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A mostrar mensagens de abril, 2016
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Nos últimos dias tenho sido acometido pelo pecado da inveja. Tremenda inveja! Nas minhas habituais e matinais caminhas pela foz, eles passam constantemente por mim. Mochila às costas, roupa ligeira, olhos bem abertos, corpos curvados, rostos felizes. Apetece-me largar tudo e, logo ali, seguir-lhes  as pisadas. Sim, eu sei que irei fazer isso mesmo em Junho. E em Setembro. Sim, eu sei que ainda esta semana cheguei de algo parecido - mas que não tem nada a ver - e que as pernas ainda acusam essa caminhada. Sim, eu sei que já vai sendo tempo para ganhar algum juízo e deixar que o corpo imponha os seus limites. Sim, eu sei isso tudo, mas como em tudo aquilo que é verdadeiramente importante, o que sei não pode muito quando se debate com o que eu desejo. E o que eu desejo, nestes primeiros dias quentes, nestas primeiras manhãs verdadeiramente solheiras, é justamente pegar na minha mochila, enfiar lá para dentro meia dúzia de peças de roupa e partir. Em boa verdade, gostaria muito, imens
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Por mais que os bons livros, os bons filmes, a boa música, nos possam ensinar, há coisas que apenas adquirem sentido quando partilhadas. Desde que me conheço que, provavelmente fruto de uma infância com muitas alturas de convívio forçado comigo mesmo, devoro livros. Toda a espécie de livros. As BDs, por exemplo alicerçaram muito do que é o meu conhecimento de história europeia e americana. Creio até que esta minha identificação da velhice com a sabedoria não vem de qualquer filósofo ou psicólogo mas da importância que, nos livros de BD, os chefes índios tinham para as suas tribos. No meu imaginário (eternamente) infantil, sempre me quis ver um pouco como um chefe índio, com os seus cabelos brancos, o seu cachimbo e o silêncio atento de quem escuta aquele que conhece o solene peso das palavras. Aos livros seguiram-se os filmes e, consideravelmente mais tarde, a música. Que sempre fora tida por mim como algo de muito privado mas que, particularmente desde Taizé, se foi tornando ta
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Convivi com a Samaritana durante todo o ano. Conheci-lhe as voltas, debrucei-me sobre os seus pormenores, aprendi a linguagem que permanecia escondida, deliciei-me com a sua simplicidade, falei da sua atualidade. Ter que a transmitir quase todas as semanas fez com que a olhasse uma e outra vez e apreendesse o que sempre me permanecera velado. Ou pouco importante. Recentemente, foi sobre o "Eia! Vinde ver um homem que me disse tudo o que fiz!" Porque seria tão importante para ela que Ele soubesse tudo o que ela tinha feito? Conheço perfeitamente a resposta porque também eu, recentemente, o poderia anunciar àqueles de quem tão cuidadosamente me escondia. Poder ser visto tal como sou, sem máscaras ou fingimentos, e ainda assim sentir-me amado é um privilégio que raramente conheci. Muito provavelmente por culpa própria, por desespero ou insegurança, por não me reconhecer do outro lado do espelho, por desejar sempre ser outro alguém que não eu, por invejar ter a sabedoria
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Gosto quando me fazem sentir pequeno. Aliás, costuma ser nesses momentos que eu dou mais valor aos que me rodeiam... e me amam. Porque ser grande pode ser ilusoriamente bom, mas é sempre redutor. Ficamos confinados a nós próprios, aos nossos gostos e decisões, sem conseguir perceber a grandeza dos que nos rodeiam, que às tantas acreditamos ser nossa, e nos tornamos seres insuportáveis. Li muito recentemente um blogue de alguém que não conheço mas que escreve como gente grande. Ou pequena. Porque escrever assim é de quem vive maravilhado com a vida, de quem se sente grato por poder testemunhar o dom da vida. E o sentimento de gratidão, quando genuíno, é outra das condições necessárias para a felicidade. Isto está, aparentemente, tudo ao contrário, portanto. Todos os dias nos apelam à fundamentalidade de sermos bons e perfeitos e exemplares e motivo de admiração para tudo e todos, e todos os dias nos sentimos um pouco falseadores da nossa verdade porque nos conhecemos e nos sabe
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Sempre fui muito mau a viver aos pedaços. Esparramado, quero eu dizer: um bocado aqui, outro acolá, outro ainda mais ao fundo, provavelmente mais escondido, para que apenas alguns possam ver. Até poderá ser mais cómodo, mais resguardado, mas, pelo menos para mim, altamente problemático. Com facilidade confundiria o que deveria ser para quem e às tantas metia os pés pelas mãos. Eu sei como é. Já estive lá. Por isso há já algum tempo que decidi deixar-me dessas coisas e assumir de cara levantada e olhos bem abertos o que sou independentemente das circunstâncias. E o mais curioso é que fui descobrindo que, não raras vezes, o único que se preocupava com isso era justamente eu. E isso foi (ainda mais) libertador. Sempre tive, no entanto, alturas em que senti que me eram arrancados pedaços de mim. Escolhas que faço que implicam compromissos, que implicam rumos e atitudes e ações concretas que têm consequências concretas sobre pessoas concretas e me impedem de ser e fazer tudo o que dese
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Ontem tivemos mais uma oração do ComTigo. Cheguei a casa pouco faltava para a meia noite, depois de ter saído pouco depois das sete dessa manhã. Foi um dia cheio, com Dia de Reflexão, com tentativas de recuperar trabalho acumulado, com Encontro, com as pernas pesadas do cansaço e o coração cheio da alegria. Fecho os olhos e não consigo imaginar uma vida melhor que esta. A correria, o sufoco, a imensidão de coisas para pensar e preparar e fazer são largamente compensados quer pelos adultos extraordinários com quem aprendo sempre, quer pelos miúdos extraordinários com quem aprendo sempre. E depois há momentos, como o de ontem, que serão recordados porque todos aqueles que tiveram o privilégio de lá estar. Ontem, como na Via Sacra, lembrei-me de Francisco de Assis. Não tivesse eu aquela malta à minha espera e teria ido para casa, refastelar-me no sofá, a vegetar, e teria ido para a cama, provavelmente ainda mais cansado do que fui. É certo que hoje as pernas doem, que os olhos vão lu
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Por vezes, os meus sonhos assustam. Num outro tempo, que por vezes mais perece uma outra vida, era a mim que os meus sonhos mais assustavam. O espelho apenas me devolvia resignação, o que em tudo contrastava com o imenso que me faltava fazer, com a premente vontade de partir - para desejar voltar? - sobretudo com a omnipresente insaciedade que me impedia o sossego interior. Porque é sobretudo de interior que se trata. E isso por vezes chega a envergonhar-me. Como explicar que ainda sonho? Como tentar fazer perceber este desejo de partir? Como conciliar isso com quem requer a minha presença, total e absoluta, incondicional e ilimitada, ainda que seja por amor? Como justificar esta sede que nunca acaba, a quem vive saciado? Sinto que passei um longo período de redescoberta. Provavelmente, mais de aceitação até, mas que me conduziu a uma redescoberta. De mim. Aceitação que ainda sonho, para começar. E redescoberta da minha própria insaciedade. E vontade de não me resignar. Cresc
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Nos filmes, poucas coisas me comovem tanto como os obituários. Então se for de alguém que deu a vida, que se sacrificou, que se entregou para lá do seu limite, desfaço-me em lágrimas. Talvez influenciado pela minha companhia mais constante da infância - os meus preciosos livros de BD - acreditei sempre que era melhor morrer dignamente que viver a qualquer preço. Ansiava (anseio?) por um funeral como nos filmes, com amigos à minha volta, não a chorar porque tinha morrido, mas cheios de memórias boas de mim para partilharem entre si, por entre gargalhadas e boa música. Ontem assisti ao mais belo obituário que alguma vez ouvi. "Morreu aos 95, teve uma vida cheia, com muitos filhos, com muitos netos, com muitas pessoas que o amavam e que o recordarão para sempre". Pensei imediatamente nos meus filhos, no que eles dirão de mim nesse dia. Mais que qualquer outros, importa-me o que sentirão eles nesse dia. O que dirão de mim aos seus filhos, e aos seus netos. Claro que os ou
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Há já algum tempo que aqui não vinha. Até poderia argumentar que tinha sido por falta de tempo. É daquelas coisas que fica sempre bem na superficialidade, mas simplesmente não era verdade. Nunca o foi, aliás, que eu sempre encontrei o tempo necessário para o que me é fundamental. E essa é a melhor razão, a mais plausível, pelo menos: não me era fundamental vir aqui. Andei muito por outros lados, fundamentalmente a cuidar. Dos meus. Muito mais que de mim, andei a cuidar dos meus. Não costumo ser um cuidador. Pelo menos, não por muito tempo. Até posso ser atento, até posso ser preocupado, até consigo encaminhar para algum tipo de solução, mas essa solução, normalmente, implica que eu sai do processo de cuidar. Vou acompanhando, com maior ou menor distância, mas, normalmente, não sou eu quem cuida. Fui-o desta vez. Sou-o desta vez. Não é melhor nem pior, é diferente. Ter que ficar permanentemente atento, ter que me desinstalar, ter que ser proativo e sorrir sempre e ser caminho s