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A mostrar mensagens de outubro, 2015
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O mesmo dia, dois momentos, dois estados de espírito, duas formas de estar, duas formas de sentir, diferentes. Completamente diferentes. Caminhamos como caminhamos sempre. Com palavras. Por vezes com pés, outras com olhares, rápidos, fugidios, muitas com a doce ilusão do que se vê de olhos fechados, mas sempre com palavras. Não foram elas que nos introduziram, foi outra coisa, que as dispensa, que as torna supérfluas, mas que elas vão consolidando. Com a particularidade de, desta vez, terem sido outras, as palavras que tivemos por companhia. Menos perguntas, menos repostas, menos necessidade de perguntas e de respostas, mais lugar ao puro prazer da companhia, à coisa nenhuma, ao tudo profundo, ao tudo e ao nada, provavelmente espelhando uma maior confiança no tempo que há de trazer consigo o tempo das perguntas e respostas significativas, acreditando que agora o tempo joga a nosso favor. Caminhamos como caminhamos ultimamente. Olhos no chão, olhos no que nos rodeia, no que se
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Passo uma música, dez segundos depois escolho outra, tento concentrar-me, seja como for. Em vão! Hoje tudo é em vão! Enquanto ele estiver nos cuidados intensivos, enquanto não souber ao certo o que se passa, enquanto não conseguir lidar com esta inquietação que me habita as entranhas, tudo é em vão. A aparência da normalidade, que se impõe nestas alturas, deixa um intenso sabor a fel. A sensação que não é aqui que deveria estar, a certeza que deveria ser lá, mais perto dele, ainda que tão impotente quanto aqui, ainda que tão inútil como aqui, entorpece-me os sentidos e não consigo pensar nada, fazer nada, sentir outra coisa que não esta impotência que me tolhe os movimentos. Esperávamo-lo ontem para, como sempre, festejar connosco mais um aniversário de mais um dos nossos filhos. Sabíamos que desta vez não viria, como veio tantas outras, apenas para se sentar no canto do sofá, apenas para aí estar, sem abrir a boca, sem olhar para coisa nenhuma, bebendo dos nossos sons, absorvend
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... e, de repente, acordas. Fui visitar a minha avó. E, como tem acontecido a longo deste último ano, a viagem de regresso a casa gira em torno dela, da rápida aceleração do seu processo de envelhecimento, da passagem tão difícil do cérebro à boca que torna as suas palavras tão entarameladas, do seu olhar que ora está vivo como antes, ora, de repente, se embacia, da sua consciência da progressiva perda de consciência, do fatídico "estou mortainha por morrer"... Se os seus 94 anos tinham já repercussão no seu corpo, a sua cabeça, até há pouco tempo, permanecia tão lúcida como antes. Dizia mal das mesmas pessoas, mandava as suas piadas - invariavelmente entrecortadas com as caralhadas que eram a sua imagem de marca - perguntava por mim e pelos meus sabendo que perguntava por mim e pelos meus conseguindo identificar quem eram os meus. Agora, quando finalmente sabe o meu nome, confunde-me com o meu pai, ou com um dos meus filhos, alternando sucessivamente as suas convers
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Sinto sempre um respeito e responsabilidade profundos por aqueles que são capazes de fazer aquela que é, para mim, a mais difícil das partilhas: a dos momentos difíceis. Aconteceu num destes dias. Cruzáramo-nos várias vezes nos corredores da vida, com cordialidade nos cumprimentos e no olhar, apercebendo-nos do bom acolhimento mútuo. Mas nunca conversáramos, a sério, nunca tínhamos feito nada juntos, nunca tivéramos sequer oportunidade de trocar mais que o mecanizado e mecanizante "tudo bem?" da praxe. Mas aconteceu num destes dias. Calhou ter-se proporcionado um momento para conversarmos e, passada aquela barreira que nos permite confirmar ou não a intuição sentida, partilhou. As suas dores, as suas dificuldades, a sua solidão, porventura o seu desespero em conseguir lidar com a situação, a sua profunda solidão, mais uma vez, numa manifesta incapacidade de gerir - sem julgar poder contar com mais ninguém! - o céu que teima em desabar sobre a sua cabeça. Impressi
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Esta noite foi passada na companhia da minha velha amiga insónia. Muitas vezes não é assim tão amiga: deixa que eu me enrede nos meus próprios pensamentos como peixe na rede, sem me conseguir soltar de mim próprio, sem avançar noutro sentido que não seja o círculo perfeito, voltando uma e outra vez ao mesmo lugar, sem progredir coisa nenhuma. Não foi isso que aconteceu esta noite. Desta vez fartamo-nos de conversar. Das coisas da alma, principalmente. Disse-me que eu estava enganado havia muito tempo. Que a alma não é uma só, presa ao corpo, amarrada à vontade, rendida aos nossos desejos mas tem vida própria. Que prender e amarrar e render fazem parte de um outro vocabulário, que é estranho à linguagem da alma. Que refere a um outro mundo: o das coisas, das quais o corpo faz parte. E disse-me ainda - para me tentar fazer perceber - que a alma é um pouco como Deus que, sendo um, não é apenas um, e não sendo apenas um, não deixa no entanto de ser um. E que, sendo um, habita em mui
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Apenas duas coisas em mim provocam o silêncio involuntário: o peito vazio e o peito cheio. Quando vazio, não tenho nada para dizer. Tudo é turbilhão de ideias e imagens e momentos e frases e gritaria em alvoroço, provocando o alvoroço, impedindo qualquer pensamento claro, obstruindo qualquer discernimento. Nada sai porque tudo acontece ao mesmo tempo, e o silêncio é ensurdecedor. Quando cheio, não consigo dizer nada. Tudo é turbilhão de ideias e imagens e momentos e frases e gritaria em alvoroço, provocando o alvoroço, impedindo qualquer pensamento claro, obstruindo qualquer discernimento. Nada sai porque tudo acontece ao mesmo tempo, e o silêncio é ensurdecedor. Apenas aparentemente o vazio e o cheio são a mesma coisa. Quando o peito está vazio, o meu percurso é descendente. Tudo é colocado em causa, todas as decisões, todas as atitudes, todas as palavras, são passadas pelo crivo, frequentemente impiedoso, da minha racionalidade em busca de uma razão, de um motivo, de algo
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Nunca entendi bem o que leva as pessoas a chegarem à minha vida. E a saírem. Permanecendo... ou não. Umas entram de rompante e provocam tumultos, remexendo, revirando, saindo depois com a mesma impetuosidade, indiferentes ao rasto que deixam atrás de si. E o que deixam é quase sempre uma marca de saudade dos futuros que nunca o chegaram a ser, de tudo o que poderia ter sido, das loucuras que poderia ter cometido mas que, por decisão própria, falta de coragem, falta de arrojo, excesso de comodidade, foram por mim preteridos em favor de outros caminhos escolhidos. Volta e meia cruzamo-nos novamente, normalmente num rede social, e ficamos mutuamente felizes por sabermos que a vida nos conduziu a lugares que, sendo diferentes, são os de cada um de nós. Outras pessoas, no entanto, entram de mansinho. Por algumas delas espero bastante tempo. Intuo que há qualquer coisa, que a vida se encarregará de confirmar ou desmentir, e vou ficando atento, pelo canto do olho, aos seus sinais, ao
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Todos os dias, antes de começar, olho para trás, na esperança que chegue. Todos os dias, antes de acabar, olho par a frente, na esperança que chegue. Todos os dias, ainda que nunca chegue, espero que amanhã seja o dia em que chega. Eu gosto de esperar. Gosto que combinem, antecipadamente, de marcar o dia, e o local, e a hora. Gosto de acordar antes, de chegar antes, de viver antes o que calculo que irei viver a seguir. Gosto daquela sensação de aperto, de expectativa, de imaginar as conversas, o percurso interior que iremos fazer, o percurso exterior que iremos fazer, de antecipar as paisagens e os sons e as cores que irão colorir aquele momento que será apenas nosso. Gosto de confiar que chegue, que depois, pouco antes de chegar, rapidamente se transforma em duvidar que chegue, rapidamente dá lugar ao perscrutar do horizonte, numa tentativa de ver, primeiro a silhueta, depois o andar, a forma como caminha e se dirige a mim, depois, mais perto, o olhar, o sorriso - se o motiv
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O melhor de uma conversa, de um encontro, de uma pessoa, acontece quando permitimos que ela nos habite, nos mexa por dentro, nos faça companhia - muitas vezes quando menos o esperamos - nos remexa as entranhas e nos lance naquela inquietude onde nasce a sabedoria.  Na conversa com os meus filhos, uma delas disse, às tantas, que não tinha a certeza que aquilo que sentia em Taizé ou quando rezava com os amigos ou quando estava no Fé e Luz com os deficientes ou em qualquer outra situação do género, era por ser católica ou se sentiria o mesmo independentemente de ter ou não ter fé, de sentir ou não a presença de Deus. Sorri. A importância que colocamos às etiquetas é verdadeiramente desmesurada. Não me parece nada importante para quem está com ela, para quem vive com ela, para quem experiencia estas coisas com ela, se ela é católica ou não, se é por Deus ou não. As etiquetas servem para uma coisa apenas: separar. Porque somos naturalmente limitados e não conseguimos abarcar todas
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Hoje, o caminho de ida não chegou. Continuava a precisar do silêncio, de ter o mar diante dos olhos, do seu som a bater nas rochas, hoje suave, muito suave, precisava da sua companhia por mais algum tempo e não do barulho dos automóveis e da paisagem citadina que me costuma fazer companhia no caminho de volta. Hoje precisava de ver apenas a linha do horizonte que é definida pelo mar, e que me transmite sempre aquela sensação de infinito, de eterno, onde me posso perder com facilidade sem que ninguém me encontre. Hoje precisava de algum tempo mais, precisava de dar tempo ao que estava na minha cabeça, ao que gritava na minha cabeça, para que, lentamente, suavemente, como quem não quer a coisa, começasse a dar lugar ao serenar do coração, para que, lentamente, suavemente, começasse a ecoar o que me ia na alma. Hoje precisava mais do meu olhar que do olhar daqueles que se cruzam comigo, a passo de corrida uns, a passo de passeio outros, a passo todos, auscultadores nos ouvidos, olhos p
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Apesar de ter uma consciência muito apurada - sinto-me sempre culpado até prova em contrário - e de ter feito uma série considerável de asneiras ao longo da vida, voltar atrás nunca foi algo que desejasse muito. As decisões que tomo tomo-as sempre segundo as circunstâncias - as que me são externas e, fundamentalmente, as paranóicas - e sempre tive a noção que não adiantaria de muito voltar ao mesmo lugar porque, provavelmente, voltaria a cometer os mesmos erros. Há, no entanto, uma série de episódios que uma mão cheia de dedos pode contar que preferiria que não tivessem acontecido. O que têm em comum é que neles magoei mais do que fui magoado. O que têm em comum é que não cheguei a pedir-lhes desculpa pelo que fui, pelo que fiz, ou pelo que disse. O que têm em comum é que a sua recordação nunca me deixou reconciliar-me comigo mesmo. Durante anos imaginei uma outra conversa, uma outra forma de fazer, até uma outra forma de ser. Tomada a decisão, parti para a ação, alicerçado numa
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Ontem tivemos uma daquelas longas conversas acerca da fé. Quando a começamos estávamos ainda a jantar e quando a terminamos olhei com espanto para o relógio e vi que passava da meia-noite. Os meus filhos sabem que eu adoro conversar com eles acerca da Igreja e das coisas da fé. Sabem que eu estudei e estudo para tentar saber um pouco mais, mas, mais importante que isso, sabem que têm toda a liberdade para colocarem todas as dúvidas que quiserem e de as manter até que a vida as consiga esclarecer. Não sou, nunca fui, nada proselitista talvez porque, como ainda ontem lhes disse, acredito muito pouco que alguém se converta à fé apenas por causa do que dizemos. Acredito sim, que Deus faz o seu caminho para chegar a todos nós e que, na melhor das hipóteses, nós deixamos que Deus actue em nós, aceitamos ser parte desse caminho, mas sempre através do que vamos conseguindo ser todos os momentos da nossa vida. Nada disto é novidade para eles, já foi dito muitas vezes, e por isso fico mesmo f
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Bem cedo deixei de acreditar que existiam alturas certas para estarmos com quem amamos. E passei a acreditar que o tempo, quando é inteiramente dedicado por nós, é muito relativo. Tenho escassos mas absolutamente deliciosos e até decisivos minutos com cada um dos meus filhos enquanto estamos a ir ou a vir para ou de qualquer lado. Não é necessária uma grande viagem, não precisamos de momentos especiais, grandes dias ou acontecimentos importantes. Basta estarmos só nós, quando nada mais interfere ou distrai a nossa atenção, e temos as mais deliciosas conversas, e muitas vezes as mais profundas revelações. É frequente ouvir os meus amigos que são pais ou mães queixarem-se que ao fim do dia ou ao fim de semana são motoristas. Algumas das melhores partilhas com os meus filhos aconteceram justamente quando os estava a levar para o futebol ou para a música, ou vínhamos da equitação, ou agora do andebol. O facto de estarmos apenas os dois no carro fazia-os sentirem-se únicos, possuido
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Há um motivo para temer sempre um olhar de desilusão dirigido a mim: já vi vários. Dolorosos. Todos eles. Quando me interesso o suficiente por alguém - e é-me sempre muito fácil interessar-me por alguém - não costumo ter grande dificuldade em saber lê-lo. E quando essa dificuldade existe, rapidamente constitui um desafio que exige ainda uma maior entrega e atenção da minha parte. E, se estivermos ambos em contacto o tempo suficiente - e se a pessoa em causa for interessante - dou ao tempo o tempo necessário para aprender a lê-la. Antecipar os seus olhares, conseguir perceber quando está bem ou mal, e guardar ainda assim a distância necessária para ser chamado sem me impor, é vivido por mim quase como uma missão e, tarde ou cedo, a vida acaba por promover o encontro mútuo, quase sempre mutuamente enriquecedor. Há quem chame a isso inteligência emocional. Seja! Até concedo que poderá ter tudo de emocional, mas não terá grande coisa de inteligência. Porque o olhar que incid
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Nunca fui muito de ter os pés na terra. Creio agora, olhando para trás, que em determinada altura era porque não podia. A minha terra era demasiado dura para que eu me permitisse manter-me em terra firme, que se não me agarrasse ao ilusório, ao sonho, ao que poderia ser, jamais teria saído do buraco onde me encontrava. Noutras alturas, porém, não quis ter os pés na terra. Não por causa do que me envolvia mas por causa do que sentia, da minha falta de orgulho em ser eu, e fugir da terra era a única maneira que encontrava de conseguir sobreviver a mim próprio. E por vezes ainda acho que nunca de lá saí. Manter os pés na terra é um luxo. De quem sabe o terreno que pisa, de quem olha momentaneamente para o caminho percorrido e gosta do que vê, de quem consegue lidar, em paz, com o rasto deixado pelas suas pegadas. Não é o meu caso. Pelo menos não tem sido, ultimamente. E sempre que sinto que não é o meu caso eu questiono-me se alguma vez o foi. Se, nas vezes que eu pensei que era o me