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A mostrar mensagens de junho, 2013

Mandela

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Tenho muita dificuldade em acreditar nos santos do altar. Não nas pessoas em si, cujo percursos de vida normalmente até desconheço, mas na nossa necessidade de as colocar em cima de um pedestal. Até porque as pessoas que conheci e que estavam mais próximas do que eu considero ser a santidade, não eram santinhas. De todo. Eram bem humanas, com problemas e dificuldades como todos nós temos, que cometiam erros como todos nós cometemos e que, como eu costumo dizer nas minhas catequeses meio em tom de brincadeira, faziam chichi e cocó como todos nós. Tinham era uma postura de vida, uma tenacidade e, sobretudo, uma sabedoria profunda - e algumas delas mal sabiam ler e escrever - que lhes permitia uma serenidade tal que acabaram por constituir para mim modelos de vida e de entrega aos outros. Ainda há pouco tempo dizia a uma amiga que não tenho ilusões no que diz respeito às pessoas. Acredito na sua humanidade, na sua capacidade de fazer o bem e o mal consoante as circunstâncias, mas acr
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Uma das constantes mais dolorosas de mim é o pânico que os outros, particularmente os que confiam mais em mim, descubram quem sou. Acabei de ser surpreendido. Facilmente olho para o meu reflexo estampado do outro lado do ecrã e, mais que não me reconhecer no tanto que fazem de mim, tenho muito medo do que acreditam que vêem em mim. Ainda na semana passada, durante uma formação recheada de notáveis, a primeira coisa que escrevi foi "que raio fazes tu aqui?". Creio que no mais íntimo de mim nunca passarei de um puto do bairro a por-se em bicos de pés para tentar fazer parte do mundo. A maior constante da minha vida é a procura. Passo a minha vida a tactear, a tentar absorver o imenso que os que me rodeiam sabem para, a partir da sua sabedoria, tentar fazer uma roupagem com a qual eu possa tapar a minha nudez. Em vão. Sempre em vão. Quando me encontro comigo mesmo, quando passa o inebriamento dos dias e apenas me tenho na minha solidão profunda, tão indesejada quanto inevit
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Não é tudo bom, nas redes sociais. Não substitui o contacto pessoal, íntimo, olhos nos olhos, que nos ajuda a perceber quem é quem. Ninguém é amigo apenas porque partilha meia dúzia de superfícies no face ou nos blogues. Ninguém é amigo porque partilha umas coisas giras, normalmente escritas por outros, ou cómicas, repetidas e retransmitidas ad nauseam. Ninguém é amigo porque gosta do mesmo por do sol ou da mesma paisagem, ou do mesmo filme, ou da mesma música ou das mesmas pessoas... Ninguém é amigo apenas por causa disso. Mas também ninguém é amigo apenas porque se cruza por nós nos corredores ou nas ruas. Ninguém é amigo porque nos cumprimenta e nos diz "bom dia", ou "boa noite", ou "tudo bem?" seguindo o seu ritmo apressado sem esperar resposta. Ninguém é amigo apenas porque o vemos todos os dias e volta e meia até temos que enfrentar uma qualquer situação meio confrangedora e inventar conversas de chacha enquanto desejamos intimamente que apareça
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Durante muitos anos, o Paulo esteve sozinho nas minhas eucaristias. Quando rezamos por todos os que partiram eu lembrava-me, invariavelmente, do Paulo. Das nossas brincadeiras, do tanto que aprendi com ele, da imensidão do que tocamos e cantamos juntos, da sensação terrível quando soube que morrera e da necessidade absoluta que tive de estar junto dele e da família dele, que me é tão especial, naqueles derradeiros momentos. Pouco a pouco, no entanto, outras pessoas se foram juntando à memória do Paulo. O meu sogro e a Tia Micas - a quem recorro muitas vezes por causa da profunda sabedoria de ambos - de longe a longe outros tios meus de quem apenas me recordo nestas alturas, agora a Carmem. Ontem, durante a missa, apercebi-me que as minhas eucaristias estavam a ficar povoadas de pessoas que já morreram. Sem drama. Morreram, partiram, já não as tenho comigo, mas apenas a memória do que aprendi, do que vivi, por vezes do que sofri com elas. São parte do meu património pessoal, umas m

olhadela

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Por vezes, num casamento, nada é tão importante como sair para almoçar fora e falar de coisa nenhuma. Quando não há tempo para grandes passeios, quando o dias se sobrepõem às noites, quando as noites são apenas intervalos dos dias, nada como um bom encontro dos olhares... e das mãos. Hoje fomos capazes de o fazer.

olhadela

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Recebi a revista e dei-lhe uma olhadela. Rápida, que o tempo não dá para mais. As suas páginas iniciais remetem para a capa, que me passou completamente despercebida. Voltei-a para mim, olhei, e tentei ver. Em vão. Esqueço-me frequentemente daquilo a que apelo aos outros perante as Escrituras - perguntem-se "o que me quer isto dizer?" deixem-se interpelar. Gostaria de me deixar interpelar todos os dias. Por vezes, no entanto, a vida corre tão depressa que não o consigo. E fico a perder
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Um dos claros sintomas da amizade que me une a alguém é a forma descontraída como falo. Quando não tenho necessidade de escolher as palavras, quando não me preocupo muito com o que sai, quando os disparates são naturais, quando sei que tenho crédito suficiente para me separar da mesma forma como me aproximei. Não são muitas as pessoas com quem me sinto assim, perfeitamente à vontade, sem medo nem medida. E uma conversa com alguém assim constitui um oásis de calmaria numa vida que tem alguns períodos conturbados. Ontem, como tem acontecido ultimamente, passei o meu dia a correr. Entre ensaios em vários locais diferentes, entre gravações e organizações várias, preparações de eucaristias, parecia um rato doméstico, naquela roda que gira, gira, e nunca sai do sítio. Os compromissos sobrepunham-se uns aos outros e eu, como de costume, a todos tentava acorrer (a correr). Por muito que queira, há alturas em que não consigo fazer as coisas de outra forma. Não consigo programar com muito t
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Por força das circunstâncias, temo-nos encontrado mais que o costume, ultimamente. E, descontando as circunstâncias, tem sido muito bom. Voltar aos amigos é sempre voltar a casa. É retomarmos conversas que foram interrompidas pela vida, que fez com que todos nós enveredássemos por caminhos distintos. Cumprimentámo-nos como se tivéssemos estado juntos desde sempre, sem ligar patavina ao facto de, em alguns casos, apenas nos vermos nas redes sociais ou quando nos cruzamos dentro dos carros. É o resultado de termos passado uma parte muito importante das nossas vidas juntos. A esmagadora maioria de nós apaixonou-se, casou e teve filhos enquanto andava no JUP. Durante cerca de 10 anos, os mais decisivos na construção de quem somos e de quem aspiramos a ser, foram passados juntos. Fins de semana, praia, férias, saídas à noite, aniversários, e depois casamentos, mais tarde baptizados e depois comunhões, agora casamentos dos filhos, tudo servia e serve de pretexto para nos reencontrarmos
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Ontem fui buscar a Isabel à Casa do Calvário, uma obra que pertence aos Gaiatos. Já conheço os Gaiatos há muito tempo, mas, curiosamente, não tinha recordação nenhuma daquela casa. Que é muito diferente da dos miúdos. Esta cuida dos meninos de rua, aquela de todos os que ninguém quer. Numa, prepara-se o futuro. Noutra, presente e futuro são um só. "Reciclamos pessoas" dizia ontem, com a sua voz frágil mas incrivelmente serena, o Padre Baptista. "Vamos buscar aqueles que ninguém quer, que foram recusados por todos, e tentamos dar-lhes uma vida." Fico sempre meio abananado com estas coisas. Em boa verdade, tento sempre fugir delas, passar-lhes ao lado, porque quando lá estou, quando me deparo com os seus olhares, pergunto-me sempre porque raio é que eu não estou lá, a ajudar no que for preciso. Durante a visita, alguém disse que aquele sítio nos fazia pequeninos. Faz mesmo! Quando me deparo com pessoas como o Padre Baptista, pessoas que fazem da sua vida entrega
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Acordou triste, o meu dia de hoje. Um dos nossos partiu. Mais um! E no entanto, é na vida que penso, com a notícia da sua morte. É nos momentos que passamos juntos, nas nossas brincadeiras, nas férias, nos retiros, nos encontros. Estou a vê-la, com a sua alegria do costume, com a sua irreverência do costume, que constituiu a sua imagem de marca, a subir para a mesa e a dançar, cantando e rindo ao mesmo temo, intercalando a estrondosa voz com as sonoras gargalhadas que a distinguiam de todos os outros. Esteve lá desde sempre, no JUP, no nosso JUP, que foi a nossa verdadeira escola de fé e de vida. Nunca foi consensual, nunca foi discreta, nunca foi submissa. Essas características vieram ainda mais ao de cima na forma pública como lidou com a doença, ora assumindo uma cabeça rapada com o mesmo à vontade com que continuava a viver desenfreadamente, ora reconhecendo a dor quando a dor era verdadeiramente insuportável. Era assim a Carmen. E só podia ser assim, porque era a Carmen. On
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Como é que eu falo de Deus? Que palavras uso? Que evidências uso? Que leituras proporciono a quem olha para mim como não quer a coisa? Acabei agora de ler um texto extraordinário do José Frazão Correia e que pode ser lido aqui:  http://www.snpcultura.org/amar_a_Deus_nos_lugares_ausencia.html  Um texto que eu jamais seria capaz de escrever, com uma profundidade que não é a minha, com uma sabedoria que não é a minha mas também, convenhamos, dirigido a um público que não é, com toda a certeza, o meu. Ainda ontem, numa daquelas conversas ao almoço que também alimentam a alma, partilhava com um bom amigo as minhas preocupações que, no fundo, culminam na questão de sempre: Como é que eu falo de Deus? Parte importante do meu tempo e do meu trabalho tem sido feito num daqueles lugares que parecem arredados de Deus. Quem lá se refugia está muito mais preocupado com questões de mera sobrevivência quotidiana, com o conseguir esgalhar a vida, como eles dizem, que com as coisas de Deus. Se
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Se, no que diz respeito à minha fé, não costumo ter grandes vacilações - a minha fé resulta da aceitação de um convite pessoal que me é feito todos os dias - isso já não acontece relativamente à minha Igreja, ou melhor, relativamente a algumas pessoas que, tal como eu, constituem aquilo que eu acredito que é a Igreja. Sou um ávido leitor de tudo o que diz respeito à Igreja. Livros, artigos, blogues, todos os dias me passam em frente aos olhos e eu vou acompanhando, uns mais e outros menos, consoante o tempo que consigo roubar ao meu tempo. Desde sempre que me imponho, no entanto, ler não apenas os que defendem o que eu próprio defendo mas a acompanhar aqueles que seriam os meus antagonistas. (Por isso é que eu, sendo portista de gema, sempre privilegiei a leitura do jornal A Bola: não preciso que me apontem as glórias do Porto, que essas eu sinto-as na pele, mas que me falem das suas fragilidades, que eu tenho mais dificuldade em ver.) Incomoda-me sempre, por isso, quando me sin