20150413
Por vezes acho que o meu estado mais natural é estar a caminho. Sinto uma enorme saudade da mochila nas costas, da roupa leve, do dia a nascer com todos os seus cheiros e sons e alterações de cor e de temperatura. Sinto saudades da chegada ao destino, satisfeito, cansado mas satisfeito, depois de ter ultrapassado as várias tentações de desistir, depois de me ter insultado baixinho, depois de me ter perguntado que raio é faço ali, àquela hora, depois de me ter dito silenciosamente que tenho idade é para estar no sofá, de pantufas calçadas e robe vestido, à espera que o futuro chegue, depois de me ter prometido que nunca mais, depois de ter desfeito todas as promessas e juras e esquecido todos os insultos mal avisto o albergue, mal percebo que, afinal (ainda) sou capaz e que passada meia hora estou completamente pronto para outra, que espero ansiosamente.
Estava a caminho quando senti, pela primeira vez, que afinal também eu tenho limites físicos. Estar assim, muito perto do não posso mais e saber que não tinha alternativa a não ser caminhar - faltavam ainda 5 kms para o albergue - é uma tremenda lição de humildade. Que ainda tenho dificuldade em incorporar. Nunca pedi ajuda, dificilmente deixei transparecer, e nunca deixei de estar disponível para quem precisasse, mesmo nessas alturas. Mas pelos piores motivos: em vez do altruísmo é a vergonha que me impede de dar a conhecer que atingi o limite. É o orgulho. E isso é estúpido.
Mas também por isso, estar a caminho é muito importante para mim. Tenho ainda muito a aprender acerca da humildade, em deixar que cuidem de mim, particularmente em termos físicos. Sempre tive a noção que partilho a alma com muito maior facilidade com que partilho o corpo, também na sua fragilidade, particularmente na sua fragilidade, como se fosse um último reduto que importa preservar, o que é profundamente contraditório com a importância que dou às coisas da vida. Por isso importa-me caminhar, chegar aos meus limites físicos, aprender a deixar que me ajudem, que me perguntem se preciso que me carreguem a mochila, ou então, vergonha das vergonhas, a ter que dizer que não posso mais, que não podem contar comigo para carregar seja o que for de ninguém, que atingi o meu limite. Estou sempre à espera que aconteça.
Talvez no próximo caminho.
Talvez não.
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