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"Só o silêncio do rebentamento das ondas quebra o silêncio da espera." Podia ser uma daquelas frases bonitas que por esta alturas aparecem em inúmeros power points que todos os dias recebo alusivos ao Advento. Podia ser uma das belíssimas orações da manhã da Renascença com que tento começar os meus dias. Infelizmente, não é nada disso. É o título da notícia dos familiares que desesperam pelo aparecimento dos seus na praia do Meco. Não consigo imaginar um desespero maior que aquele que aguarda que o corpo de um filho dê à costa. Não consigo imaginar como é possível viver depois disso, como as noites são imensas noites, como os dias deixam de ser dias. Não consigo imaginar a dor superior a qualquer outra dor que é perder um filho, qualquer que seja a circunstância em que isso acontece. Silêncio e o barulho do mar. Duas situações que normalmente procuro quando preciso de me reencontrar, de me recolocar perante a vida. Duas situações que são o meu caminho seguro para encon
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Hoje, o Gusto faria anos. Faria já não faz, porque morreu há pouco tempo sozinho, no hospital. Na altura as minhas filhas souberam que ele estava no hospital com prognóstico muito reservado: a vida que escolhera levar rebentara-o todo por dentro. E ele sabia-o. Dissera-mo há alguns anos quando, numa das minhas idas aos sem abrigo, estivéramos juntos na estação de S. Bento. Eu sempre gostei dele, ele sempre gostou de mim e dos meus, e no entanto, apesar da insistência delas, não consegui ir vê-lo ao hospital. Por falta de tempo, dizia eu para mim e para os outros, sabendo no entanto que, se quisesse mesmo ir, tempo era o que não me faltava. Neste tempo do Advento tenho andado com a mochila na cabeça. O que carrego eu, todos os dias, na minha mochila? Para que é que reservo eu espaço na minha vida? Que coisas são apenas coisas, são apenas imensos nadas, que servem para rigorosamente nada, que servem apenas para me atrapalhar o passo e me darem a sensação de vida importante, ocupada,
“Não podemos ignorar que, nas cidades, facilmente se desenvolve o tráfico de drogas e de pessoas, o abuso e a exploração de menores, o abandono de idosos e doentes, várias formas de corrupção e crime. Ao mesmo tempo, o que poderia ser um precioso espaço de encontro e solidariedade, transforma-se muitas vezes num lugar de retraimento e desconfiança mútua. As casas e os bairros constroem-se mais para isolar e proteger do que para unir e integrar.   (…) O sentido unitário e completo da vida humana proposto pelo Evangelho é o melhor remédio para os males urbanos, embora devamos reparar que um programa e um estilo uniformes e rígidos de evangelização não são adequados para esta realidade. Mas viver a fundo a realidade humana e inserir-se no coração dos desafios como fermento de testemunho, em qualquer cultura, em qualquer cidade, melhora o cristão e fecunda a cidade.” Evangelli Gaudium, 75   Nunca é fácil falar ou escrever do que nos mexe cá por dentro. E o Espaço RAIZ mexe cá
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Quando, no âmbito de um trabalho para faculdade, me perguntou como me preparara para o Caminho, respondi que normalmente não me preparo: meto meia dúzia de coisas na mochila e deixo-me ir. Se a pergunta tivesse sido feita em relação a Taizé, a resposta teria sido idêntica. Nunca me preparo a sério para essas coisas: encho a mochila com o mínimo e abandono-me nos braços de quem me ama. Este despojamento, que tanto bem me faz, não acontece, contudo, no meu quotidiano. Aí tenho sempre a sensação que tenho que pensar em tudo, que preparar tudo, que organizar tudo, por forma a não desapontar aqueles que contam comigo. E a cabeça vai enchendo, a vida vai enchendo, e nem a almofada serve de consolo porque é justamente quando pouso a cabeça na almofada que os acontecimentos passados e futuros me assaltam e perturbam o sono. Em vão, claro. Porque, por muito que me avie em terra, o mar alto é imprevisível e escapa com facilidade aos meus anseios e desígnios. Há, nos tempos litúrgicos que
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"Não vos inquieteis, procurando a causa dos grandes problemas da humanidade; contentai-vos em fazer o que puderdes pela sua resolução, ajudando aqueles que precisam. (...) Por mim, faço tudo o que posso; quanto ao resto, não me compete." Por vezes discuto com um amigo, que tem sempre grande relutância em participar nos vários Projetos em que estamos envolvidos. Que ajudamos quem não precisa, que faz tudo parte de um enorme esquema conspirativo para que alguns fiquem bem na fotografia, que serve apenas para iludir as nossas consciências, que se as pessoas gastassem o dinheiro no que vale a pena em vez de irem fumar para os cafés as coisas seriam diferentes, etc. São argumentos gastos, que no princípio ouvia quase todos os dias mas que agora, talvez porque vejam que não adiantam, vou escutando cada vez menos. No caso deste amigo, no entanto, os seus argumentos são puramente racionais, não passam de desculpas para não se incomodar e, mais importante, entram em clara contr
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Não são muitas as pessoas que conheço que têm o condão de transformar dificuldades em oportunidades de encontro. Hoje, logo pela manhã, recebi um telefonema a pedir (pedir mesmo, não solicitar) a minha colaboração por causa de um contratempo. Lá resolvemos a questão, sem grande dificuldade, e a coisa rolou. Recebi agora uma mensagem sua com um "obrigada e desculpa". Simples, eficaz e muitíssimo agradável. Uma das coisas que enchem mais os meus dias é quando tenho a sensação que aprendi alguma coisa. Então se forem destes gestos, atitudes, demonstrações de sabedoria profunda, daquelas que implicam os calcanhares bem assentes no chão mas que estão aí para todos os que as quiserem absorver, deixam-me ainda mais feliz. São pessoas assim que me fazem sentir privilegiado por viver os meus dias da forma como os tenho vivido. Ainda há pouco falava com alguém do Fredo, um (ainda) miúdo do Bairro com quem tenho aprendido muito. No Espaço onde ambos trabalhamos nunca o ouvi a ber
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Li no Público um curtíssimo artigo da Bárbara Reis acerca do nosso Papa, "Um Papa que nos obriga a olhar". http://tribodejacob.blogspot.pt/2013/11/barbara-reis-um-papa-que-nos-obriga.html Lembrei-me imediatamente de um encontro recente que tive onde se pretendeu que se discutisse a fé, na forma como a celebramos e vivemos. Bastaria aquela foto, aquele recorte de jornal, e teria valido a pena irmos a Fátima. Na realidade, como cristãos, como pessoas, temos muito a aprender com este Francisco. Continuamos a viver nos mesmos moldes, encarcerados nas nossas realidades fechadas enquanto ele, alegremente, nos indica o caminho a seguir. Ainda há pouco tempo, numa das reuniões em que pensamos a fé, discutíamos a importância da paróquia, a centralidade da paróquia, para que, supostamente, fiquemos unidos à Igreja. Continuamos a não querer ver como a vida hoje se faz de lugares abertos. Continuamos a não querer ver como a comunidade hoje nada tem a ver com a comunidade de há 15 a
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Detesto quando tenho que vestir um fato que não sinto como meu. Mas por vezes tem que ser. Principalmente no meu papel de pai. Considero que saber é absolutamente fundamental. Porque me permite situar-me no mundo que me rodeia, porque me liberta, porque me dá o poder de discernir o certo e o errado, porque me dá as armas para decidir o melhor em cada momento, porque evita que seja um boneco em mão alheias, porque me capacita para ajudar a construir um mundo melhor. Um dos momentos mais marcantes da minha vida foi quando descobri, já quase adulto, que havia pessoas que trabalhavam para pagar a faculdade. Toda a vida me tinha sido dito que a faculdade era para meninos bem, para ricos, e eu, que a partir de determinada altura descobrira um imenso gosto pelo saber, senti-me roubado na minha possibilidade de futuro. Lembro-me que pensei "assim também eu!", um desabafo que hoje me acompanha muitos dias no Centro Comunitário. No entanto, se tenho o saber como absolutamente fu
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Gosto assim. Sem contar, entra-me pela porta dentro, com um enorme sorriso, que apenas a alegria do reencontro pode proporcionar. A conversa solta-se, toma conta do nós, e falamos de coisa nenhuma, típico daqueles que não precisam de bater à porta da intimidade alheia, simplesmente porque esta não está lá. Os limites há muito foram ultrapassados, as janelas - as da alma -  escancaradas, e tudo é terreno conhecido, atempadamente apropriado, sem zonas de segurança, sem zonas de desconforto. Não são muitas as pessoas com tamanho privilégio. É preciso vida vivida, partilhada, com uma dose qb de sofrimentos e ultrapassagens por dentro e por fora, com algumas dúvidas, com muitas descobertas e redescobertas e vontade e abertura e segurança suficientes para se permitir refazer por dentro a cada conversa, a cada discussão, a cada etapa. E o tempo, o inevitável, inelutável, o Mestre Tempo, a permitir respirar nos entretantos, a potenciar a saudade, a refrescar a memória das coisas boas, a d
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Não é mesmo possível servir a dois senhores. Uma das maiores questões da minha vida é a minha dificuldade em estar. Eu, que gosto tanto de estar, que faço tanta questão de estar, desespero quando não consigo estar como queria, com todos quantos queria, e, principalmente, com quem esperaria que eu estivesse. Por causa disso tenho muitos amargos de boca, sinto-me muitas vezes culpado por não conseguir cumprir com quem sinto que me comprometi. Na minha vida, volta e meia tenho que parar e forçar-me a recordar da hierarquia das pessoas com quem me comprometo. Recordar-me para quem sou verdadeiramente fundamental, quem depende de mim, tentar discernir se estou a conseguir ser qualquer coisa de jeito como pai, como marido, como amigo ou confidente, se estou a conseguir ser esteio de coisa alguma, como é suposto ser.  Nessas alturas lembro-me invariavelmente do meu pai, que os meus amigos invariavelmente admiraram e admiram pela sua disponibilidade, abertura e eterna juventud
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Eu sei que é estúpido, mas nunca me vi como fisicamente frágil. Tive sempre a sensação que, fisicamente, era capaz de tudo. Poderia levar um certo tempo, poderia exigir um trino especial, mas não há nada que nunca tivesse conseguido. Talvez por isso tivesse uma altura em que gostasse tanto do ginásio: fazer exercícios de pernas com mais de 100 kgs dava uma enorme sensação de impunidade. Aliás, a primeira vez que senti limitação física foi no Caminho. Cometi a sobranceria de não fazer qualquer preparação e o segundo dia custou-me horrores. Lembro-me dos últimos 5 kms desse dia como dos momentos em que mais tive que me superar. E que comecei a aperceber-me que já não tenho 20 aninhos. Hoje, por sinal, fiquei de cama o dia todo. Gripe, penso eu, que destas coisas não percebo nada. Febre, dores nas articulações, intensíssima dor de cabeça e tonturas quando me ponho de pé. Nada de importante. O que importa mesmo é que, quando estou assim, vivo como que um regresso à infância. Não sei
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Ontem à noite, enquanto íamos para casa, dizia que atravesso um período de verdadeira felicidade profissional. Corro como o caraças, os meus dias são demasiado curtos, mas tenho chegado à cama sempre com a sensação que foi um dia bom. Uma das minhas filhas disse que era espantoso que eu, depois do que estudei , trabalhei e sofri noutras áreas, me encontrasse finalmente a fazer o que eu faço.. e que adoro fazer! Apesar de gostar muito de conversar com os meus filhos, de estar sempre atento aos acontecimentos das suas vidas - sobretudo à forma como vão lidando e superando os acontecimentos menos bons - apesar de eles me lançarem aqueles olhares que apenas os filhos lançam aos pais quando sabem que vem aí conselho moral, apesar de não conseguir - nem querer - evitar esse momentos de cima para baixo, sei bem que nada fala mais alto que o exemplo. O facto de os meus filhos terem sentido na pele, da forma mais dura, os efeitos do meu insucesso profissional e pessoal, o facto de eles ter
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O meu sogro, homem de parca formação mas de enorme visão - e que me topou logo que me pôs a vista em cima - achou sempre que eu falava demais, que tinha um lado basófias que lhe custava mito a engolir. E não se enganou. No sábado fui buscar os tios velhinhos ao lar onde tinham ido fazer uma experiência. Era suposto ficarem lá um mês e não aguentaram sequer uma semana! Quando lá cheguei fomos todos visitar as instalações Não eram nada de especial, nem boas nem más, mas não foi isso o que me impressionou. O tio dizia insistentemente que não se via ninguém, que ninguém ia para a sala de jogos "3 bilhares, Zé, e ninguém vai para lá" que a biblioteca "com mais de 1500 livros!" estava sempre vazia "só lá tem um velhote que pega no Notícias de manhã e nunca mais o larga" e que, fora isso, não se via ninguém "nem nos jardins, nem nos parques, nem nos corredores". Como sempre, achava que ele estava a exagerar: não era possível que uma casa com mais d
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Há quanto tempo não te faço eu uma oração Há quanto tempo não disponho do tempo e da serenidade para me encontrar contigo Há quanto tempo não pego no teu tempo - que eu penso sempre ser o meu tempo! - para to restituir, livremente, calmamente, como quem pega numa cadeira e se senta à sombra moçambicana e deixa o olhar fluir como quem pega num terraço e lhe junta a lua e deixa a noite fluir Há quanto tempo não me encontro connosco não converso connosco não repouso o olhar em ti e em mim para interromper esta sensação de sofreguidão que eu tanto detesto mas que me vicia, que me impele a prosseguir, que me faz correr, meio sonâmbulo, sem sequer me aperceber como deve ser da vida que passa por mim e em mim e de mim e até mim Há quanto tempo não me sento e junto de ti e em ti te digo: ok. Chuta. e me deixo estar, de olhos bem fechados a escutar os carros que passam lá fora a as crianças que brincam nos corredores os sons e os sinais que são vida que testemunh
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Uma das minhas características que tradicionalmente mais problemas me trazem é a forma como eu discuto as minhas ideias. Facilmente me deixo envolver pelo calor da discussão e, diz quem me ouve, que o meu tom de voz por vezes se torna demasiado agressivo. Raramente tenho outra intenção que não seja discutir as ideias pelas ideias. Gosto muito do calor de uma boa refrega, gosto muito de quem tem a capacidade de me colocar em causa - o que, em alguns assuntos, não é fácil - e, invariavelmente, respeito quem tem a capacidade de argumentar racionalmente os seus pontos de vista, por muito díspares que sejam dos meus. Como já referi por aqui algumas vezes, o que não posso é com o encolher de ombros, o tanto se me dá, que se vai tornando cada vez mais normal. Ontem, dia de eleições, só podia dar discussão política lá em casa. Calorosa, como qualquer discussão. No final, disse à minha filha que gosta de politica como eu, que tenho um imenso orgulho quando confirmo que os meus filhos têm c
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Com a inauguração do novo Espaço, veio a já esperada onda de velhinhos. Para já apenas chegam, ávidos de conversa e de atenção, com um enorme sorriso, apreciam o espaço e inscrevem-se, cheios de vontade de voltar. Apesar de gostarmos muito de os acolher, para nós, tudo isto está, neste momento, repleto de incógnitas. Não estamos habituados a trabalhar com pessoas destas idade, e quando o objectivo é que permaneçam algumas horas junto de nós, muitas questões se levantam. A primeira chegou justamente com o primeiro velhinho, que, visivelmente debilitado, vinha numa cadeira de rodas. Calculamos logo que seja preciso acompanhá-lo quase permanentemente, nas idas à casa de banho, nos lanches, nas conversas. É bem diferente de lidarmos com os miúdos irrequietos e vivaços, que transbordam energia e vida, e que nos têm preenchido os dias. Por isso iremos tentar apostar no intercâmbio entre ambos, em criar oportunidades para a troca de experiências, de convívio comum, que tão arredado anda da
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Acontece-me isto, por vezes: olho, olho e não vejo nada. Na semana passada deparei-me com esta frase e não a percebi. Não podia, de facto, tal era a correria em que estava metido. Reuniões em cima de reuniões, preparações em cima de preparações, e eu passo, de repente, a estar em "modo trabalho". Fico completamente focado no imenso que tenho que fazer, no imenso que tenho que preparar, na ânsia que não falte nada, que não escape nada, para que depois, quando a altura chegar, possa usufruir. Não é mau que assim aconteça, pelo contrário. A questão, no entanto, é que nessas alturas tudo o que não é trabalho me passa quase completamente ao lado. Quando chego a casa lá vou conseguindo alguma disponibilidade para os que amo, mas  nem sempre a cabeça está lá. Nem mesmo quando durmo! Houve um tempo na minha vida em que eu funcionava em "modo trabalho" vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, trezentos e sessenta e cinco dias por ano. Não conseguia nunca
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O medo de ser feliz faz-me muita confusão. Aquela coisa de "estou muito bem, alguma coisa está para me acontecer" que impede as pessoas de saborear o momento, de sentir verdadeiramente, abertamente, sem medos ou reservas, como se tivessem medo de subir muito alto só para não caírem. Todas as pessoas que conheço que têm esta tendência são muito mais lestas em sentido contrário, exacerbando o negro como se nunca tivessem visto luz, quase como se encontrassem nessa escuridão o sentido para os seus males. E o pior é que vivem tão à espera que algo mal aconteça que quando acontece - e acontece sempre a todos nós - dizem, cheios de razão: "Vês? Eu não te dizia? Tu nunca vês a realidade!" Há pouco tempo, num extraordinário encontro de formação, uma das nossas irmãs disse-nos que, durante o seu processo de discernimento, lhe foi pedido para escolher a passagem bíblica que definiria a sua vida. De seguida, deu um breve tempo a cada um dos presentes para pensar qual seri
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Grande noite, a de ontem, com a confirmação que temos mais dois filhos na Faculdade. E nos cursos que foram a primeira opção de cada um, o que é muito importante! Claro que as coisas se vão complicar um pouco mais cá em casa. Ter 4 filhos na faculdade não é propriamente fácil, mas, como sempre, há que manter a cabeça fria, respirar fundo, e dar Graças por cada dia que passa. E se alguém tem motivos para dar Graças, somos nós. Muitas vezes olhamos para os nossos filhos completamente embevecidos. Há alturas em que não é fácil: todos somos de mergulhar de cabeça nos muitos projectos em que nos envolvemos, todos sofremos da mesma falta de tempo disponível, todos partilhamos a mesma dificuldade de viver as coisas pela metade, de discutirmos pela metade, de nos divertirmos pela metade. Cá em casa tudo é sempre muito tudo: muita música, muita diversão, muita discussão, muita alegria ou muita tristeza. Normalmente não há espaço ou sequer vontade de encolher ombros ou de viver alheados ao
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Uma das coisas que mais problemas me tem causado é o facto de não ser anti-nada. Normalmente não falta quem me exija a mesma radicallidade que sentem. Tanto de um lado como do outro das contendas em que algumas vezes me meto, nunca vêem com bons olhos a minha queda natural para ver o outro lado da questão, o papel de advogado do diabo que, quase sempre involuntariamente, me vejo a desempenhar. Daí à acusação de falta de personalidade é um pequenino passo, que é, aliás, muitas vezes dado. Por muito tempo isso incomodou-me bastante, até que me fui apercebendo que me incomodava ainda mais a minha infiidelidade a mim próprio, que por vezes levava a que fosse artificialmente radical apenas para me poupar. Como não há regra sem excepção, a única radicalidade que me é visceral desde que me conheço é a do aborto. Mesmo nas mais duras e longas batalhas que tive na altura da discussão da lei - umas olhos nos olhos, outras nos vários fóruns da internet - nunca me conseguiram dar um argumento
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Recebi uma sms: "Pai, disseram-me que aquele teu amigo que consumia está no hospital. E está mal." Lembro-me de um retiro há uns largos anos em que ficamos no mesmo quarto. De manhã bem cedo, acordei com a sua tosse. Levantei-me e lá estava ele, no corredor, de cigarro na mão e janela aberta a deixar entrar o ar gelado. "Desculpa. Tive que vir dar de mamar aos queixos." Rimo-nos como sempre nos rimos juntos, porque nos sentíamos bem juntos.. Durante uns tempos vimo-nos muitas vezes. Ele tinha regressado de Espanha, onde quase se tinha acabado de perder, recuperara a custo, arranjara emprego, e participava nos nossos encontros. "Se na altura soubesse que havia disto nunca me teria metido nesta merda". Era bem mais velho que nós mas todos o acolhíamos com agrado no nosso seio. Era também uma conquista nossa, em parte uma mascote, e exercia em muitos dos mais novos o fascínio do filho pródigo. Contava-nos as histórias espanholas das suas descidas aos inf
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Desde muito novo que estou habituado a lidar com o que eu chamo opinadores de sofá. E confesso que as suas opiniões não me merecem um respeito especial. A última opinadora foi justamente uma da minhas filhas. Na minha paróquia temos uma coisa que se chama "Mesa de São Pedro" onde, todos os dias, várias equipas se vão revezando para que algumas das pessoas mais carenciadas possam ter algo que comer. Assim, todos os dias, ao jantar, é servida pelo menos uma sopa quente a quem, em princípio, mais precisa. Alguns de nós - os que querem - lá de casa, estamos ao serviço de 15 em 15 dias. Numa dessas noites, em que, necessariamente, chegamos mais tarde para jantar, a Mesa de São Pedro foi tema de conversa e uma das minhas filhas disse que não ia porque não concorda com aquilo, porque estávamos a perpetuar a miséria, porque nos limitávamos a matar a fome, porque aparecia lá gente que afinal não precisaria tanto como isso, porque... porque... porque... Depois de argumentarmos mut
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Disseram-me ontem, ao final da tarde, que afinal os tinha enganado. Que afinal também eu estava a caminho, lá, no meio deles. Não o meu corpo, que esse estava em casa a essa hora, mas o meu corpo é apenas uma pequena parte do que sou. No final das férias tive mais uma infeliz notícia da morte de mais uma amiga do nosso velhinho e saudoso grupo de jovens. Cancro, mais uma vez. Juntamo-nos, uma vez mais, no seu velório e, como sempre, reatamos as conversas que ficaram suspensas algures no tempo, conversando como se nunca nos tivéssemos separado. Os que pudemos, cantamos no seu funeral. Bastou um curtíssimo ensaio para sabermos e recordarmos o que iríamos cantar e fizemo-lo de forma profundamente identificada e sentida. Ao olhar para a igreja a abarrotar de amigos seus, pensei como, apesar de tudo, seria bom morrer assim. Na vida não temo muitas coisas. E a esmagadora maioria das que temo estão muito mais ligadas àqueles que amo que propriamente a mim. Mas temo a solidão. Não a sol
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Uma destas noites, enquanto nos despedíamos, em família, das férias com uma caminhadazita na Foz, um dos sítios preferidos do nosso mundo, conversávamos como foi importante este tempo de reencontro. Deu para parar, para namorar, para fazermos coisas juntos e separados, para recarregarmos baterias, colocar o trabalho em ordem, para passearmos e conhecermos coisas novas. Um tempo muito bom e muito importante para nos reencontrarmos uns nos outros. A minha mais-que.tudo passou uma parte substancial do tempo a tentar organizar a imensidão de fotos que estava espalhada por imensos álbuns, gavetas, livros e prateleiras. Durante mais de uma semana a nossa mesa da sala esteve impraticável tal era a profusão de fotos de passeios, aniversários, baptizados e comunhões. Como tudo o que se passa em família se passa em nossa casa, e ainda por cima somos muitos, temos um manancial de recordações verdadeiramente encantador e invejável. Eu normalmente não ligo muito a fotos nem a este tipo de re

O Bairro

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Por estes dias tenho descansado mesmo. Aproveito para fazer coisas que gosto tanto e para as quais normalmente não tenho tempo: limpeza global do computador, leitura em ordem, dormir uma boa sesta, um sol e uma boa praia, caminhadas e conversas, e namoro, muito e delicioso namoro. Por entre esta azáfama de dolce fare niente de importante, fui a um batizado na Igreja de Ramalde. Por coincidência estavam lá alguns dos nossos miúdos e tivemos a alegria do reencontro de quem se quer bem. Tanto eu como a minha-mais-que-tudo saímos desse reencontro verdadeiramente felizes. Uma das características mais vincadas desta malta é justamente a sua ausência de máscaras, o que torna tudo muito à flor da pele, muito natural. Como são tão efusivos nas suas demonstrações de carinho como nas de desagrado, não têm pruridos nenhuns em nos abraçar e nos apresentar à família toda por entre as mais sonoras gargalhadas. Depois de nos despedirmos deles, enquanto íamos no carro para a festança do batizado
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Um dos principais indicadores do meu cansaço é a falta de paciência. Não com os outros mas comigo, quando estou sozinho. Quando o dia termina, o rádio incomoda-me, chego a casa e não sei o que hei de fazer com  tempo, pego num livro e largo-o, pego noutro e não me satisfaz logo às primeiras páginas, a televisão não passa nada em condições e, como se não chegasse, todas as noites uma qualquer canção perfeitamente estúpida invade-me o sono fazendo com que, invariavelmente, veja nascer o dia de olhos bem abertos. Poucas coisas me chateiam tanto como este tempo intermédio em que estas coisas ainda não acabaram mas as outras ainda não começaram. Em princípio, amanhã, esse tempo terá acabado. Afife, com as suas praias, com a sua calma, com o seu tempo nublado, com as suas noites frias, espera por mim. Amanhã, em princípio, encetarei uma nova recuperação. De mim mesmo. Boas férias
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Há uns anos descobri que há em mim um lado de advogado do diabo que me passara despercebido. Numa qualquer discussão, quando as opiniões tendem todas para um lado desconfio sempre. E descubro-me a procurar razões para que as coisas não sejam bem assim. Muitas vezes acabo até por não conseguir deixar de apresentar essas razões, mesmo contrariando o que defendera momentos antes. Confuso? Claro que sim. Se para mim o é, imagino para os outros. E sou assim em tudo! Aqui há uns tempos, depois de mais um titulo, cometi a estupidez de dizer em voz alta que tinha saudades do Porto quando o Porto não ganhava nada. Éramos poucos os indefectíveis, orgulhosos por pertencer a um clube que sentia na pele e no campo o contra tudo e contra todos, que na altura nada tinha de artificial. Da mesma forma, sempre preferi as segundas cidades dos países e os clubes dessas cidades, que têm que lutar contra o natural poderio da capital. Mesmo a nível partidário, tenho sempre vontade de aderir formalment
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Tenho andado a saborear, lentamente como convém com as coisas importantes, o Lumen Fidei, do Papa Francisco. Logo no início, uma curta frase que me chama a atenção: a fé nasce no encontro com o Deus vivo. Nunca entendi muito bem aqueles que dizem que, com muita pena sua, não foram abençoados com o dom da fé. Provavelmente nunca a procuraram, ou melhor, nunca se disponibilizaram a não ser para que a pudessem ter. Lembra-me o que aconteceu na minha primeira experiência de Taizé. Nos primeiros dias a cabeça não parava, andava constantemente às voltas, numa ensurdecedora gritaria que me frustrava qualquer tentativa de silêncio. Às tantas, cansado de tanta gritaria, rendi-me a mim mesmo e aceitei a imensidão de imagens e sons e problemas que me assaltavam mal me sentava naquele chão abençoado. Progressivamente, de forma muito lenta, fui-me apercebendo que se era eu, inteiro, com tudo o que sou, não podia não aceitar tudo o que me vinha à cabeça, não podia fazer uma espécie de interre
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Lentamente, muito mais lentamente do que eu desejaria, vamos voltando a ter o nosso tempo. Ainda na semana passada, numa das reuniões de um dos grupos de trabalho aos quais pertencemos, tive que recordar que, apesar de sermos casados, apesar de irmos e virmos juntos, apesar de ambos estarmos envolvidos em alguns projectos comuns, não somos um só. Para efeitos de trabalho, claro. Que as coisas não passam por osmose ou proximidade enquanto dormimos só porque nos amamos. Que o facto de se comunicar algo a um de nós não implica necessariamente que o outro o saiba. Até porque temos muito mais do que conversar, muito mais do que partilhar, muito mais do que construir e resolver, todos os dias, que não passa por trabalho. Volta e meia lá se misturam as duas coisas, mas confesso que isso não me agrada nada. Se, no que à vida diz respeito, fazemos por ter uma visão comum, no que ao trabalho diz respeito nem sempre queremos que assim seja. Nem sempre seria bom que assim fosse. Em boa verd
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À revelia (uma daquelas revelias com que eu, como pai, estou sempre a contar e até, num e noutro caso, vou permitindo), o meu filho mais novo criou conta no Facebook. Como sou amigo dele, volta e meia passo por lá e dou-lhe uma vista de olhos. E nem sempre gosto do que vejo. É natural. É esquisito ver o meu filho através da impessoalidade do Facebook. Principalmente a ele, a quem começam agora a despontar as primeiras borbulhas, e que vai rapidamente deixando de ser "o pequenito" para assumir o João que em si desponta. Eu sou um completamente babado pelos meus filhos. Conheço-os muito bem - mesmo quando se tentam esconder, e tenho um tal orgulho neles que por vezes me pergunto como cabe tanta coisa cá por dentro (o que, pelo menos para mim, explica perfeitamente o meu porte, que alguns, erradamente atribuem à gula. Nada de mais errado: tudo isto é amor.) Sei que eles já são muito mais do que eu alguma vez serei, o que me deixa perfeitamente feliz acerca do meu papel de pa

pontes

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Um dos meus maiores prazeres é observar. Pessoas. Lembro-me de, muito miúdo, ir para a Praça da República, ou para a Avenida dos Aliados, e entreter-me a ver as pessoas a correr, esbaforidas, ensanduichadas nos autocarros, em hora de ponta. Imaginava como seriam as suas casas, o que fariam quando chegassem a casa, as suas famílias, a sua solidão ou alegria. Ainda agora, quando estou no meio de muita gente, normalmente refugiado num qualquer canto, são coisas dessas que me passam pela cabeça. Por isso, é-me extremamente gratificante ver a evolução dos miúdos nas colónias. Quando lá chegam, apesar de todo o trabalho em comum que acontece ao longo do ano, há vários grupos que se olham com alguma desconfiança. As conversas ou são tímidas ou aparvalhadas (que é uma outra forma de lidar com a timidez), os olhares são inquisidores, e há, sobretudo, uma enorme quantidade de eus. Nesse primeiro dia, normalmente lido com todos eles de forma um tanto ou quanto abrupta: preocupo-me mais com o

colónia

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Mapas preparados, muitas coisas embaladas, tudo para que não falte nada. Na bagagem interior, no entanto, é que vai o essencial: uma tremenda dose de boa disposição, uma tremenda dose de paciência e, fundamentalmente, uma tremenda dose de improviso. Pelas minhas conta, este é o meu décimo terceiro ano consecutivo de colónias. Cheguei aqui como chego sempre a estas coisas: contrariado, arrastando os pés, mas lá vou chegando por afinidade, por amor,  por quem tem a arte e o engenho de o fazer: a minha mais-que-tudo. Aos dessa primeira colónia, já quase lhes perdi o rasto. Sei que alguns são já pais e mães, sei que alguns estão ou estiveram na prisão, sei que alguns vingaram na vida e são cidadãos como todos os outros: com maiores ou menores dificuldades, com maiores ou menores sonhos cumpridos. Quando passo por qualquer um deles é sempre uma festa. Qualquer que tenha sido o seu percurso, é sempre bom revermo-nos. Mesmo aqueles que se portavam mal e eram mandados para casa, hoje cump

Olhadela

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Poder acordar bem cedo, caminhar por entre as árvores tendo como fundo o barulho do mar e o canto dos pássaros é um excelente motivo para dar Graças.  Se sou acolhido por uma manhã esplêndida no seu brilho, na sua cor, no seu silêncio recheado de sons naturais, as Graças ganham uma nova razão de ser. Se me encontro com as memórias de uma colónia que agora termina e que não podia ter corrido melhor, as Graças encontram a vida vivida que as devem justificar. Se, ao mesmo tempo me preparo para a colónia que hoje vai começar, e que prevejo com maiores dificuldades, as Graças ajudam na superação.  Se, enquanto faço estas viagens, dentro e fora de mim, me deparo com um inesperadamente belo espaço de oração, as Graças encontram o seu lugar de louvor. Resta-me, então, saber agradecer todo o amor. Obrigado, meu Bom Pai.

Mandela

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Tenho muita dificuldade em acreditar nos santos do altar. Não nas pessoas em si, cujo percursos de vida normalmente até desconheço, mas na nossa necessidade de as colocar em cima de um pedestal. Até porque as pessoas que conheci e que estavam mais próximas do que eu considero ser a santidade, não eram santinhas. De todo. Eram bem humanas, com problemas e dificuldades como todos nós temos, que cometiam erros como todos nós cometemos e que, como eu costumo dizer nas minhas catequeses meio em tom de brincadeira, faziam chichi e cocó como todos nós. Tinham era uma postura de vida, uma tenacidade e, sobretudo, uma sabedoria profunda - e algumas delas mal sabiam ler e escrever - que lhes permitia uma serenidade tal que acabaram por constituir para mim modelos de vida e de entrega aos outros. Ainda há pouco tempo dizia a uma amiga que não tenho ilusões no que diz respeito às pessoas. Acredito na sua humanidade, na sua capacidade de fazer o bem e o mal consoante as circunstâncias, mas acr
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Uma das constantes mais dolorosas de mim é o pânico que os outros, particularmente os que confiam mais em mim, descubram quem sou. Acabei de ser surpreendido. Facilmente olho para o meu reflexo estampado do outro lado do ecrã e, mais que não me reconhecer no tanto que fazem de mim, tenho muito medo do que acreditam que vêem em mim. Ainda na semana passada, durante uma formação recheada de notáveis, a primeira coisa que escrevi foi "que raio fazes tu aqui?". Creio que no mais íntimo de mim nunca passarei de um puto do bairro a por-se em bicos de pés para tentar fazer parte do mundo. A maior constante da minha vida é a procura. Passo a minha vida a tactear, a tentar absorver o imenso que os que me rodeiam sabem para, a partir da sua sabedoria, tentar fazer uma roupagem com a qual eu possa tapar a minha nudez. Em vão. Sempre em vão. Quando me encontro comigo mesmo, quando passa o inebriamento dos dias e apenas me tenho na minha solidão profunda, tão indesejada quanto inevit
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Não é tudo bom, nas redes sociais. Não substitui o contacto pessoal, íntimo, olhos nos olhos, que nos ajuda a perceber quem é quem. Ninguém é amigo apenas porque partilha meia dúzia de superfícies no face ou nos blogues. Ninguém é amigo porque partilha umas coisas giras, normalmente escritas por outros, ou cómicas, repetidas e retransmitidas ad nauseam. Ninguém é amigo porque gosta do mesmo por do sol ou da mesma paisagem, ou do mesmo filme, ou da mesma música ou das mesmas pessoas... Ninguém é amigo apenas por causa disso. Mas também ninguém é amigo apenas porque se cruza por nós nos corredores ou nas ruas. Ninguém é amigo porque nos cumprimenta e nos diz "bom dia", ou "boa noite", ou "tudo bem?" seguindo o seu ritmo apressado sem esperar resposta. Ninguém é amigo apenas porque o vemos todos os dias e volta e meia até temos que enfrentar uma qualquer situação meio confrangedora e inventar conversas de chacha enquanto desejamos intimamente que apareça
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Durante muitos anos, o Paulo esteve sozinho nas minhas eucaristias. Quando rezamos por todos os que partiram eu lembrava-me, invariavelmente, do Paulo. Das nossas brincadeiras, do tanto que aprendi com ele, da imensidão do que tocamos e cantamos juntos, da sensação terrível quando soube que morrera e da necessidade absoluta que tive de estar junto dele e da família dele, que me é tão especial, naqueles derradeiros momentos. Pouco a pouco, no entanto, outras pessoas se foram juntando à memória do Paulo. O meu sogro e a Tia Micas - a quem recorro muitas vezes por causa da profunda sabedoria de ambos - de longe a longe outros tios meus de quem apenas me recordo nestas alturas, agora a Carmem. Ontem, durante a missa, apercebi-me que as minhas eucaristias estavam a ficar povoadas de pessoas que já morreram. Sem drama. Morreram, partiram, já não as tenho comigo, mas apenas a memória do que aprendi, do que vivi, por vezes do que sofri com elas. São parte do meu património pessoal, umas m