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A mostrar mensagens de maio, 2021
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  "Olá, sou o Zé".  Não me custa imaginar que do outro lado alguns dos que me lêem respondam, ainda que em silêncio: "olá Zé". É assim que me apresento, invariavelmente, há uma data de anos, justamente porque é assim que me sinto desde sempre. Zé. Só Zé. Simplesmente Zé. Despretensiosamente Zé. Agora é-me fácil, o mais natural possível, para mim, ser este Zé. Mas nem sempre foi assim. Aliás, só muito recentemente tem sido assim. Tornou-o possível a famosa crise masculina dos cinquenta, numa altura em que, face a acontecimentos que me foram profundamente significativos - alguns internos, outros externos - eu entrei em pânico por me perguntar o que diria ao meu Deus quando, como eu acredito que acontecerá. nos encontrarmos olhos nos olhos. Na altura, o Mero e o Lino, num breve espaço de tempo, tiveram esse encontro - e o Jorge faltou ao encontro, felizmente! - e eu perguntava: e se fosse eu? O que diria? Como o diria? Quem seria? e entrei em parafuso. Se normalmente c
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  Detesto a sobranceria. nos outros. Odeio a sobranceria. Em mim. Às vezes tenho a mania e apanho-me a ter a mania e fico sempre muito desiludido e zangado comigo quando isso acontece. Hoje foi a propósito de uma foto do Goucha e do Carreira. A legenda referia qualquer coisa como dor e lágrimas e o meu primeiro impulso interior foi sarcástico. Dois segundos depois arrependi-me, mas a verdade é que esse primeiro impulso interior esteve lá. Como está sempre. Não falha! Nunca! Infelizmente! Conheço muitas pessoas genuinamente boas. Que se preocupam genuinamente. Que se comovem genuinamente. Pessoas cuja batalha interior vai no sentido da necessidade absoluta de refrear a compaixão fazendo um apelo ao racional que há em si para que possam manter a camisola em cima do corpo. Conheço-as, vivo com elas, trabalho com elas, tento segui-las. Porque não são essas as minhas batalhas. As minhas travam-se, invariavelmente, e para desgraça minha, em sentido oposto. O meu primeiro impulso é sempre, se
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    Nunca tinha estado sob a luz dos holofotes. Foi a minha primeira vez. Na verdade, já me vou habituando a ter os olhos postos em mim nas eucaristias e orações - é fundamental para que cantemos juntos - mas aí não sou propriamente eu mas o papel que ocasional e momentaneamente assumo: ponho as pessoas a cantar. E como gosto de o fazer! Aqui era diferente: era eu mesmo que estaria sob a luz, era de mim que falaria. O meu lado profusamente inconsciente permitiu que fosse completamente descontraído. Sabia que era muito mais importante para quem me convidou e, sobretudo, que não teria que preparar ou estudar coisa nenhuma. Ser-me-iam colocadas perguntas e eu responder-lhes-ia como muito bem entendesse. O fundamental disto tudo era - é - o meu carinho e respeito, ambos intensos, profundos e alicerçados na vida, por quem me tinha convidado.  Passou rápido, à velocidade com que passa aquilo que me sabe bem viver. Tinha tido a oportunidade de testemunhar uma das coisas que mais aprecio: um c
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  Ultimamente, tenho andado à volta das memórias. Não tanto as que temos, as que os outros nos deixam, aquelas que nos marcam e das quais nos recordamos não sem emoção, uma emoção que é diretamente proporcional à idade e ao tempo que passa. Eu diria que essas memórias nem são da nossa responsabilidade: basta termos as melhores das companhias, aquelas que permitem que baixemos as defesas e elas entram, livremente, sem convite, ocupando o seu espaço, algumas, as mais significativas, até armando tenda para se deixarem ficar indefinidamente. Volta e meia, a propósito de um qualquer acontecimento, de um qualquer cheiro, de uma música que mal ouvimos na rádio, e aí estão elas, criteriosamente selecionadas, espantosamente criteriosas quando à recordação do imenso que vivemos. E têm o desplante de assomar à nossa face sob a forma de inexplicável sorriso sem se preocuparem sequer se será essa a altura mais conveniente para o fazer. E os outros vêem-nos sorrir feitos estúpidos, ou a tristeza a t

A inevitabilidade do encontro

  Poucas coisas me impressionam mais que a solidão. Não aquela procurada, sabiamente interlocutora na e da intimidade, ponto de encontro e de observação, da retoma do fôlego que permitirá o reavivar da caminhada. Esta é, paradoxalmente, uma solidão habitada, plena, prenha de sonhos de futuro. Impressiona-me a outra solidão, a dura, crua, aquela que, empenhada em revelar o tão laboriosa e cuidadosamente escondido, é feita de confronto, de dor, de impossibilidade de fuga ou ocultação. Fatalmente, esta é a solidão que a ausência de palco revela, a que sai da penumbra e aparece à medida que a maquilhagem vai sendo retirada e, com ela, o sorriso e a alegria que, postiçamente, foram usados ao longo do dia. Perante esta, que sorri maldosamente do outro lado do espelho, a nudez desvelada é absolutamente devastadora. E, com sorte e sabedoria, profundamente transformadora. Creio que todos temos encontro marcado com a solidão. Na verdade, espero que todos tenhamos encontro m