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A mostrar mensagens de março, 2022
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  Para além de todas as teorias, de todas as homilias, de todas as liturgias, há duas atitudes fundamentais de Jesus que me levaram e levam todos os dias a tentar aderir, de corpo e alma, à fé cristã: acolher e perdoar. Nas turmas onde tenho testemunhado algumas destas coisas de viver com Deus dentro refiro sempre a profunda humanidade de Jesus. Sim, para mim, Jesus é a imagem do Pai, é o Seu filho, é aquele que une céu e terra, no sentido em que, sendo Deus, vem ao nosso encontro e, sendo homem, leva-nos ao encontro com o Pai. No entanto, para alguns daqueles a quem eu falo, dizer isto é dizer pouco mais que nada. Por isso falo-lhes da humanidade de Jesus, da maneira como Ele sentava e conversava, no olhar que fazia incidir sobre as pessoas que habitavam as margens a quem, invariavelmente, fazia recordar uma dignidade que todos davam como perdida. A começar pelos próprios. E recordo-lhes como isso é algo que todos podemos fazer. Não precisamos de ter fé, não precisamos de ter grandes
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  O medo  Certa manhã, ganhamos de presente um coelhinho das índias. Chegou em casa numa gaiola. Ao meio-dia, abri a porta da gaiola. Voltei para casa ao anoitecer e o encontrei tal e qual o havia deixado: gaiola adentro, grudado nas barras, tremendo por causa do susto da liberdade. O Livro dos Abraços, de Galeano   Detesto o medo. Não aquele natural, essencial até, que nos resta da nossa condição de animal e que nos permite manter os sentidos alertas para tudo o que pode, efetivamente, por em risco a nossa vida. Desse também não gosto muito mas, no limite, impede-nos de saltar de cabeça a partir do alto de um prédio qualquer. E também não me refiro ao medo que advém da imensidão de amar, que nos desperta para a proteção, para o abraço, que nos comove para a necessidade de cuidar quando estamos perante alguém que sofre. Esse é-nos dado pela nossa condição humana, que nos faz ultrapassar-nos a nós próprios e às nossas conveniências. O medo que detesto mesmo é o medo irracional, que não
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  Hoje, numa turma, tive dificuldade em fazer-lhes perceber a importância do sonho. Talvez porque são miúdos imersos numa (demasiado?) boa realidade, feita de objetivos claros, de percursos há muito delineados, onde não há grande lugar para devaneios. Muitos deles são miúdos já com muito pouco de miúdos, tal é a carga que lhes é imposta por eles próprios e pelos seus pais e pelas elevadíssimas expectativas que uns e outros têm para as suas vidas. Eu olho para eles e tenho alguma dificuldade em perceber. Naquela idade não deveriam ainda levar as coisas demasiado a sério. Deveriam ser capazes de arriscar, de viver a felicidade ao máximo, de aprender que as noites podem ser infinitas e os amanheceres irrepetíveis na melhor das companhias, com todos os sentidos bem despertos para poderem usufruir o imensamente belo e o maravilhosamente novo, tão próprios da idade que têm. E no entanto... olho-os e a muitos deles falta vida, demasiadamente preocupados com os testes e com as matérias e com a
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    Um dos livros que ando a ler, Ikigai, de Ken Mogi, refere a importância do saber estar "aqui e agora" como um dos pilares fundamentais para a felicidade. Eu gosto muito desse aqui e agora, desse carpe diem, dessa capacidade de aproveitar cada momento como se fosse o último, como se nada mais importasse. Naturalmente, não pode ser tomada por si só, como se não existisse continuidade como se a vida não tivesse ou não deixasse lastro. O saber viver aqui e agora é importante quando devidamente enquadrado num percurso de vida onde cabe a memória grata do caminho percorrido, das pessoas que nos habitam e nos permitem que nelas habitemos. E a esperança, essa quase ingénua confiança que a vida nos reserva coisas boas. O aqui e agora não implica, por isso, alheamento ou inconsciência, mas o louvor. Pela oportunidade de ser feliz, pela capacidade de viver a vida até ao tutano, intensamente, completamente, sem dar lugar à ressaca da culpa do dia seguinte. E sempre na forma partilhad
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  Não tenho desculpas. Não me adiantam justificações. Não é por falta de interesse, ou de conhecimento, ou de vontade. Começo os meus dias a rezar, a procurar na Palavra do dia o sentido, a motivação, o desejo, não para viver mas para viver melhor, para ser melhor. Invariavelmente, chego ao fim do filme do dia com um sabor amargo na alma: aqui e ali, num ou noutro momento, não consegui, não fui capaz. E nem sequer é um sentimento vago de dever ser melhor, de conseguir ser outro. São momentos definidos, palavras concretas, conversas ditas e escutadas, atitudes testemunhas e exercidas, no concreto do meu dia, da minha vida, daquilo que vou sendo, com os outros. Diria que este amargo sabor a pouco é profiláctico. Que me restitui ao lugar a que pertenço, que me impede de deixar ainda mais a desejar, que é um incentivo a que eu nunca deixe de, pelo menos, tentar, de conseguir ser um bocadinho melhor a cada dia que passa. É azeda, contudo, esta sensação de não chegar. É cansativa esta consta
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  De entre os inúmeros aspetos da minha personalidade que, pudesse eu, seriam rifados com uma alegria imensa, há um que me mete sempre em trabalhos. Não sei bem porquê, mas não sou muito dado a unanimidades. Quando está toda a gente de acordo, com um olhar monofocado sobre o que quer que seja, eu descubro-me a, instintivamente, procurar a falha e a alterar a forma como eu vejo a coisa. Nesta altura com a guerra na Ucrânia, passa-se um bocadinho isso. Claro que sou contra a estupidez do Putin, claro que é uma agressão bárbara, claro devemos fazer tudo para acolher os refugiados, claro que estamos todos de acordo que nestas alturas quem se lixa é o mexilhão e é para ele, fundamentalmente, que devemos olhar e, sobretudo, acolher. No entanto, isso não me faz tecer loas nem à Ucrânia nem ao seu presidente. Nem me predispõe grande coisa a embarcar nas inúmeras campanhas de solidariedade que nesta altura abundam por esta europa fora. Por um lado por causa do excesso de emotividade - que me põ
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  Quando fui para a faculdade  estudar Ciências Religiosas, uma amiga fez-me um aviso que nunca mais esqueci: "Tem cuidado. Num curso desses ou a tua fé tem raízes e sai fortalecida ou corres o risco sério de a perder." Ao longo dos vários anos da faculdade tive sempre bem presente este aviso. Que se revelou verdadeiro. Quando estudava a História da Igreja, a Eclesiologia e outras disciplinas deste género, deparei-me com muitos acontecimentos nossos, da Igreja, que estavam bem longe de Jesus. E isso pode ser verdadeiramente perturbador. Afinal, eu estou completamente imerso na Igreja, faço parte dela, quero fazer parte da sua história, da sua realidade, e nem sempre o legado é aquele que eu gostaria que fosse. Recentemente, isso tornou-se gritantemente evidente com os inúmeros casos de pedofilia que ocorreram no nosso seio. Perante esses acontecimentos, só me resta a vergonha - que nem sequer é alheia mas também minha porque não me posso por de fora quando me é convenientemen