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A mostrar mensagens de março, 2014
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Uma das coisas que mais temo é de ficar cheio de mim. Porque sei que o tendo a fazer, porque já o fiz e dei-me muito mal com isso e, sobretudo, fiz muita gente importante na minha vida infeliz com isso. Mesmo aqui, no blogue, volta e meia deixo-me embalar por essa malfadada tentação e armo-me em peru, com o peito cheio de nada, escrevendo bacoradas atrás de bacoradas. Mas é também para isso que escrevo e é também por isso que mais alguém sabe que escrevo. Normalmente, quando alguém me elogia, envio-lhe o endereço do blogue. É uma defesa. É uma forma de lhe dizer para me ler e dessa forma me ir conhecendo um pouco melhor e baixar as suas expectativas. Eu próprio, quando me releio, acho incrível a forma por vezes leviana como registo o que vou sentindo, não por o deixar registado mas por o sentir, porque sequer o pensar. Quando me releio - e reler-me tem sempre o efeito de voltar a sentir o chão - consigo identificar os momentos em que estava eufórico, aqueles em que estava triste, e
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Quase todos os anos, no âmbito dos grupos de pastoral de que faço parte, surge a proposta de brincarmos aos pobrezinhos: por uns tempos, na quaresma, por exemplo, vamos passar algumas refeições sem comer para nos solidarizarmos com os que nada têm para comer. Oponho-me sempre, algumas vezes de uma forma veemente, porque entendo que é um insulto para quem nada tem. Talvez porque eu já testemunhei o que era isso, talvez porque eu já vi a aflição dos meus pais, talvez porque em algumas alturas da minha vida o que tive foi o necessário para matar a fome e nada mais, talvez porque hoje em dia contacto com pessoas que, efetivamente, nada têm para comer e não sabem onde o poderão ir buscar, tudo o que seja brincar às fomes parece-me um insulto. Nunca nenhum de nós saberá o que é ter efetivamente fome. Nunca nenhum de nós saberá o desespero de ver um filho esfomeado e nada ter para lhe dar. Nunca nenhum de nós saberá o que será, não saltar uma refeição sabendo que a poderá retomar quando o
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Gosto muito do meu amigo Mestre Tempo. Gosto do que ele me faz, dos cabelos a embranquecer e a começarem a rarear, o corpo a mudar, de olhar para o espelho e ver alguém mais parecido com o meu pai que com a ideia que eu tinha de mim. Gosto mais ainda da transformação interior que lhe está sujeita: vou ficando progressivamente   mais maduro, mais calmo, descobrindo a capacidade de dar o devido peso às coisas, relativizando mais, descortinando com maior facilidade o gozo de subir a montanha aproveitando cada paisagem. Mas gosto, sobretudo, do privilégio que apenas o Mestre Tempo me pode dar: a possibilidade de testemunhar o seu efeito naqueles que são parte de mim. Porque acredito muito que nós nunca somos apenas nós, mas também aqueles que connosco transportamos. E que não seríamos nunca os mesmos se, por artes mágicas, pudesse ser passada uma esponja na nossa memória e dela se apagassem as brincadeiras, o choro e o riso, a oração, o silêncio, a distância… Apesar de, nesta altur
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Há algo que intuo, de há muitos anos para cá, e que nunca consegui transmitir convenientemente aos meus filhos. Provavelmente porque é apenas isso, uma intuição, que apesar de me acompanhar há bastante tempo, vai sendo alternadamente confirmada e desmentida, todos os dias, e por isso também eu tenho dias em que acredito nela e outros em que sou o maior dos descrentes. Todas as pessoas que eu conheço têm coisas muito boas. A forma como as demonstram pode ser rara, podem passar completamente despercebidas durante meses a fio, por vezes até anos, mas de repente há um gesto, uma atitude, que me desarma completamente, que questiona todo o trabalho de etiquetagem laboriosamente construído por mim. E então olho para quem me surpreendeu dessa forma com um olhar totalmente novo, como se tivesse descoberto a pólvora debaixo de água. A minha dificuldade reside no facto de depois, quando tento transmitir o que testemunhei, quase ninguém acreditar. "sim, pois, não estava nele naquele moment
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Ontem tive encontro do Navegar. Ao longo da minha vida estive na génese de vários grupos de jovens. O Boa Nova, onde me iniciei nestas lides, depois o JUP, que foi a minha escola de fé e de vida e, mais tarde, já no papel de orientador mor, o Navegar e o RH+, aos quais se junta, agora, o ComTigo. Já este ano tivemos o encontro do JUP, ontem foi o do Navegar. Em ambos a mesma saudade, as mesmas recordações de outros tempos em que eramos mais novos, mais magros, mais livres, mais sonhadores. Em ambos, o mesmo desejo latente de recuar no tempo e de o imobilizar. O mesmo propósito de "vamos voltar a fazer isto", como se alguma vez fosse possível fazermos as coisas como as fazíamos antes, como se não tivesse passado já tanta água debaixo das pontes, como se não fossemos nós já outros, completamente outros, porque viver a vida muda-nos, como deve ser. E em ambos, como confessei ontem à noite em casa, o mesmo desconforto. Basta ter muita gente à minha volta para me sentir descon
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Há uns anos, ouvi um aluno a referir-se à sala pequenina do CR como a sala dos anormais. Nunca tinha pensado nisso e, embora os termos não devessem ter sido aqueles, ele não mentia. Aquela era, efetivamente, a sala dos que não são como os outros. Eu, a Maria e o Mi, na realidade, fugimos, cada um à sua maneira, do que é considerado a normalidade. No entanto, sempre achei que a normalidade é muito sobrevalorizada. Ainda esta semana tentava explicar isto ao meu filho mais novo, que está naquela idade em que quer parecer igualzinho aos amigos. Expliquei-lhe o conceito matemático da moda, que é a variável que mais vezes se repete, e disse-lhe que num mundo cada vez mais igual é muito importante que ele desenvolva a sua personalidade, e que isso é uma mais valia. E que a personalidade está ligada à forma como cada um descobre e aceita a sua própria forma de ser, sem se preocupar em demasia com aquilo que os outros pensam. Disse-lhe também, para seu espanto, que essa era uma das vantagen
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Vivemos sempre numa pequena comunidade familiar. Como vizinhos de porta tivemos os meus sogros e uma data de tios, uns com filhos outros sem. Durante anos, beneficiamos imenso dessa proximidade: os meus filhos nunca souberam o que era levantar cedo para ir para o infantário, sempre tiveram a comidinha caseira quando andavam na primária e sempre tiveram alguém à sua espera com um almocinho quente ou um lanche preparado cheio de mimo quando chegavam da escola. Nós, pelo nosso lado, também nunca soubemos o que era vir trabalhar deixando os filhos com febre num infantário, sempre tivemos quem cuidasse deles, quem os acompanhasse de perto, quem os mimasse como apenas quem tem muito tempo sabe mimar. Ganhamos todos: nós, pelo descanso e confiança, os nossos filhos, pelo cuidado e acompanhamento, os meus sogros e tios, porque tinham sobre quem se debruçar no entardecer da sua vida. Agora, de alguma forma, as situações inverteram-se: são já eles quem precisa de cuidado e de mimo, e somos n
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      Se me pedissem para me definir numa só palavra, a resposta era fácil: pai. Eu sou pai. Tirem-me isso e tiram-me tudo, absolutamente tudo, fico sem qualquer motivo para sequer respirar. Nada me dá mais gozo, nada me ocupa mais tempo, nada me ocupa mais de mim e em mim, nada é tão exigente, nada é tão bom e tão total como ser pai. Era o que mais temia, é o que mais e melhor me preenche. Conhecer a fundo os meus filhos, acompanhá-los, ficar atento aos pequenos e grandes sinais, ter as pequenas e grandes conversas, a sós ou gerais, ter o enorme privilégio de os ver crescer por dentro e por fora, batalhar por eles e com eles, todos os dias, ajudá-los a resolver os problemas com que se vão deparando, aprender a ser humilde e a levar na cabeça quando é preciso, reconhecendo-lhes capacidade para o fazer, tudo isto e muito mais, é motivo mais que suficiente para preencher uma vida. E um casamento. Nós vivemos em função dos nossos filhos, preparando-lhes o caminho, fornecendo
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Ontem, porque era domingo, festejamos antecipadamente o 93º aniversário da minha avó, que fará anos na próxima quarta feira. A vida ditou que nunca tivéssemos sido muito próximos. Como acontece muitas vezes nas famílias com dificuldades financeiras, a minha irmã foi para casa dela enquanto eu fiquei com os meus pais. Era uma forma de aligeirar as dificuldades, mas que teve, como não poderia deixar de acontecer, alguns custos. Há pouco tempo, no entanto, apercebi-me que não teria avó por muito mais tempo e dispus-me a visitá-la mais frequentemente, a ir lá a casa para estar com ela. E tem sido muito bom. Ela fica felicíssima quando chego lá e, como normalmente ficamos apenas os dois, conversamos aquilo que nunca conversáramos antes. E como ela sabe que estou ligado a estas coisas de Deus e da fé, ela fala muitas vezes da vida e da morte, que é o seu futuro mais próximo e mais real. As visitas à minha avó, as nossas conversas, o conhecimento que vou tendo dela, tem contribuído para
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Por vezes penso que, se há indústria que está em pleno desenvolvimento cá pelos meus lados, para a qual nunca há nem há de existir crise, é a geologia. Conheço pessoas para quem parece que o único objetivo de vida é descobrir falhas. Mais: algumas delas estão plenamente convencidas que proclamar as falhas alheias é um desígnio pessoal, uma tarefa de tal forma importante que o mundo acabaria se não fossem os seus sempre ajuizados e cheios de razão gritos de alerta. Vivem permanentemente atentas ao que não corre bem, interpretando cada oscilação menos perfeita como o pré-anúncio de uma hecatombe. No entanto, todos os geólogos deste tipo que conheço, são ainda mais implacáveis para si próprios que para os outros. São, por isso, pessoas frequentemente amarguradas, desconfiadas, pouco seguras de si, para quem a única certeza é que a catástrofe acabará, inevitavelmente, por acontecer. É como se escolhessem relevar apenas o lado escuro da vida, interpretando tudo o que a vida tem de bom c
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Por vezes, descubro-me ridículo. Este ano, como em todos os anos, prometi-me uma quaresma especial. Iria ter paciência, calma, atenção para com os outros, iria jejuar de mim mesmo, abster-me de mim para me voltar para os que acompanham o meu quotidiano. Ridícula, esta minha pretensão de me tronar especialmente digno aos olhos de Deus. Logo nos primeiros dias o meu compromisso foi posto à prova. E esquecido. As promessas cumprem-se na dificuldade, e, na dificuldade, voltei a ser eu mesmo, não me consegui sobrepor a mim próprio. Não sou ridículo quando pretendo ser mais. É o que o meu Deus me pede, que me ultrapasse, que vá para além dos limites que eu julgo serem os meus. Por isso é que Ele vai colocando pessoas muito especiais na minha vida, que confiam em mim, que me desafiam, que me levam a percorrer caminhos que nunca seriam os meus. No entanto, sou ridículo quando pretendo jogar com Deus, trocar promessas, catapultar-me para ficar mais bem visto aos olhos d'Ele, esquecendo-
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  Vivi uma parte importante da infância no centro do Porto. Por isso, os vizinhos e os estranhos são culpados até prova em contrário. Quando muito, cumprimentam-se quando nos cruzamos na rua, e pouco mais, para evitar confusões. A distância é boa, e eu gosto. Esta era a minha formatação. E continua a ser, instintivamente, embora atenuada pela vida vivida. No entanto, tudo isto muda mal estabeleço contacto com alguém. Que até pode ser fugaz, com uma simples conversa ou, nos casos especiais, com um simples cruzamento de olhares acompanhado de um sorriso. Aí, essa pessoa passa a ser inocente até prova em contrário. Uma vez ouvi o Ricardo Araújo Pereira dizer que conhecer as pessoas lhe dava prejuízo porque depois de estabelecer uma ligação não conseguia fazer delas o alvo das suas brincadeiras. É um pouco isso, o que se passa comigo. Depois de conhecer alguém não consigo ter cuidado, ficar de pé atrás, não dar o benefício da dúvida. Claro que volta e meia tenho amargos de boca, ten
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Nunca me considerei fora deste mundo. Tenho demasiada vida vivida, tenho demasiado passado e, sobretudo, tenho demasiado sonho de futuro para sequer ter a vontade de viver num mundo à parte. No entanto, tenho já alturas em que não me é muito fácil encaixar em algumas das coisas que esta malta nova faz. E que publicita, escancara, nas redes sociais. Há pouco tempo era a história de beber a cerveja de penalty, hoje vi uma outra coisa do género: dois estranhos a beijarem-se pela primeira vez enquanto esse momento é registado para o Facebook. Eu percebo que muita desta malta nova ande à deriva. Muita multidão, muito ruído, muita confusão, muita sofreguidão de viver. Neste ponto não são muito diferentes do que eu era na idade deles. Mas eles têm um problema: uma enorme desconfiança do futuro, que deriva de uma profunda descrença. Perderam a referência familiar - provavelmente os pais andam eles próprios ainda á procura de si mesmos - perderam o sentido da vida, não acreditam já nos aman
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Quando estava a pensar se me casaria ou não, estava aterrado com a possibilidade da monotonia. Impressionava-me muito saber que iria acordar todos os dias junto da mesma pessoa, ter as mesmas conversas, retomar as mesmas discussões e não sabia se era isso o que eu queria. Sabia, sim, é que a decisão seria definitiva, que nunca fui homem de biscates. Casar é tudo menos monótono. Não é fácil, não é um passeio no parque, tem muitas alturas com pouca luz, com poucas certezas, com rara clarividência. Discute-se muito, batalha-se muito, recomeça-se muito, e às tantas questionamo-nos o que tudo isto tem a ver com as relações softs e perfeitas das comédias românticas. Mas depois acordamos e adormecemos, dia após dia, noite após noite, e percebemos que a nossa história de vida é já uma vida plena de histórias. E que, sem o nós, a nossa vida seria incomensuravelmente mais pobre, mais vazia, mais cheia de coisa nenhuma. E não me refiro sequer aos nossos filhos mas a nós mesmos, enquanto duas
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"És pó..." No final da conferência, perguntou-me se a minha vida tinha sido sempre um mar de rosas. Apeteceu-me dizer-lhe que pancada é o meu nome do meio. Por vezes acho que a minha vida é quase só pancada. Quando penso que as coisas estão finalmente a encarreirar, vem a vida e encarrega-se de me colocar os pés no chão. "És pó..." Eu sei que sou pó, eu sei que me sinto muitas vezes fogo de vista, eu sei que quem torto nasce tarde ou nunca se endireita, eu sei isso tudo, mas por vezes apetece-me muito voltar as costas a tudo, pegar numa mochila, e arrancar, sem olhar para trás. "És pó..." Disse-lhe que não, que não era tudo um mar de rosas, mas que eu faço um esforço para dar importância apenas àquilo que é verdadeiramente importante. É uma questão de escolha. Como toda a minha vida. Creio que se tivesse caída numa fossa e estivesse mergulhado na merda até ao pescoço provavelmente arranjaria forma de pensar que a merda até faz bem à pele e manter-m
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«Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-Me. Pois quem quiser salvar a sua vida, tem de perdê-la; mas quem perder a vida por minha causa salvá-la-á. Na verdade, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se ou arruinar-se a si próprio?». Lc 9, 23-25 Nunca me foi fácil seguir Jesus. Pelo menos o Jesus em quem acredito, que é diferente daquela pessoa peace and love, bonzinho e soft, que por vezes nos é impingido. O Jesus no qual acredito é radical, absolutamente radical, na sua proposta de vida, na forma como viveu a sua própria proposta de vida, que era a do Pai. E por isso nunca me foi fácil seguir Jesus. Porque sei que não tenho desculpas, porque me sinto envergonhado sempre que volto a cara para o lado e escolho não ver. porque sei que não tenho o desapego suficiente para assumir essa radicalidade de viver exclusivamente para os outros. E, sem isso, sem essa radicalidade, tudo é grau, tudo é dimensão própria, fru