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A mostrar mensagens de outubro, 2014
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Apesar da tentação, raramente caí no erro de enfiar os meus filhos numa redoma. Particularmente naquele período das suas vidas - breve, claro! - em que eles viam os seus pais como super heróis, como seres especiais (espaciais?) que nunca se enganam e raramente têm dúvidas e tudo fazem bem feito. Mais tarde, quando as coisas azedavam, perguntava-me muitas vezes se não faria melhor em esconder as falhas, em fingir que estava tudo bem, temendo sobrecarregá-los com questões que duvidava que eles estivessem preparados para entender. Numa altura em que azedaram mesmo, cometi esse erro. Antes de entrar em casa, vestia o sorriso, fingia que estava tudo e escondia-lhes tudo. A questão é que não se pode varrer para debaixo do tapete durante muito tempo e, como sempre, chegou a altura de sentarmos e conversarmos olhos nos olhos. E, como sempre, fui surpreendido pelo sua enorme capacidade de enfrentar a vida tal como ela é. Não acredito que os pais e os filhos devam ser os melhores amigos. Não
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A propósito de uma oração para os Dias de Reflexão que temos feito, tenho andado às voltas com o que é necessário para amar. E comecei e parei na vontade. O "eu quero" é absolutamente insubstituível. Amar é sempre, sempre, uma questão de vontade, decorre sempre do "eu quero". Se no amor pelo outro isto é pacífico - podemos sempre passar ao largo e fingir que não é nada connosco - no amor a dois tem implicações nem sempre percebidas. Uma relação a dois, qualquer que seja o seu estádio, exige sempre a vontade expressa e assumida de ambos os protagonistas. Basta que um deles, às tantas, não esteja para aí virado, que as coisas começam a ficar muito complicadas. Em sentido contrário, independentemente do que tiver acontecido na relação, basta que ambos tenham a vontade, firmemente expressa e assumida, de voltar a amar e as coisas continuarão a caminhar. Provavelmente não como antes, mas continuarão a funcionar. Claro que isto não tem nada a ver com o que se passa no
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Esta manhã, durante a eucaristia, tive vergonha de mim. Foi a eucaristia mensal onde o Fé e Luz está presente. Vê-los ali, com a alegria e a inocência que apenas eles têm, derruba-me toda e qualquer veleidade que eu possa ter. Por vezes corro o tremendo erro de pensar que consigo algumas coisas apesar da minha gaguez.Que gaguejar e conseguir trabalhar com jovens e miúdos, alguns deles de Ramalde é uma grande coisa. Que, porque gaguejo, tenho a vida mais difícil que qualquer outra pessoa normal. Como consigo ser estúpido! Ver ali aqueles miúdos e, fundamentalmente, aqueles pais, coloca-me sempre no devido lugar. Não ouso sequer calcular o choque que deve ser para um pai ou uma mãe quando percebe que o seu filho, o seu herói, tem uma qualquer deficiência; que a sua filha, a sua princesa, na qual colocou todas as esperanças, afinal terá, para sempre, uma forma diferente de ser. Não duvido que, passado o choque, a vida acabe por promover a aceitação e até a descoberta de alegrias des
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Conversávamos, sentados, numa fresca que escapava à tarde quente de ontem. Uma daquelas conversas de peito aberto, francas, sinceras, raras entre homens adultos, onde as  chalaças não têm lugar. Sempre tive muito mais facilidade em conversar com mulheres que com homens. Em parte porque não tenho grande pachorra para aqueles temas masculinos da praxe, e ainda menos para as gabarolices bacocas tipicamente masculinas. Mas também porque é muito difícil que um homem fale a sério de si, e muito menos com outro homem. No nosso caso já tinha acontecido antes, naquele que é um lugar especialíssimo do mundo, como Taizé, que potencia a abertura da alma e o mergulhar na interioridade profunda de cada um. Enquanto as palavras fluíam, soltas, sem amarras ou receios, eu disse a determinada altura que nunca tive grande dificuldade em abrir portas. "És confiável" disse-me. E sei que o disse sentindo-o, com toda a verdade, porque acabara de abrir as suas. Vivo muito destes pequenos nadas
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Ontem, finalmente, acabaram as desculpas, as fugas, as justificações esdrúxulas e lá conseguimos sentar-nos, olhos nos olhos, e conversar. Evitavas-me fazia tempo, muito tempo, e eu sabia que nos fazíamos falta. E estavas no teu melhor! Esquiva, de olhar fugidio, querendo evitar a todo o custo tudo o que não fosse conversa para encher chouriços. Sabias muito bem que não era disso que ambos tínhamos saudade, sabias muito bem que o "continuo à tua espera" pedia, exigia, bem mais que conversas banais sobre o tempo e o calor esquisito que faz em Outubro, e no entanto, o teu primeiro instinto fez justiça ao que és: esguia e fugidia. Ok. Acusei o toque e falamos dos outros, depois falamos de mim e dos meus, com a conversa de circunstância de quem esteve muito tempo sem se estar, sabendo ambos que as oportunidades raras, como esta, são exigentes e não toleram desperdícios. Finalmente lá conseguimos comunicar, a sério, sem nos limitarmos aos arranhões superficiais cujas marcas per
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Acordamos ontem com o mesmo sobressalto cm que nos deitáramos na noite anterior: "A Nika está a morrer. Já paralisou e mal respira." A Nika é uma das cadelas dos meus filhos, que está lá em casa desde que eles são pequenos. Está velhota e contamos que, tal como aconteceu com o Aquiles, mais dia menos dia, morra. O Aquiles era o meu cão e eu nunca liguei muito nem à Nika nem aos filhos deles - Athos, Porthos e Aramis - que sempre foram os cães dos meus filhos. Quando morreu o Aquiles eu não estava cá, estava em Taizé e foi a minha mais-que-tudo que o levou ao veterinário para acabar com o seu sofrimento. Ontem cabia-me a mim. Afetivamente mais distanciado, era-me muito menos penoso tratar do assunto. À hora do almoço lá fui a casa pronto para terminar com o seu sofrimento. Às tantas a minha sogra grita que a Nika já está boa, já se pôs a pé, já comeu, e parecia que nada se tinha passado. Respirei com alivio, naturalmente, mas não foi aí que me detive. Eu. que me digo um de
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  No ano passado, por volta desta altura, já andava pelas pontas. Corria de um lado para o outro como um desalmado, cansado, esgotado por fazer tudo em cima do joelho, saltando de umas coisas para as outras, sem qualquer tempo de preparação ou oportunidade de as saborear. Este ano uma circunstância mudou e a minha sensação de vida mudou com ela. Deixei de ter a obrigatoriedade de começar o meu dia logo de manhã bem cedo e isso dá-me uma outra qualidade de vida. Incomparável! Na realidade, não trabalho menos do que fazia antes. Continuo a sair de casa bem antes das oito e a chegar por volta das oito. Continuo a ter, num dia normal, cerca de dez horas de trabalho intenso, e quando o dia não é normal é porque trabalho ainda mais horas. Isto com algumas semanas de seis dias, deixando-me apenas o domingo para o dolce fare niente. E no entanto, há já algum tempo que não saboreava a vida desta forma! Ontem almoçamos rápido e aproveitamos o calor à beira mar, num dos meus lugares preferi
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Uma das coisas que mas aprecio naquilo que agora vou fazendo - a que tenho muita dificuldade em chamar trabalho, tal é o gozo que me tem dado - é o processo de constante reinvenção. Ainda ontem, numa tardia reunião de programação de trabalhos, quando começamos nenhum de nós tinha mais que uma vaga ideia do que iríamos fazer. Depois, com naturalidade, à medida que a conversa vai surgindo, vem uma pista de um, despoleta um raciocínio de outro, e às tantas tínhamos já todo o processo devidamente delineado com a respetiva distribuição de tarefas devidamente assente. Adoro este tipo de processos. Adoro irmos descobrindo juntos o melhor caminho, que por vezes vai até em sentido contrário ao que tínhamos pensado. Adoro quando alguém dá uma boa ideia, ou emite uma opinião que nos faz a todos ver o que antes estava escondido. Adoro quando nenhum de nós se agarra a si próprio nem se vangloria por ter sido dele a primeira abordagem ao caminho seguido, mas todos nos esquecemos de quem partiu a
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Não creio que seja possível alguém saber o que o une a outro alguém. Eu, pelo menos, nunca o consegui. Com exceção dos meus filhos, claro, que estão um outro patamar que torna tudo simultaneamente mais simples e mais complicado. Tudo o resto são escolhas. Minhas. Mesmo em relação aos meus pais e aos meus irmãos, são escolhas. São uma parte muito importante do que mas há um esforço que se faz para se manter o contacto, para que a relação continue viva. Conheço, no entanto, muitos filhos e irmãos que não se comunicam, ainda que alguns deles vivam sob o mesmo teto. Lembro-me perfeitamente do que senti quando conheci o - na altura - meu futuro cunhado irlandês. Sentimos ambos uma fortíssima empatia que ainda hoje, apesar de nos vermos poucas vezes em cada ano, ainda se mantém. Não teve a ver com conhecimento ou crescimento ou partilha e momentos marcantes, nada disso. Conhecemo-nos e gostamos logo um do outro. É um caso raro, na minha vida. Outro foi (é) o da minha mais que tudo. Dois
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Como tantas outras coisas, a amizade chegou demasiado tarde à minha vida: Nos meus primeiros anos - aqueles que estabelecem os alicerces de quem instintivamente somos - saltei de casa em casa, de lugar em lugar, de escola em escola, e isso impediu-me de fazer amigos. Quando finalmente estabilizamos tinha eu já mais de dez anos e ainda assim saltei por várias escolas. A minha primeira raiz foi a capela, já com quinze anos, que foi o verdadeiro motor de mudança. Anos mais tarde, voltei a saltar e, da noite para o dia, mudei-me para uma nova paróquia, um novo grupo de jovens e um novo grupo de amigos. Foi quando conheci a minha mais-que-tudo e aqueles que ainda hoje são meus amigos. Também nas profissões saltei de lado para lado até que, pela Graça de Deus, desaguei onde estou hoje, e onde tenho alguns dos meus mais sólidos amigos. Em todos os lugares por onde passei tenho gente de quem gosto bastante e que gosta bastante de mim. São meus amigos? Não sei. Não sei mesmo. Não sei se terã
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Não sou um. Nunca fui apenas um. E nem sempre me dei bem com isso. Aliás, esse tem sido um dos meus problemas desde que me conheço. Por um lado, fiz uma escolha de vida, a escolha mais definitiva da minha vida, que me transporta todos os dias a um estado de felicidade que nunca julguei ser possível. Acordar ao lado de quem se ama, poder testemunhar o tornar-se gente de corpo inteiro aqueles a quem demos e damos a vida, é um tremendo privilégio que vale, por si só, que a vida seja vivida. Mas não me esgoto aqui. Não me consigo esgotar aqui. Há um outro lado de mim que se encontra plenamente quando estou com a malta nova, quando canto com eles, danço com eles, rezo com eles, e com eles dou asas à minha loucura natural, que parece nunca ter fim. Conciliar estes dois eus levantou-me sempre problemas de consciência. Sempre que estou numa das margens sinto que estou a falhar  na outra e não consigo nunca corresponder ao que uns e outros esperam de mim. Volta e meia falam-me da possibilid
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A determinada altura falou no Campo de Concentração do Eu. Porque aprisiona, porque limita, porque dita as regras em que nós próprios somos demasiado lestos a encarcerar-nos. Voluntariamente, por vezes até alegremente, pensando que podemos viver a vida em serviços mínimos. Eu sorri cá por dentro porque este tinha sido, justamente, um encontro nacional de desencarceramento. Não por vontade própria, que eu faço parte dessa enorme multidão silenciosa que gosta do seu canto, mas porque teve que ser. Nunca tinha tido que pensar na decoração de um altar - com a minha proverbial falta de sentido estético - nunca tinha tido que combinar com o padre as leituras e os cânticos que escolhêramos, nunca tinha tido que assumir, tão claramente, a direção dos cânticos e do ritmo da eucaristia com miúdos que, embora já conhecendo, não me deixam ainda particularmente à vontade. E nunca tinha tido que fazer nada disto porque noutras alturas outros o fizeram e permitiram-me os bastidores, que nestas coi
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«Eu, hoje, farei uma pergunta: como é a relação com o meu anjo da guarda? Escuto-o? Digo-lhe “bom dia”, de manhã? Digo-lhe: «Guarda-me durante o sono”? Falo com ele? Peço-lhe conselho?», disse Francisco. Já o afirmei várias vezes: o Papa Francisco confunde-me. Por um lado, gosto da sua simplicidade (não sei ainda se sincera, se encenada), da sua terra a terra, da sua tentativa de regressarmos às origens. Por outro lado, no entanto, muitas vezes exagera nestas suas ações de propaganda a ponto de se tornar apenas mais um. E um líder nunca é apenas mais um, a sua voz tem que ter um peso, um lastro, que guie, que oriente. Este equilíbrio que, concordo, é muito difícil de conseguir, ainda não foi atingido por Francisco, E depois... as suas constantes referências aos anjos e ao demónio irritam-me profundamente. "Digo bom dia ao meu anjo de manhã?" Por acaso até digo, muitas vezes, mas o meu anjo tem pernas e braços e cabeça para pensar, e nem sequer é um só. Prefiro pensar qu
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"Sorri e acena" Volta e meia sou ensombrado pela saudade. Não do que alguma vez fui mas do que, em alguma altura, desejei ser e a vida nunca mo proporcionou. É uma saudade cíclica, como as alergias, acontece no Outono e na Primavera, deixa-me um bocado zonzo e tende a passar rapidamente. Cada vez menos rapidamente, creio. Por vezes acho que é uma espécie de centro de baixas pressões que se abate sobre mim. Logo sobre mim, que nunca acreditei muito nas tretas das depressões, que leio sempre como excesso de tempo livre e pouco que fazer. "Sorri e acena" Sempre tive algo de eremita. Em miúdo, ao mesmo tempo que sonhava com a minha família de muitos filhos, com a casa cheia e a mulher à minha espera ao fim do dia (sim, é machista, eu sei, mas não escolhemos aquilo com que sonhamos), sonhava também com uma cabana, simples, à beira mar, onde eu viveria apenas com os meus livros. Sem ninguém, sem qualquer compromisso, com a total liberdade que a solidão me proporci