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A mostrar mensagens de maio, 2018
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Aprendi, há muitos anos, que na vida apenas uma coisa me é verdadeiramente insuportável: o sofrimento dos que amo. Sobretudo, no topo dos topos, a consciência que esse sofrimento é provocado por mim. Sofrer com quem se ama é inevitável. Sofrer muito com quem se ama muito é natural. Os que me são indiferentes não me causam mossa. Na altura até me comovem, podem até estragar o meu dia, ou a minha semana, e ficar cá por dentro uns tempos. Mas quando penso a sério, isso acontece porque tendo a pensar "e se fosse comigo ou com os meus..." numa espécie de projeção egoísta e auto-centrada. Apenas aqueles que acampam cá por dentro têm essa possibilidade, essa nefasta capacidade de me fazer sofrer verdadeiramente com o seu sofrimento. E eu posso com isso. A custo, mas posso com isso. Eu tenho vida e mecanismos e defesas que me ajudam a aceitar essa dor e a viver com ela, apesar dela. É uma dor de fora para dentro, que me chega por meios dos que me são importantes, e que me impel
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Digo muitas vezes que me fiz. Porque é, em grande parte, verdade. Com as dificuldades e as consequências que uma construção desse tipo inevitavelmente acarreta: um errar constante, um refazer constante, uma excessiva permeabilidade, uma atenção exacerbada aos ecos que vamos provocando, como um morcego que, às cegas, está permanentemente expectante do retorno do som para se poder orientar. Há, no entanto, uma grande parte que já é assim tão verdade. Justamente porque os sons que me orientam acabam por ser incorporados, acabam por ser, eles próprios, construtores de personalidade. E, às tantas, os sons que me orientam não são já aqueles que emito mas os que me falam no silêncio do que sou. Até aqui tudo bem. É sinal que, embora muito timidamente, para meu verdadeiro espanto, vou ganhando alguma maturidade. Há algo de incrivelmente solitário quando nos escutamos na escolha do caminho. E livre. E libertador. Se a maturidade traz acopladas maiores certezas, por outro lado impossibilita
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Há pouco tempo disseram-me que eu não sei ser amado. Acredito. Não sei porquê, mas às vezes cheira-me que poderá ser verdade. Para mim, em determinados momentos, amar é extraordinariamente simples. Anda algures entre o D. Quixote, o Mr. Morgan e o inevitável Walter Mitty. Do Mr. Morgan, o amar em silêncio, em segredo, até do próprio. O amar fora de tempo e de lugar. O amar fora da vida sonhada. O amar da borla. Silenciosa. Respeitosa. Fisicamente distanciada. Do Mitty, a transformação, a superação, o passar do sonho à realidade, o vale tudo, o que se lixe, o perdido por cem ganho por mil. E a frustração do desencaixe, do desadequado, dos pés pelas mãos, da camioneta demasiado pequena para tanta areia.  Do D. Quixote o cavaleiro cavalheiro, a indominável vontade de salvar uma qualquer donzela em perigo numa qualquer torre mais alta de um qualquer castelo e, sobretudo, a triste figura, a falta de senso, a falta de racionalidade, a falta de realidade. Pegue-se nos três, misture-se co
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Ontem foi dia da família. Até há bem pouco tempo na família não havia lugar para grandes recordações. Habituáramo-nos a cavalgar a espuma dos dias sem grandes reflexões ou ilações para inquérito nos ia acontecendo. Que era muito! Histórias passadas, nem sempre bem passadas, muito menos bem resolvidas, mas nunca deixamos que isso interferisse na forma como apreciávamos a companhia uns dos outros. Não era uma falência, umas dívidas às finanças, uma perda de casas ou um atolado comum de vidas adiadas que nos ia impedir de sermos quem sempre fomos uns para os outros: amor feito de gestos e parcos em palavras. Cada família tem a sua maneira muito própria de funcionar e a nossa sempre foi assim: se é para dividir não se discute, faz-se de conta que o elefante não está no meio da sala. É discutível, claro que sim, mas apesar de tudo permitiu-nos sobreviver juntos às falências e à crónica falta de dinheiro. Sobretudo permitiu-nos concentrar-nos no essencial, dando-nos o tempo para saberm
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Durante o fim de semana em Londres, duas experiências antagónicas. Fomos à eucaristia. Católica. Uma língua diferente, um país diferente, uma Igreja diferente, minoritária, de resistência, num país esmagadoramente e politicamente protestante. Mal me sento, olho à volta e vejo uma assembleia envelhecida, como as nossas, mas composta maioritariamente por imigrantes negros. Arrisco a avaliar que a meia dúzia de brancos são irlandeses, não ingleses. Mas o que mais me chocou foi a negatividade da homilia. Apelou constantemente à resistência, inúmeras referências ao mundo, lá fora, que é exclusivamente motivo de pecado, e que, para nosso consolo, é apenas temporário. Devemos, por isso, fugir do mundo, resistir até que chegue o Reino dos Céus, penitenciarmo-nos quando não o conseguimos. Graça, zero. Esperança, zero. Alegria, zero. Creio que nunca tinha escutado uma homilia assim, tão pesada, tão negativa, tão desesperançada, tão carente de Jesus. No início, é muito esquisito. Ver dois
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Há, na consciência do pecado, uma porta para o divino que seria muito difícil de acontecer com a mesma intensidade numa qualquer outra situação. Quando me recolho no Evangelho, as personagens que mais me são significativas são, de longe, aquelas que sabem que pecaram. Zaqueu, a Samaritana, a pecadora, são com quem me identifico imediatamente, são aquelas com quem facilmente transponho a minha vida, as minhas circunstâncias e com quem, invariavelmente, aprendo. E o Jesus que é com elas, é o Jesus de quem eu mais necessito e que mais amo. É a este Jesus que eu recorro mais vezes, aflito. O melhor do pecado é a consciência que peco. é quando não me adio nem me iludo mas sinto claramente que há algo que me desfoca de quem sou chamado a ser. É aí, nesse momento, que me volto com maior verdade para o meu Deus, em busca do socorro do Seu amor. É aí, nessa circunstância de pecador, que eu, muitas vezes por falta de alternativa, me coloco inteiro nas Suas mãos e me confio de corpo e alma
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Vi ontem uma primeira reportagem que a SIC está a passar acerca do cancro. A determinada altura, um paciente - que me pareceu daquelas pessoas extraordinárias que tudo suportam - dizia que enfrentava com facilidade as dores próprias. Difíceis eram as das mulheres da sua vida: a mãe, a mulher e a filha. Pensei logo no que faria se fosse comigo. Há pouco tempo estava na cavaqueira com a minha filha mais velha e até nos rimos: quando se sente apertada, sob stress, a sua vontade mais incontrolável é dormir. Tal como eu. Desde sempre que sou habitado por heróis e super heróis e cavaleiros e donzelas fechadas nas mais altas torres dos altos castelos. Desde sempre que me imagino a salvar donzelas em perigo e a protegê-las contra todos os perigos do mundo. Desde sempre que eu me vejo do lado dos fortes, dos salvadores, dos protetores. E estive desde sempre do outro lado! Via a reportagem e só pensava na colonoscopia que fiz recentemente. Enquanto estive deitado, à espera para ser le

700

vi hoje que publiquei o post 700. E que este blogue existe há já 7 anos. É muito disparate no mesmo sítio!!!!
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Conversávamos, agora com mais calma, enquanto caminhávamos, aquilo que havia sido dito, fugazmente, à distância. Sabia das suas decisões, das suas idas e vindas, das suas perdas e ganhos, das partidas e reencontros. Não é tudo mau, nas redes sociais, que estão muito longe de substituir o olhar mas vão servindo para nos mantermos a par do indispensável. Naquelas conversas - que antecipáramos numa espera paciente e cuidada - falávamos de escolhas e dores e silêncios e partilhas e sofrimentos e decisões complicadas. E de consciência. Tranquila uma vezes, conturbada outras. E procura. Serena uma vezes, desesperada outras. Somos ambos habitados pela procura. O que nos permite uma linguagem comum. Por vezes feita de palavras. São duas forças distintas. Quase diametralmente opostas. São duas formas absolutamente distintas de tentar chegar ao mesmo lugar: a felicidade. Por um lado, o inconformismo. Não és apenas isto, és chamado a muito mais, és melhor quando és mais, és mais bonito quand
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No final, comentava eu com quem me acompanha sempre nestas e noutras lides da vida, que é bom sentir que ainda tive um papel a desempenhar. Por vezes acusam-me de dar demasiada importância à minha idade. Não me sinto velho. Mas também nunca acreditei na balela do espírito jovem com que se pretende fugir da idade. Acredito no tempo, sim, e nas alterações que, quando temos sorte, juízo e boa companhia, verificamos que o tempo provoca em nós. Ainda fiz os mais de vinte quilómetros diários à vontade - embora ainda me doam os músculos - mas já não dormi da mesma maneira. Ainda animei e cantei e provoquei a dança e a alegria, mas sei já que não cantamos as mesmas coisas com o mesmo gozo. Ainda me metia com eles e eles alinhavam a brincadeira mas sei que há brincadeiras e formas de ser e comunicar que têm o seu tempo que não é bem este tempo. Gosto de ficar atento aos efeitos do tempo em mim. Não para evitar o que tenho a fazer mas para e tentar ajustar ao que tenho que fazer. Até porque