Pelo brilho do seu olhar sabia que vinha aí coisa boa. Não calculava é que seria tão boa. "Estou grávida!"

Eu adoro, a cada momento, ser pai. Ainda que nada tivesse feito, ainda que tudo o resto fosse puro desperdício, bastar-me-ia ser pai para sentir que tudo tinha valido a pena. Mas ser mãe, no entanto, é outra coisa! Não é ter apenas alguém dentro, é ter, efectivamente, uma vida dentro, albergar um milagre inteiro dentro, e sentir o bebé mexer e crescer e palpitar e passar de um lado para o outro uma e outra vez e dar a volta e depois sentir que se tem um papel fundamental, físico, efectivo, para que nasça e aí, só aí, entramos nós os pais, babados, sofridos, sôfregos, a tentar recuperar de nove longos meses de espera, de suposições, de olhar para ecografias e não perceber puto, de tentarmos imaginar como será e desejarmos imaginar como será e ficarmos felizes porque sentimos um pontapé quando nos encostamos à mãe, e ficarmos embevecidos quando dormimos com a mão naquela barrigaça e temos um vislumbre do milagre que é albergar uma vida quando sentimos - senti? ou foi imaginação minha à custa de tanto desejar sentir? - que o seu calcanhar está ali, ao alcance da nossa mão, e ficamos felizes, tão felizes como se fossemos efectivamente nós os grávidos. (As nossas mulheres condescendem ao ponto de nos deixarem dizer que também nós estamos grávidos. Por vezes somos mesmo ridículos!)

Ontem fui de autocarro para casa e comecei a ler, nessa viagem, a bula de Francisco. Ás tantas o meu olhar deteve-se "... sem o testemunho do perdão, resta apenas uma vida infecunda e estéril, como se se vivesse num deserto desolador." Quem me conhece sabe que tenho mixed feelings acerca do Papa Francisco. Tem gestos extremamente importantes mas depois tem muitas alturas em que vai longe de mais, em que é quase pimba, tal é a vulgaridade. E que, quando escreve, me faz ter muitas saudades do Papa Bento XVI. No entanto, ontem, aquela frase levou-me à revisitação do meu dia, a uma reinterpretação, a uma revalorização, como se, de repente, se tivesse feito luz. A seu pretexto percorri, pela segunda vez no mesmo dia, conversas e olhares e dores e lágrimas, e renovei esperanças e confianças na vida e no amor. A seu pretexto agradeci por quem tem a coragem de recomeçar, de construir sobre escombros, de prescindir da fase do sonho e da ilusão e ainda assim acreditar suficientemente na vida para conseguir dar lugar ao perdão, por amor, superando dores e cansaços, medos e desilusões, preparando-se para as duras batalhas que aí vêm. A seu pretexto agradeci essas pessoas, que são quem melhor me fala de Deus, de um Deus que permite recomeçar sempre, de um Deus que se entrega sempre, de um Deus que ama sempre, que prefere sempre o amor ao ressentimento, a alegria à amargura, a docilidade ao azedume, sem perder no entanto a lucidez de quem tem os pés assentes no chão.  A seu pretexto sorri, mais uma vez, ao recordar o que me fez ganhar o dia: "Estou grávida!".

E, naquele autocarro cheio de gente a caminho de casa, louvei a Deus!

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