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A mostrar mensagens de novembro, 2015
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Ontem era dia de estudarmos juntos. Filosofia. O que, para a cabeça do meu-mais-novo é uma tremenda complicação. Ainda ontem me dizia que o sonho dele é trabalhar com motores. Montá-los e desmontá-los, perceber a fundo como funcionam e o que faz mover o quê. E que sonho mesmo era montar ele um carro de raiz, o carro dele, de princípio a fim. E fazê-lo com os filhos. Disse-o numa conversa como quem-não-quer-a-coisa, nem sequer se apercebendo que foi a primeira vez que me falou a sério dos seus sonhos de futuro que não envolvessem qualquer disparate adolescente. Mas ontem era dia de filosofia. De nós cegos, portanto, numa cabeça que encontra muita maior tranquilidade nas físicas e matemáticas e que fica  à rasca quando tem que argumentar e consolidar posições. Ontem era sobre determinismos e liberalismos e livre arbítrios. E foi muito interessante. Falamos das nossas opções, das nossas responsabilidades pelas nossas opções, das nossas cada vez menores desculpas e justificações à medid
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Sentamo-nos brevemente.A conversar. Para conversar. Tínhamos estado, momentos antes, à vez, com uma amiga comum, que conhecemos em circunstâncias muito diferentes, mas que nos atou a ambos com o mesmo laço. A determinada altura ela percebeu que quando falávamos, em momentos e lugares diferentes, de modelos, era um do outro que falávamos. E disse-nos. A ambos. Em momentos diferentes. Falou-nos da surpresa que tinha sido para ela referirmo-nos um ao outro em termos muito semelhantes. De amizade, de admiração, de modelagem alicerçada por um percurso de vida que, apesar de distante no espaço e no tempo, tem muitos pontos similares. Foi mais um pretexto para nos sentarmos e conversarmos e partilharmos e voltarmos a aprender um com o outro. Poderia ser meu filho mas nem é como filho que o vejo, nem é como pai que me vê. Somos amigos, vamos sendo, cada vez mais, companheiros de caminho, com toda a cumplicidade que quem caminha sabe que se cria, e como frutifica. Há uns tempos, n
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Interrogo-me o que me faz carregar esta procura. Permanentemente! Uma vezes como se fosse um fardo, um fado, um destino, jamais satisfeito na sua plenitude, jamais saciado. Outras desafiador, motor, impulso, que me leva a tentar ir sempre mais longe, para além daqueles que acredito serem os meus limites, e que, quando corre, bem, me catapulta para um outro patamar. Uma procura que me é, antes de mais, interior, profundamente interior, que está cá antes de qualquer pensamento, antes de qualquer processamento lógico, antes de qualquer racionalização mas que me é tão ou mais natural que eu próprio, que provavelmente já seria antes de mim, porque desde que me conheço não me conheço noutra condição que não esta. Questiono-me o que me faz sentir esta sintonia. Esta profunda sintonia. Esta sensação que tudo está, finalmente, no seu lugar, que todo o universo conspira para que eu encontre, finalmente, o meu lugar, para que eu, finalmente, sinta que pertenço, que estou por direito próprio
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Já não sei caminhar sozinho. Já não consigo caminhar sozinho. Fazem-me companhia os que me habitam, que vão conversando comigo, que vão discutindo comportamentos e atitudes, que vão corrigindo palavras menos cuidadas, posturas menos sensatas, com as quais vou argumentando sucessivamente, escutando atentamente os seus argumentos, pesando-os, valorizando-os, até que eu possa fazer as minhas próprias conclusões. E decisões. E não me habitam apenas pessoas. Também tenho filmes cá por dentro e músicas e fotos e extratos de livros que ando a ler ou que já li e que volta e meia vou buscar para poder comparar, para poder escolher, para poder decidir sobre este ou aquele assunto, importante ou secundário, relevante ou supérfluo, que isso não importa para nada. Nada do que faço ou digo ou leio ou vejo é em vão. Nada. Absolutamente nada! Nenhuma atitude, nenhuma conversa, nenhum alheamento, voluntário ou não, nenhum silêncio, nenhuma palavra, nada, absolutamente nada, deixa de te, em determ
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Serenar, organizar as ideias, ver, agir. Em conformidade. Comecei ontem a ler um livro do Miguel Sousa Tavares. Como me acontece muitas vezes quando o leio, as suas descrições de um lugar dão-me uma vontade de, logo ali, naquela altura, fazer a minha mochila e partir para aquele lugar que ele tão bem descreve. Apetece-me ouvir os pássaros que ele ouve, estar no alpendre onde ele está, no pequeno apartamento que alugou num sítio que nem sei bem onde fica e escutar a noite como ele escuta. Raras vezes, sou assaltado pelos "e se...": ... e se tivesse a coragem de partir? ... e se largasse tudo, de repente, sem comos nem porquês?... e se fizesse apenas o que me desse na real veneta sem ligar para as consequências?... e se vivesse, efectivamente, cada dia como se fosse o último? Um dia destes, enquanto via uma apresentação da missão a Timor, tive que me levantar e procurar um outro lugar onde pudesse estar mais longe dos olhares dos que me rodeavam. Senti uma saudade imen
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Vi-o sair, nitidamente mais cabisbaixo que o costume. "Então? Está tudo?" "Nem por isso." Pressenti o seu desejo de conversar, apesar de nunca termos trocado mais que palavras de circunstância numa qualquer reunião de pais das nossas filhas. "Que se passa?" "A minha mulher morreu." Nada nos prepara para ouvir isto, muito menos de chofre, muito menos numa conversa que não era suposto acontecer. A tristeza do seu olhar era agora indescritível, e eu perguntava-me como não pudera ver isso antes. "Estávamos tão bem, agora... a nossa filha a trabalhar... tínhamos ido de férias em setembro... dia 22 morreu no hospital... cancro... sinto-me perdido em casa... sozinho..." Parece que se acantonou de armas e bagagens por estes lados. Sonho com ela recorrentemente, penso nela mais que o costume, porventura mais que o que devia, como se fosse uma sombra permanente sobre o ombro. Sempre presente. "...hoje não vou poder ir: morreu o i
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Na semana passada, conversava com um dos meus filhos acerca de carros. Nós somos assim: conversamos de tudo e de nada, de fé e política, de convicções e diversões, de filmes e cartoons, de carros e jogos, de testes e filosofia... não temos uma cartilha de conversas importantes e secundárias, todos os motivos, todas as horas, todos os momentos, são bons para aprendermos juntos. Mas naquela altura era de carros que falávamos. Adolescente como é, cheio de "velocidade furiosa" na cabeça, contava-me o seu fascínio por eleanors, e mustangs e outros que tais. Eu contrapunha com classes E e series 5 e ele dizia-me  - como me dizem todos eles - que eu estava a ficar velhote. É verdade! Mas não é apenas isso. As minhas benditas caminhadas matinais junto ao mar têm feito o seu caminho cá por dentro. Têm sido uma oportunidade para reeducar os sentidos. Logo que desço da avenida para junto ao mar o som muda com uma rapidez impressionante e fico apenas com o som das ondas, das gaivo
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Gostei sempre de filmes épicos. Aqueles em que se luta até ao limite das forças, contra todas as probabilidades, contra tudo e contra todos, sempre em nome do amor. Então se for com morte certa, se ficar apenas um para a história, melhor ainda. Com extraordinária facilidade sinto-me catapultado para o centro dos acontecimentos e também eu me vejo lá, orgulhosamente lá, a lutar sozinho, a morrer sozinho e, sobretudo - porque isto é o que verdadeiramente me seduz - a ser finalmente reconhecido como um herói por aqueles em nome de quem abnegadamente lutei. É evidente que se o que me emociona é o reconhecimento final, a minha luta é tudo menos desinteressada. Até porque normalmente sou mais sensível a este tipo de epopeias quando estou mergulhado até ao pescoço em algum tipo de alhada da qual não consigo forma de me livrar de cabeça erguida. Então, nada melhor que um ato heróico que me faça tirar da mediocridade e elevar-me à justificadíssima, evidentíssima, condição de herói da human
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No sábado, por entre reuniões de trabalho, almocei com gente tida como importante. No entanto, sentia-me completamente em casa. Como sempre acontece naquela família, tivera sido muito bem acolhido, sintonizo-me com a sua forma de ser e de estar, identifico-me com a sua forma de trabalhar e servir, e quando isso acontece, esqueço com extrema facilidade os cargos ligando-me apenas às pessoas. Na altura, enquanto a conversa vai fluindo, isso não me incomoda absolutamente nada: sorrio quando tenho que sorrir, concordo quando tenho que concordar, tento argumentar quando isso não acontece, como se estivéssemos verdadeiramente entre família, onde os cargos que se ocupam são sempre circunstanciais e perfeitamente secundários. O problema é que quando isso acontece tendo a preservar-me pouco, porventura a revelar-me em demasia, a cometer alguns erros - que apenas a mim me comprometem, no entanto - e nem sempre saio bem visto da coisa. Mais tarde, quando passei a conversa em revista, quando
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...e de repente, depois de uma série de anos de calmaria, ondas vindas de vários quadrantes atingem-me o barco. Parece que tudo mexe, parece que nada mais será como antes, parece que os deuses se reuniram em conluio para me agitarem as águas e testarem as minhas escolhas. A nível pessoal, profissional e agora até a nível nacional, as verdades que ainda ontem o eram inquestionavelmente hoje são já ultrapassadas pela realidade que, apesar de incrédula, é indesmentível. Conversávamos ontem ao jantar acerca da imprevisibilidade da vida e das nossas reações quando tudo parece escapar ao nosso controlo. E vamos sempre ter à incógnita do amanhã e ao Carpe Diem, que ainda ainda assim tem múltiplas interpretações: se há quem ache que o que importa é viver tudo hoje e com isso cometa as maiores loucuras, outros acham que o importante é a qualidade da marca que deixamos nos outros e com isso viva voltado para fora. De comum às duas visões, a premência da vida que teima em escapar-se-nos por
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Há conversas que nunca acabam. Poderíamos estar ali, uma vida toda, com o tempo todo, com o sol todo, e a brisa, e a paisagem, e tudo o que nos rodeia, que haveria sempre qualquer coisa que ficaria por dizer. E partilhar. e sentir. Quando, a custo, nos afastamos - e é sempre a custo que o fazemos - ecoa ainda tudo o que não foi dito. É o que dissemos que é passado em revista, uma e outra vez, num e noutro sentido, mas é no que ainda não dissemos que me detenho. Porque não foi dito. Terá sido condicionado? Terá sido voluntário? Talvez não tenha sido ainda o tempo de o fazer, talvez seja ainda cedo, talvez seja agora demasiado tarde, talvez ainda seja necessário mais caminho, talvez... Provavelmente, seria mais fácil se as palavras não tivessem que ser ditas. Se tudo funcionasse por osmose, sem termos que fazer nada por isso, sem ter que ser escolhido e por isso pensado e decidido e deliberado, mas fluísse apenas, permitindo a certeza da evidência, clarificando com a certeza da evidê
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Na minha família de cientistas, os meus olham para mim com a mesma naturalidade com que se olha para um elefante vestido com um tutu cor de rosa. Volta e meia, enquanto eles estão a discutir enzimas e bactérias e outras coisas que tais, eu, meio para os provocar meio a sério, digo-lhes que encontro mais certezas nas coisas do Espírito Santo que naquilo que eles estão a dizer. Para além da natural provocação - que me dá um gozo especial quando os meus cunhados irlandeses estão cá (eles são mesmo cientistas!) - eles sabem que acredito naquilo que afirmo, e eu deixo que isso os escandalize. Quando consigo provocá-los a ponto de discutirmos a sério, tenho o cuidado de substituir o Espírito Santo pela alma, o que, não sendo para mim a mesma coisa, permite no entanto despir a carga teológica da discussão e abrir caminhos comuns, defendendo a minha dama porque a verdade é que eu acredito mesmo nas coisas da alma, na importância da alma, na inevitabilidade da alma, que a essência do q
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Existem muitas maneiras de sermos culpados. Basta procurar. É como numa operação stop: podemos ter tudo em ordem, pode o carro ter vindo da vistoria há duas horas, podemos ser o condutor mais cuidadoso do mundo, mas se o polícia acordou mal disposto não temos nada a fazer. Há sempre uma luz que pisca, há sempre uma luz que não pisca e devia piscar, há sempre um traço contínuo que se ultrapassa, há sempre um sinal que foi roubado mas devia estar lá e nós não o vimos. Há sempre uma maneira de sermos culpados. Adoro escutar. Pela quantidade e, sobretudo, pela qualidade das pessoas que se abrem comigo, fui aprendendo que este deve ser um dos meus dons. Que me esmero em colocar em prática. Algumas vezes ainda fico demasiado absorvido pela data limite que o trabalho sempre nos impõe, mas tento ir ficando mais atento a quem se aproxima - ainda que ao longe - tento ir lendo nos olhares - ainda que se desviem - tendo ir disponibilizando um lugar para que, quem quiser, quando quiser, se qui
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"Ele estava ontem com questões existenciais. Pelas mensagens que lhe enviam, ele não sabe se não deveria alterar a sua rotina para ficar mais em consonância com a dor que deveria sentir." Sorri, para dentro, e percebi bem o seu dilema. Os outros esperam sempre que tenhamos um determinado tipo de atitude, que demonstremos um determinado tipo de dor, ou de alegria, ou de indiferença, e, muitas vezes sem o desejarem, julgam-nos por isso. Eu aprendi há muitos anos a não dar especial relevo às expectativas dos outros. Vejo, escuto, interrogo-me, faço o meu próprio julgamento, e tento seguir caminho. Normalmente sem sequer me preocupar em explicar as minhas decisões, o meu comportamento, as minhas atitudes. A não ser que magoe alguém por isso - e aí uma explicação é exigível - nunca me apetece justificar-me, nunca sou bom em justificar-me, nunca consigo justificar-me sem ter aquela sensação que ninguém tem nada a ver com isso. A não ser que eu o queira, a não ser que eu lhe
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Não foi a primeira vez. Ali estávamos nós, como estamos em cada dia 1 de Novembro, no cemitério, junto daqueles que jazem à nossa frente, acompanhados daqueles que ali estarão, em princípio, daqui a algum tempo. Nenhum outro lugar me consciencializa com tanta evidência do ciclo da vida. Lembro-me que há um par de anos, neste mesmo dia, olhava para a Tia Micas e tinha a percepção clara que ela imaginava que estaria ali, dou outro lado, no próximo 1 de Novembro. E ontem lá estava ela, efectivamente. Estava um fabuloso final de tarde, ontem. O cemitério não tão cheio - "os velhos vão morrendo e os novos não vêm a estas coisas" - o Padre Rosas a celebrar, e eu a olhar à minha volta, a ver os meus velhos que me rodeavam, a ver alguns dos amigos de sempre a prestarem homenagem aos seus pais, amigos, familiares, e eu a olhar para o céu, a conseguir ver o laranja forte do sol nas nuvens carregadas de água "está um belíssimo final de tarde!" e a pensar no Jorge, que nor