção, não é um ato de amor.

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