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A mostrar mensagens de maio, 2015
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Olhava-a e continuava a ver aquela expressão traquina que sempre a acompanhou e que o tempo não conseguiu ainda desfazer. Olhos vivaços, sorriso fácil - quando não está num dos seus terríveis acessos de mau génio - sempre a medir-nos enquanto nos fala, sempre a pesar o que lhe dizemos, como lhe dizemos, como a acolhemos, sempre à procura de alguma acusação implícita. Apenas baixa a guarda quando se certifica que continuamos a gostar dela, apesar do tempo, apesar das asneiras, apesar do seu encolher de ombros. Fala-nos da sua última experiência, a dançar em bares, como a mãe dela fazia, como nós sabíamos, desde pequenina, que viria a fazer, porque aquela miúda nasceu para dançar, revela-se a dançar, e fazê-lo em bares é um caminho demasiado fácil e evidente para que possa ter sequer considerado outra alternativa. Fala-nos com um sorriso nos lábios e dor no olhar. Inteligente, como sempre foi, sabe que corre o risco de chumbar o ano, fruto das noites mal dormidas, do dinheirinho no bo
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Parei de repente. A escutar. Abismado pelo silêncio, apenas entrecortado pelo suave bater das ondas, inundado pela súbita e inusitada tranquilidade. Na minha cabeça, apenas o salmo "Eu Vos louvo, Senhor. Vós Sois a minha força". Prossegui caminho. Procurava motivos para esta sensação tão contrastante com aquela que sentira, no mesmo lugar, praticamente à mesma hora, na semana anterior. Enquanto hoje tudo era harmonia, na semana passada tudo era turbilhão. Seria do que me rodeava ou de mim? Só podia ser de mim, claro. Afinal, era o mesmo sol, a mesma manhã, as mesmas ondas, o mesmo silêncio fora de mim. E era o silêncio dentro de mim, e isso sim, fazia toda a diferença. Todos os dias faço dois percursos que, apesar de distanciarem entre si escasso metros, são completamente diferentes. Vou mesmo junto ao mar, regresso pela avenida. O meu estado de espírito em cada um deles é completamente diferente. O primeiro, feito na companhia das ondas e das gaivotas, remete-me para
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"Os Alquimistas fazem isso. Mostram que, quando procuramos ser melhores do que somos, tudo à nossa volta se torna melhor também." O Alquimista, Paulo Coelho O "hoje e apenas hoje", o "aqui e agora", sempre me foi extremamente sedutor. Perigosamente sedutor, diria. Poder ser, fazer, dizer o que se quer e como se quer, como se não existisse amanhã, como se não tivesse existido ontem, na mais pura das inconsciências, afigura-se-me quase como um paraíso de liberdade. No entanto, um olhar mais atento (normalmente vindo de fora) permite-me sempre concluir que não é isso que me torna mais humano. No último encontro do ComTigo andamos à volta do PermaneSer. Seguíamos, como temos feito ao longo de todo o ano, as escolhas do Bom Samaritano, incidindo desta vez no que ele fez que eu nunca faria. Num dia bom, até poderia não passar ao lado, até poderia não fazer de conta que não via, até poderia ir até ao caído e ver o que tinha. Mas, mesmo nesse dia bom - e t
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"... o deserto é tão grande, os horizontes ficam tão longe, que fazem a gente sentir-se pequeno e permanecer em silêncio. (...) Todas as vezes que olhava para o mar ou o fogo, era capaz de ficar horas em silêncio, sem pensar em nada, mergulhado na imensidão e na força dos elementos." Regressei, brevemente, ao Paulo Coelho. Os meus filhos gozam-me, claro. Talvez um dia entendam como por vezes é importante colocar de lado os calhamaços das coisas importantes e voltar às coisas simples. Eu faço-o algumas vezes. Quando me sinto mais perdido na azáfama quotidiana, quando preciso de voltar a pensar e a sentir o belo, quando me apercebo demasiado mergulhado na agenda, sem tempo para tudo aquilo que não é trabalho, sem disponibilidade interior para o que me faz crescer. Imponho-me fazê-lo, forço-me esquecer, ainda que por breves momentos, o que é imperativo para me ligar ao que é essencial. Paulo Coelho é apenas uma etapa, um pretexto, se calhar um refúgio, assim como o são Rich
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Na semana passada não consegui caminhar, Nenhuma manhã. Fosse por causa do tempo, fosse por causa do trabalho, fosse porque fosse, não consegui começar nenhuma manhã como gosto. Hoje, finalmente, consegui-o. E tinha feito já mais de metade do percurso quando a cabeça começou, lentamente, a serenar. No turbilhão que têm sido estes últimos dias, tenho sentido a falta desta rotina matinal, que me permite o reencontro no silêncio. Silêncio é apenas uma forma de expressão, porque há algum tempo que não caminho sozinho. Expressões como muros e equilíbrios, desafios e centros, têm caminhado comigo, devidamente acompanhadas por outras caminhadas feitas de olhos e sorrisos e tons de voz. Típico de quando sinto que os meus fundamentos são abalados e precisam de uma recauchutagem. Que leva tempo. E que, em boa verdade, gosto de saborear devidamente. No fim da semana passada fomos para o Magoito com o ER. No programa estava a primeira abordagem à oração, com aqueles miúdos, para quem Jesus é p
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Lia hoje, algures, qualquer coisa acerca da arte de fechar portas. Que terminava com qualquer coisa do género de não se dever deixar portas entreabertas. Ou entrefechadas. Não consigo perceber o que isso seja. Nunca soube gerir relações. Provavelmente porque não me preocupo minimamente em ser racional quando me sinto ligado a alguém. Há pouco tempo disseram-me que deveria cuidar melhor daqueles de quem eu gosto e eu tenho andado muito à volta disso O que significa cuidar melhor daqueles de quem gosto? Significa preservar-me nas minhas amizades? Significa escolher o que digo, o que faço, a forma como digo e faço? Significa não olhar quando quero olhar, não dizer quando quero dizer, fazer de conta quando não encontro qualquer motivo para fazer de conta? Significa gerir momentos e palavras e gestos e atitudes para que não possam ser mal interpretados, para que não possam criar expectativas que depois serão inevitavelmente defraudadas? Mas, e se eu nunca tiver querido criar expect
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Vinte e cinco anos! Se mo tivessem dito antes, teria dito que seria impossível! Eu morria de medo. Tenho ainda bem presente a nossa decisiva conversa, motivada pelo meu medo do compromisso, pelo meu medo de falhar, e da sua decisiva resposta. Tenho ainda bem presente aquilo que pensei, na altura, quando me apercebi que tinha diante de mim, pela primeira vez, alguém que me amava mesmo, e que estava disposta a tudo por mim. Tenho ainda bem presente aquela sensação de quem tudo pode e da enorme responsabilidade que senti logo a seguir, de quem descobre que agora é a sério, tenho uma vida entre mãos que não apenas a minha, e quero muito cuidar dela para sempre. Para sempre! Sempre senti que para sempre é muito tempo, demasiado tempo, por isso preferi substituí-lo por todos os dias. Dá a ilusão de custar menos, dá a ilusão do recomeço permanente, da reconstrução permanente, da novidade permanente, sem contudo retirar tudo o que fica, o imenso que vai ficando, momento após momento, dia ap
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Li apenas o título, é certo, mas ainda assim não quis acreditar. Parece que vai haver uma vacina para crianças com comportamentos problemáticos. Que vai começar a ser testada em Coimbra. Em crianças entre os três e os seis anos. Com desvantagem social e económica. Leio e não acredito. Trabalho num lugar onde abundam as crianças com comportamentos problemáticos. Que herdam todos os dias dos pais, dos avós, dos tios, dos vizinhos e, a partir de determinada altura, dos professores, dos funcionários, dos educadores. Não admira. Não têm quem copiar, os exemplos vão todos no mesmo sentido, e não conseguem quebrar o ciclo. Quando ele era pequeno eu dizia aos meus filhos, meio na brincadeira, que provavelmente ele viria a ser serial killer. Hoje, é meu colega de trabalho. É meu amigo. É nosso professor. Trabalhamos na mesma sala o ano passado e às tantas apercebi-me que o único que levantava a voz e se zangava era eu. E que o único que impunha respeito e levava a água ao nosso moinho er
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Não é verdade. Não aprendi isso ontem. Aprendi isso há muitos anos, no meu primeiro emprego numa oficina de pneus, quando me puseram de castigo a varrer, durante dias, uma garagem enorme, de um condomínio, cheia de terra. Deixavam-me lá de manhãzinha, apenas com a maramita, e iam-me buscar era já noite. Foram quatro dias assim, fechado numa imensa garagem de São Mamede de Infesta, sozinho, para varrer algo que me parecia impossível ser varrido. Lembro-me que só pensava num cartoon do pateta que tinha lido pouco tempo antes, que, castigado como eu, tinha sido incumbido de varrer todos os ladrilhos da estrada que ligava Jerusalém a Roma. Quando o Mickey lhe perguntou como conseguia, ele respondeu "é fácil: varres um ladrilho, respiras fundo, varres o seguinte, respiras fundo, varres o seguinte..." e varria aquele metro quadrado, respirava (não muito fundo por causa do pó) e passava para o metro quadrado seguinte. E repetia-me muitas vezes que aquele dia haveria de terminar,
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Por mais que o tentasse, não conseguia apagar aquela enorme nódoa da sua cabeça. Mal escutava o que lhe era dito, palavra após palavra, justificação após justificação, porque sabia que não tinha importância nenhuma. A nódoa sim, a nódoa era importante. Era tudo o que importava. Era à volta dela que tudo girava, era o alfa e o ómega, o seu alfa e ómega, o princípio e o fim de tudo, a sua razão de existir. Desde tenra idade que se habituara a ouvir da boca da sua mãe coisas como "a verdade acima de tudo" e "cesteiro que faz um cesto..." e, embora por vezes achasse que a sua mãe era injusta, até com ela, intuía que ela no fundo é que tinha razão, "A verdade acima de tudo" e a verdade é que aquela nódoa a tira do sério. Já lavou aquela alma muitas vezes, já acreditou que nunca mais a voltaria a ver manchada, já jurou a pés juntos que o que importava, afinal, era a capacidade de ver para além daquela mancha, que manchas todos temos, e que ele até, cuidadosam
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Enquanto peregrinávamos rumo a Fátima, dois acontecimentos antagónicos, ironicamente próximos do Dia da Mãe: um príncipe nascia e uma criança, de uma mãe criança, era impedida de nascer. Sinais de um mundo repleto de contraditório. Sou radicalmente contra o aborto. Qualquer que seja a condição, qualquer que seja a circunstância, qualquer que seja a história, o aborto é sempre um exercício de abuso do poder sobre quem nem sequer é dada a hipótese de existir para que se possa defender. Todos os argumentos a favor são absurdos porque partem de alguém que tem um privilégio que quer roubar ao outro: viver. Confesso que é, indubitavelmente, o assunto acerca do qual nem vale a pena discutir comigo. Para mim, nem há discussão porque, a discutir, seria sempre com aquele que é impedido de nascer. E confesso ainda outra coisa: há em mim, inevitavelmente, um sentimento de culpa, sempre que sei que alguém aborta. Dito isto, não estou nada interessado em processos inquisitórios, públicos ou p