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A mostrar mensagens de setembro, 2015
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De vez em quando fazem-me perceber que ando alheado do mundo que me rodeia. Mergulhado no imenso trabalho que tenho sempre, particularmente no início de cada ano letivo, esqueço-me facilmente de tudo o que pulsa uns escassos centímetros acima do ecrã do computador. Nos últimos dias, já vou em três chamadas de atenção, vindas de pessoas e lugares muito diferentes entre si. A última foi ontem, quando ia buscar os miúdos do RAIZ à escola. Estava lá o João e eu disse-lhe que já não o via há muito tempo "Ainda agora estive lá, Setor, mas não me viu. Está sempre no computador e nem sequer joga bola connosco!" Acusei o toque, claro, e anotei mentalmente: meter as sapatilhas na mala do carro. E dar-lhes uso. Todas as tardes! Nos primeiros tempos do RAIZ bati-me fortemente para que percebessem que jogar às cartas, jogar à bola, sentar em volta de uma mesa a contar anedotas, são formas de educar tão ou mais válidas que metê-los numa sala a estudar matemática ou português. São esse
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Adão e Eva andam cá por dentro. A fazer estragos. Lembrei-me deles hoje de manhã, de repente, quando andava à procura de uma explicação para esta necessidade que por vezes tenho de me esconder. Não dos outros. Mas, justamente, dos meus. Dos que me conhecem, dos que se importam, dos que me importam, porque os outros, nestas coisas, não me dizem nada, nem eu sinto que tenha algo a dizer-lhes. Mas os meus, aqueles que eu considero meus, sejam amigos ou familiares, esses dizem-me tudo, ou, pelo menos, a eles eu quero dizer tudo, sinto que devo dizer tudo, e por vezes não gosto nada do que lhes teria a dizer, se dissesse, ou do que teria a partilha, se partilhasse. Adão e Eva esconderam-se de Deus, no paraíso, não porque tivessem medo do que Deus lhes pudesse dizer, não por medo do ralhete ou do imenso poder que Deus tem. Não foi do poder de Deus, que se esconderam. Foi do amor de Deus. Foi da vergonha que sentiram quando descobriram que não tinham sido capazes de corresponder à confia
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Não têm sido tempos nada fáceis! A vida teima em por-nos à prova. Em por-me à prova. Sento-me e faço aquilo que me é mais fácil fazer: escolho as palavras, jogo com elas, com a sua sonoridade, com o seu ritmo, atribuindo-lhes uma cadência própria, até trazer ao de cima o que tenho cá por dentro e que muitas vezes vou descobrindo à medida que vou escrevendo. Não me é difícil. Muitas vezes basta-me deixar-me levar, sem sequer me preocupar com o sentido, lendo apenas no fim, descobrindo apenas no fim, quando leio. Difícil é quando sou posto à prova. Quando consciencializo que tenho que transformar as palavras em atos, concretos, com pessoas concretas, que vivem situações concretas. Pessoas de quem não gosto particularmente - eu, que digo que gosto de pessoas! - e que precisam que eu seja menos como sou e mais parecido com o que escrevo. Pessoas que me trazem as parábolas à memória. Pessoas que me roubam as desculpas. Pessoas que me forçam a ver-me do outro lado do espelho. Sem arti

O Mundo já não é uma casa para todos

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“ O Senhor disse a Caim: «Onde está o teu irmão Abel?» Caim respondeu: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» O Senhor replicou: «Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra até mim.” Gen 4, 9-10 Volta e meia o mundo dá meia volta e encarrega-se de nos colocar em causa. Pensamos que temos a vida ao nosso dispor, como muito bem a entendemos. Escudados nas nossas certezas absolutas, confiantes na tecnologia que carregamos nos bolsos, entendemo-nos donos do nosso próprio destino, alegres possuidores da verdade, distintos conhecedores do bem e do mal, pequenos grandes deuses a quem tudo e todos se vergam à sua passagem. Espartilhados na nossa racionalidade, confortavelmente instalados no conforto que tão arduamente fomos conquistando, esquecemos que à nossa volta existe um outro mundo, pulsa uma outra realidade, que nada tem a ver com a nossa, com a qual apenas nos deparamos quando estamos demasiado preguiçosos para mudar de canal e não conseguimos v
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Tenho recebido várias queixas. Por não ter respondido às sms, aos facebooks, porque não ter escrito aqui, por desaparecer do mapa. Foi voluntário. Foi de propósito. E, a determinada altura, foi inevitável. Não consigo ainda lidar convenientemente com aquela foto do miúdo a dar à costa, com  a cara mergulhada na água. Comparado com aquela imagem, que não me sai da cabeça, tudo me parece vão, tudo me parece supérfluo, tudo me parece ofensivo. Na eucaristia que se seguiu à divulgação daquela foto eu só pensava que se fosse padre apresentava aquela foto no início da eucaristia e calava-me, não dizia absolutamente nada, porque deveríamos todos estar envergonhados por aquilo ser possível. Não sou ingénuo, eu sei que com aquela criança morrem muitas outras pessoas, antes e depois, e continuam a morrer no silêncio, na obscuridade, no mais profundo anonimato, sem contar para quem quer que seja. Mas nós também sabíamos de Timor, sabíamos o que lá acontecia, e ainda assim deixamo-nos comov
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Mochila feita, tudo devidamente acondicionado, com a peso a mais, como eu. Ainda não é amanhã que partimos. Mas já falta pouco. O Caminho já me sobressalta a noite, já o antecipo, já sinto na boca o sabor do cedo da madrugada, já vejo o amanhecer e com ele a descoberta dos lugares por onde passamos, passo a passo, mergulhados ora em nós próprios ora nos que mergulharam connosco. Tive que apresentar o caminho a dois novatos. Explicados os procedimentos básicos - o que levar, o que calçar, o que esperar - não consegui transmitir mais coisa nenhuma. O que há de tão especial no caminho? O que há de tão especial naquele "não consigo" que me acontece sempre no início e que se vai transformando em alegria partilhada, tão intensamente vivida por todos e cada um de nós? Não sei. Sei que cada vez mais me sinto melhor a caminho, sinto cada vez mais que estou a caminho. E nem sequer é apenas espiritualmente, é fisicamente mesmo, como se precisasse daquela sucessão de passo para ser