"A minha vida é muito má, os meus irmãos estão na cadeia e tenho muitas saudades deles" Enquanto me dizia isto, chorava compulsivamente, pela terceira vez esta semana. Tínhamos ambos ido para o recato do gabinete depois de ela andar, mais uma vez, à pancada dentro da sala. Agarrei-me a ela, todo partido por dentro, e disse-lhe que ali todos gostamos muito dela e que a queremos lá, junto de nós, e que ela pode contar sempre connosco. Abraçou-me e, lentamente, os soluços foram serenando, e pouco tempo depois já me sorria, na sala.

Que se diz nestas alturas a uma miúda de oito anos? Dá vontade de pegar nela, de a meter numa redoma e garantir-lhe que o que aconteceu aos irmãos não lhe acontecerá. Não posso. Eu conheço outros irmãos seus. Já me passaram pelas mãos, há alguns anos, e são daqueles miúdos que até metem dó. Boa gente, serena, educada, sem qualquer outra perspectiva de futuro que não seja fazerem o que os mais velhos faziam antes de ir parar à cadeia. Volta e meia aparecem por cá e conversamos um bocado. Reconheço-lhes ainda a doçura no olhar, a simpatia no trato, o respeito nas palavras. Sabem que aqui, nesta casa, todos gostamos deles, e por isso prescindem da defesa e da cara de mau que vestem fora destes portões. Não invalida que há meia dúzia de meses ambos se tivessem envolvido num tiroteio e um deles tivesse sido baleado numa perna. Barra dura, como costumo dizer. Que parece de filme, mas que se passa aqui, a meia dúzia de metros, com miúdos que, noutras condições, noutras circunstâncias, poderiam ter sido tudo aquilo que quisessem. Assim, serão apenas mais um. A ler nas notícias do JN, não tarda muito.

Não tenho ilusões nem compro teorias dos coitadinhos. Muitos deles colhem aquilo que foram semeando, apesar do que lhes dissemos, apesar do que conversamos, apesar dos nossos esforços, invariavelmente mais exigentes que os dos seus pais, invariavelmente menos definidores que os dos seus amigos com tempo e dinheiro a mais no bolso. Mas isso não serve de nada. Talvez para aliviar as nossas consciências. Mas é coisa pouca. Pode funcionar em dias bons. Não hoje.

Há dias bons e outros nem tanto, aqui. Hoje já sei que não vou conseguir calar a cabeça. Vai ser uma longa noite!

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