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A mostrar mensagens de setembro, 2021
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A minha memória tem coisas giras. Hoje, na minha (abençoada) caminhada matinal deparei-me com o diálogo destes dois bancos de jardim. Imediatamente, a minha memória recuou vários anos, a Quelimane, onde aprendi uma das grandes lições da minha vida: a importância do tempo para estar. Lá, sempre que eu visitava a casa de alguém, a primeira coisa que faziam era colocar duas cadeiras à sombra de uma árvore. Mesmo que eu dissesse que não valia a pena o trabalho, que seriam apenas uns breves momentos de conversa, insistiam, e eu lá me sentava adaptando, com dificuldade, o meu ritmo europeu ao africano. Mais tarde, o Padre Jorge explicou-me: era uma maneira de me dizerem que aquele tempo me era dedicado, sem pressas ou desvios de atenção, que eu era suficientemente importante para justificar esse trabalho e esse tempo. Claro está que vim de Quelimane com a pretensão de fazer o mesmo. Em vão. Mas ficou a lição. E é mais uma daquelas coisas que me fazem sentir alguma culpa e eu remeti para as c
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Convidaram-me para falar de como é esta coisa de viver com fé dentro às turmas do 11º ano. E eu, que padeço desta incontinência verbal que me impede de dizer não a um bom desafio, tolamente, disse sim. E desde aí ando com este assunto na cabeça. É que falar do viver na fé é a mesma coisa do falar do respirar. Eu sei que respiro mas, exceptuando nos momentos em que o exercício aperta, não ando a pensar na maneira como respiro, se o ar entra pelo nariz passa pelos pulmões e é expelido pela boca. Não estou nem aí: respiro e já está. E, pelo menos nesta altura do meu campeonato - não significa que tenha sido sempre assim ou que o seja para sempre - viver com fé dentro é-me tão natural quanto respirar. Quer isto dizer que todos os meus atos, todos os meus pensamentos, todas as minhas pequenas decisões quotidianas são refletidas e ponderadas e contextualizadas pela fé e decididas de acordo com a minha fé? Claro que não. No entanto, espero, desejo, anseio, que subjacente a elas esteja a fé e
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  A cada morte, a cada notícia de morte, a cada confronto com a morte dos outros, inevitavelmente penso na vida. Hoje vínhamos a conversar justamente sobre esse confronto, sobre o como e sobre o que vale ou não a pena viver. O Padre Almiro dizia sempre que mais vela uma vida gasta que uma vida enferrujada. Sim, mas... e a dor? Vale a pena viver a dor? Em nome de quê? E o sacrifício? Vale a pena o sacrifício? Em nome de quê? Até que ponto? A minha experiência vai-me dizendo que tudo isso pode valer a pena. Se formos felizes. Verdadeiramente felizes. Não permanentemente alegres, que isso, para além de ser idiota, é impossível. Mas intimamente felizes, como apenas quem vive em sintonia consigo e com aquilo a que se sente chamado a ser é. Naturalmente, uma sintonia assim só se atinge depois de muita escuta e de muita cabeçada na parede. Depois de começar e recomeçar imensas vezes, tantas aquelas em que se duvidou se aquele era, de facto, o nosso caminho. Porque a felicidade não pressupõe a
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Nesta fase do meu campeonato tenho uma preocupação especial em não ser anti-coisa nenhuma. Já aprendi - quase sempre como se aprende verdadeiramente, à custa de cabeçada na parede - que todas as pessoas têm a sua própria visão da realidade, que decorre de múltiplos fatores internos e externos a si. De uns, poderão ser até diretamente responsáveis, mas de outros não, a não ser na escolha do que cada um considera, ou não, importante assimilar. No entanto, independentemente disso, todos têm direito a ter a sua própria opinião e a manifestá-la, desde que seja coerente com a sua própria mundivisão e, claro, desde que conceda aos outros o mesmo respeito e liberdade pela sua própria opinião e idêntico lugar a que a manifeste. Soa bonito, não é? É, sim senhor. Eu gosto. Mas há alturas em que é extraordinariamente difícil de concretizar. Nos últimos quinze dias, por exemplo, eu teria que ter uma força sobre-humana para conseguir respeitar o anti dos antis, sejam eles juízes ou velhotas a vocife
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Quem me conhece um pouco mais que apenas circunstancialmente sabe como me são caros os recomeços. Por um lado, sempre foram por mim tidos como oportunidades, como refazeres ou, mais importante ainda, como reseres , deitando fora tudo o que em mim se vai acumulando de detestável e desprezível, permitindo-me - ilusoriamente, claro - sentir-me um outro que não eu. Nesta perspetiva, o recomeço é prenho de desejo de ressurreição, de Pessach, pleno de juras de melhoria e de projetos sonhados que me permitam, finalmente, transformar no Homem Novo que sempre anseio ser. À medida que a vida foi acontecendo fui percebendo que a esta minha Páscoa se sucedia, invariavelmente, não a vida nova da ressurreição, mas a condenação ao deserto dos velhos hábitos. Que afinal eram vãs as minhas promessas e que eu continuava a ser eu, apenas com mais algum tempo em cima. E, ao ritmo de sempre, marcava nova data no calendário, esta sim, agora é que vai ser definitiva, verdadeiramente transformadora de mim, co
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Uma das minhas necessidades básicas é o silêncio. Quando era muito miúdo, porque passava enormes quantidades de tempo sozinho, o silêncio era o meu habitat natural. Mais tarde, na adolescência, descoberto o valor dos outros na minha vida, o silêncio continuava a ser companhia quotidiana, sobretudo nas longuíssimas caminhadas casa-escola. No bairro só passava uma camioneta no início e final do dia e a escola ficava a três quilómetros de distância, e eu fazia esse percurso todos os dias, quase sempre sozinho. Quando comecei a trabalhar a sério, o gabinete ficava próximo da escola e como eu ia almoçar a casa, fazia doze quilómetros por dia a pé, quase sempre sozinho. E, mais tarde, quando conheci a Isabel e me foi permitido ir a casa dela, depois do jantar ainda ia e vinha a pé, mais dois quilómetros para cada lado, quase sempre sozinho. Não admira, por isso, que seja tão importante para mim caminhar, e tão natural ficar absorto nos meus pensamentos enquanto caminho. O que eu gostava era