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A mostrar mensagens de fevereiro, 2014
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São impagáveis, aqueles momentos a seguir ao jantar, lá em casa. Se durante o jantar vamos conversando, algazarradamente, sobre como foi o nosso dia, por entre gargalhadas e ralhetes, a profundidade está normalmente reservada para o prolongamento. Na realidade, apesar de perdermos muito tempo, todos os dias, à volta da mesa, por vezes precisamos ainda de mais tempo, desta vez com maior serenidade, para falarmos do que nos inquieta. E ficamos, normalmente, dois ou três, a discutir um qualquer assunto que tenho vindo à baila, normalmente relacionado com a fé. Ou melhor, com a forma como a fé se confronta com o quotidiano, O seu quotidiano. À medida que os meus filhos se vão descobrindo no caminho que percorrem, vão-se confrontando com o que foram aprendendo de nós, dos avós e de toda a comunidade de fé que nos envolve, nem sempre condizente com o mundo muito mais multicolor com que se deparam na faculdade. É nesta altura que fazem as suas primeiras escolhas decisivas, fundamentadoras
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Uma das minhas filhas tem uma extraordinária obsessão com ela própria. Como até grande parte da sua adolescência era gordinha, especializou-se em encontrar-se defeitos físicos, nem que para isso recorra àqueles espelhos de aumentar que nos tornam, inapelavelmente, horríveis criaturas de Deus. Ela, por sinal, é lindíssima, muitíssimo inteligente e trabalhadora e com uma capacidade incrível de se voltar para os outros. Não fosse a sua tremenda falta de autoconfiança, e teria tudo para ser e fazer felizes os que têm a sorte de gravitar à sua volta. Assim, dependerá sempre daqueles que lhe ampararão a vida e as escolhas. Os amigos, para ela, são por isso particularmente decisivos: ela é o que eles forem. Converso muito com ela, tal como com todos os meus filhos. Leio-lhe a alma com muita facilidade, antecipo as suas angústias, elevo-a quando está em baixo, baixo-lhe a crista quando, iludida, pretende ser o que nunca foi nem será, sobretudo porque é muito melhor. O seu futuro aproxima-s
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Divorciaram-se. Recentemente. Foi um choque para todos. Sabíamos como eles se amaram, como construíram uma vida juntos, como partilharam sonhos e projetos e vidas eternas. Foi um choque e uma lição. Acontece a todos, é o que alguns dizem. Mas eu estas coisas nunca apenas acontecem. Numa conversa, quis-me contar o que se passara. Não havia infidelidades, nem sequer outra relação, não havia outro projeto de vida, não havia nada que fosse suficientemente forte para acabar com uma relação de tantos anos. Apenas se sentia mal amado. Já não havia o mimo, o cuidado, a atenção quotidiana que sempre tiveram um com o outro. E não fora para isso que se casara. Por várias vezes, deu por si, tolamente, a invejar aqueles casais que via de mão dada no shopping ou na rua. Invejava os gestos de carinho delas, as festas no cabelo, as conversas intimistas, sussurantes, cúmplices. Já não tinham isso há algum tempo e ele sentia-lhes imenso a falta. Também não era cama, o que lhe faltava, mas a intimida
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Cheguei a uma fase da minha vida em que apenas desejo duas coisas: ser feliz e fazer feliz. Chega-me. Não tenho grandes projetos, não tenho grandes empreendimentos, não almejo já alcançar mundos e fundos, sobretudo se a energia necessária para que isso aconteça me desviar das duas coisas que realmente me importam: ser feliz e fazer feliz. Pode parecer lapaliciano, este desejo, mas não creio que o seja. Tempos houve em que eu corria atrás de muitas coisas, tinha muitos projetos, muitas preocupações, nomeadamente a de conseguir as condições para que os meus pudessem desenvolver as suas capacidades da melhor forma possível. Continuo a ter essa preocupação, claro, mas não corro já atrás de coisas. Tenho sonhos, agora, alguns, mas já não tenho projetos. E os meus sonhos nada têm a ver com coisas, mas sobretudo com a capacidade de saborear o que os dias me vão dando, como máximo de sabedoria e tranquilidade possível. Mesmo para os meus filhos, importa-me agora muito mais que eles sintam
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Este blogue serve para muitas coisas. Desabafo, procura e encontro, um pouco de arquivo ao que vou sentindo e até ponto de miragem para mim próprio. Ao ler muitos dos meus posts mais antigos apercebo-me como vou flutuando ao sabor da maré mas percebo também um rumo definido. E isso é bom, particularmente quando, até há bem pouco tempo, a ideia que eu tinha de mim era a de uma maria vai com as outras. Tento sempre não pensar na possibilidade de me lerem. Se este blogue não é secreto - é estúpido pretender que qualquer coisa seja secreta na net - tem pelo menos a clara intenção de circular, anónimo, em plena Santa Catarina numa sábado de manhã de saldos: perfeitamente invisível aos olhares da multidão. É assim que é, é assim que deve ser. E eu fico feliz por isso. Nestas noites de insónias, que regressaram sempre com o mesmo pretexto, tenho-me tentado furtar à dor de cabeça pensando em meia dúzia de ideias para outros tantos contos. Qualquer dia aventuro-me. Coisa simples e banal, a
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Têm-me dito, ultimamente, com alguma frequência, que me devia dar mais valor. Fazer-me mais caro, dizer mais vezes que não posso, que estou muito ocupado, que têm que arranjar outro alguém para fazer o que querem ver feito. Fazer marketing de mim mesmo, por forma a que os outros me reconheçam como peça fundamental e indispensável. Tolos. Não me conhecem. A primeira vez que senti que não queria abdicar de ser eu tinha cerca de doze anos. Como gaguejo, uma professora contactou um especialista de terapia da fala para me por normal. Fui a meia dúzia de sessões, aprendi algumas técnicas, mas percebi que não era para mim. A artificialidade da minha forma de falar tinha implicações na naturalidade da minha forma de ser. Entre ambas, instintivamente ou por comodismo, escolhi a segunda. Ainda bem. Quando sabiam que eu tinha quatro filhos e que viria mais uma a caminho, ainda por cima nem minha filha era, chamavam-nos tolos. Uma senhora lá da paróquia, por sinal das que batem com a mão no
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Eu namoro. Todos os dias. Ou pelo menos tento, que por vezes a vida não se compadece com o tempo para estas coisas. Porque estas coisas precisam do tempo. Principalmente depois da fase do encantamento passar. Sim, porque enquanto há encantamento há sempre tempo, as nossas escolhas fazem com que haja sempre tempo. Mas nem sempre há encantamento. e aí, não há hipótese: ou há amor e arranja-se tempo, ou ficava tudo pelo encantamento e o encantamento é maravilhoso mas é fugaz. E passageiro. E às tantas estamos a pesar o que gostamos de fazer e descobrimos que gostamos de fazer qualquer outra coisa e acabou. E mais vale acabar. Eu namoro. Todos os dias. Ou pelo menos tento, por entre a correria, que até nem é má porque impede a monotonia, e permite aquela sensação tão boa que estamos a roubar tempo ao tempo porque gostamos de estar juntos. E nós gostamos mesmo de estar juntos. Sempre. Adoramos conversar sobre tudo e sobre nada, adoramos caminhar à beira mar ou imaginando-nos à beira mar
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Pensar é absolutamente fundamental para mim. Há muitos anos via com os meus filhos uma animação em que a sociedade estava organizada entre thinkers e doozers. Eu sou um thinker. Gosto muito de fazer coisas, de ter os meus dias preenchidos, de andar a correr de um lado para o outro. Mergulho de cabeça com o meu trabalho, que poucas vezes sinto como tal, e apercebo-me do dia que passou apenas quando, à noite, caio na cama e passo em revista o que fiz e o que não consegui fazer. Os dias sucedem-se, as semanas sucedem-se, e às tantas eu á nãos ei a quantas ando. É por isso que eu sou um thinker. Eu preciso de desligar o piloto automático e de dar um sentido a isto tudo. Tenho um curso para acabar, a minha tese para apresentar e não tenho tido sequer disponibilidade mental para pensar nisso. De correria em correria, chego ao fim do dia completamente exausto e afundo no sofá, de onde saio apenas para ir para a cama. Sabe bem? Claro que sim. É bom para mim? Claro que não. Deixo-me enredar
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“Houve certos seres através dos quais Deus me amou”    Saint Martin, filósofo do século XVIII Adoro quando a minha verdade me chega de fora. Pode ser um livro, um filme, ou, como neste caso, a leitura de uma frase de uma das fabulosas entrevistas da Anabela Mota Ribeiro.  Por vezes cometemos o erro de pensar que somos especiais de corrida. No fim de semana passado, a propósito de uma acontecimento desagradável com alguém que ambos conhecemos, conversava com o meu filho mais novo. Ele dizia algo como "Não estava nada à espera que isso acontecesse. Ele não é de fazer destas coisas." E eu dizia-lhe que nós não somos especiais de corrida, nem vivemos em cima de um altar, nem pairamos acima de ninguém num pedestal. Nós somos pessoas comuns, mergulhadas na vida como todas as outras. Não existe essa coisa de "nós não fazemos destas coisas" ou de sermos particularmente abençoados por Deus, que evita que façamos o mal ou que coisas más nos aconteçam. O que nós somos
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Há algo de inquietantemente maravilhoso na amizade. Que pessoas tão diferentes entre si se deixem moldar pelas circunstâncias, que permitam que o acaso primeiro estabeleça e depois fortaleça os laços que os unem, é algo que apenas a Deus está reservado. Parece-me que, em determinada altura da vida, todos andamos à procura de alguém com quem partilharmos a vida. Parece-me também que esta é uma procura que, de alguma forma, fecha um ciclo, não o abre. Sabemos todos que por vezes as coisas não correm bem e as relações a dois acabam, mas, justamente, acabam quando não correm bem, porque à partida é desejo mútuo que dure a vida inteira. Este é um amor que pede exclusividade, entrega total, que precisa de fechar em si mesmo para que possa ser fecundo. Se quisermos, são duas sementes que se fundem numa só e apenas a partir desta pode ser gerada a vida. Este amor é exigente, construção e construtor, fundamento e fundador, e eu tenho a sorte da vontade de o iniciar todos os dias como se não
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"Só para te informar que quando se escreve oração no google apareces na primeira página". Olhei para a mensagem da minha filha e ri-me. "Vá lá. Podia ser por piores motivos." respondi-lhe. Descontando o facto de, aparentemente, a minha filha desconhecer o que são os cookies da google, que fazem com que as nossas pesquisas sejam personalizadas - originando que a sua primeira página seja diferente da de qualquer outro - não pude deixar de sentir um pequeno orgulho. A primeira coisa que me vem à cabeça nestes momentos é "nada mau para um puto do bairro". Esta é uma marca que me acompanha sempre, e que, curiosamente, apenas depois de Ramalde consegui pacificar em mim. Desta vez, no entanto, também fiquei feliz. O facto de a minha filha ver associado o meu nome à oração, apesar de eu não fazer a mínima ideia de como isso aconteceu, é daquelas coisas que poderão falar mais alto do que qualquer palavra que eu possa dizer. É verdade que a oração faz parte, mai
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Nós, cristãos, por vezes referimo-nos à sociedade como se a sociedade nos fosse algo estranho, exterior a nós, como se fizéssemos parte de uma reserva de puros que nada tem a ver com o que se passa “lá fora”. Então quando nos referimos à Família e aos Valores, fazemo-lo quase sempre em oposição, como se as nossas famílias e os nossos valores nada tivessem a ver com aqueles que a sociedade nos impõe. Esquecemo-nos com demasiada frequência que a sociedade não existe de per si, que os valores, ou melhor, que estes valores que agora vigoram e dos quais tanto nos queixamos não caíram do céu aos trambolhões. São, como sempre acontece em sociedade, consequência de pequenos passos, de pequenas atitudes, que todos os dias damos, no recato do nosso próprio lar. É inegável que vivemos numa sociedade que privilegia o imediato e a superfície. Que menospreza o valor intrínseco das coisas e das pessoas e valoriza apenas a aparência. Quantos de nós temos enfiado nas nossas gavetas um telemóv
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Ensinou-me a minha mãe, provavelmente sem sequer se ter dado conta disso, que eu não preciso da perfeição para amar. Frequentemente deparo-me com pessoas para quem estas duas coisas estão associadas: perfeição e amor. Acham que apenas a beleza é digna de ser amada, que no amor e na amizade tudo tem que ser sintonia, tudo tem que ser confluência, como se fosse apenas possível existir amor entre duas pessoas absolutamente coincidentes - o que as tornaria uma só, e esse amor necessariamente egocêntrico. E temem sempre a discussão, o confronto. Essas pessoas não percebem como posso, por exemplo, não gostar mesmo nada de determinada atitude de alguém e ainda assim gostar muito dela. Não entendem como, numa discussão, entro em claro confronto com as suas ideias e me bato pelas minhas - exacerbadamente, quase sempre, e isso é algo que tenho sempre que corrigir - e finda a discussão continuo tudo como dantes, como se tivéssemos pontos de vista absolutamente convergentes. Há uns anos, conhe
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Creio que foi na semana passada que a Sábado publicou um artigo sobre as dietas recomendadas para cada faixa etária. Lá fui eu direitinho ver a dieta que me era recomendada. No final, no entanto, reparei que estava a ler a dieta indicada para a faixa etária anterior à minha. E não foi por engano de paginação, mas engano de posicionamento: eu tardo em convencer-me da idade que tenho. No meu tempo de miúdo, um homem com cinquenta anos era um velhote. Ponto. e ria-me quando eles se referiam aos da sua idade como "aquele rapaz". Como era possível? Agora, como eu os percebo! Apenas há pouco temo é que me comecei a habituar ao Sr. com que me interpelam aquele que não me conhecem. Tenho ainda dificuldade em que os alunos, por exemplo, não me tratem por tu, mas percebo que isso facilita tudo. Mas ver-me colocado numa faixa etária que vai dos quarenta aos cinquenta e cinco anos não cabe ainda na minha cabeça. Até porque estou mais perto do seguinte que da anterior. Não tenho medo