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A mostrar mensagens de 2021
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Mesmo com o meu habitual otimismo, não há maneira de conseguir sentir que este foi um bom ano. Vi demasiadas vezes o desespero e a dor nos olhares daqueles para quem trabalho para que possa ter a veleidade de fazer as pinturas que faço sempre para dar novas cores à minha realidade. É que, desta vez, nem se trata da minha realidade mas da realidade que acontece fora do meu exacerbado umbigo. Talvez por isso, ao longo deste ano as coisas boas nunca foram inteiramente boas, foram sempre acompanhadas de um espectro que pairava, permanentemente, e que quase me fazia sentir envergonhado quando me alegrava com o que me faz alegrar, como se não tivesse sequer o direito de o fazer. Ao longo deste ano dificilmente me sentia bem sem sentir uma pontada de dúvida: será que não estou a ser egoísta? Creio que esta será a marca deste ano, um pouco como calculo que será a marca deixada pelos estados de guerra, quando as pessoas têm mesmo, por questões de sobrevivência, de fazer um esforço para se alhea
  Sim, eu sei.   Estamos todos à distância de um click ou de uma mensagem   mas não é a mesma coisa. Encontramo-nos e rezamos juntos, numa estranha eucaristia, no aconchego do lar de cada um, mas não é a mesma coisa.   Despedimo-nos, à distância, uns dos outros, desejando-nos o melhor, com os sorrisos possíveis mas não é a mesma coisa. Cearemos todos, hoje,  mais ou menos ao mesmo tempo, nas nossas mesas, mas não é a mesma coisa.   Faltou, este ano, mais uma vez, o estarmos efetivamente juntos na eucaristia,   o sabor do bacalhau com broa da nossa ceia os risos e as gargalhadas de quem se vê todos os dias em “farda de trabalho” as brincadeiras do SPEC as canções dos novos o abraço apertado, caloroso, antes de rumarmos às nossas casas.   Seria tão bom que tivesse acontecido!   Seria... não foi.   Pela segunda vez... não foi.   Quando todos contávamos já que fosse... não foi. Quando todos desejávamos já que fosse... não foi.   E ser Rosário, é também isto.     É também a saudade que nos
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  Não sou de humildades bacocas. Tento perceber quais as minhas capacidades, o que faço bem e o que faço menos bem, ou não consigo, de todo, fazer com um mínimo de qualidade e, quando me pedem alguma coisa, é justamente com base nesse conhecimento de mim próprio que aceito ou recuso as propostas e pedidos. Soa racional, mas não é apenas racional. Em mim, aliás, nada é puramente racional. Junte-se a isto uma enorme - saudável? - dose de loucura proveniente de um infantil entusiasmo pela possibilidade de ser e fazer com outros, e percebe-se porque tenho muitas vezes a sensação que estou perdido porque me meti numa alhada e dei um passo maior que as pernas. No entanto, é justamente esta saudável e inconsciente loucura que me leva a descobrir em mim capacidades que me desconhecia e a fazer coisas que me julgava impensáveis. E a dar com a cabeça na parede quando não o consigo. Mas não me ouvirão dizer sim quando o que pretendo dizer é não, ou a dizer não à espera que me peçam com mais força
  Sou crescidinho o suficiente para já saber como por vezes a vida me impõe o que, se eu controlasse tudo, jamais faria. Na verdade, à medida que vou avançando no tempo, vão sendo cada vez menos as imposições ligadas àquilo que eu entendo que sou e mais ligadas àquilo que eu faço. São escolhas, claro, mas que de uma forma geral não me alteram nem a personalidade que é a minha nem os valores que me orientam. Mas, mesmo isso, nem sempre é assim tão líquido. Eu cresci num meio social em que é maior motivo de vergonha pedir que roubar. Vou repetir: quando era muito miúdo, roubar era quase natural e pedir era sempre humilhante. Mesmo na eventualidade de se ser apanhado a roubar – o que não era muito frequente, pelo menos na altura – a justificação que era encontrada era, naquela envolvente, mais bem aceite pelos pares que a humilhação de ter que pedir. Afinal, só se roubava porque não se tinha o que a outros sobrava, pelo que seríamos uma espécie de Zé do Telhado em prov
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  Manhã de novembro. Alguma chuva, algum frio. Os suficientes para afastar aqueles que não gostam tanto assim de caminhar à beira mar. O suficiente para aqueles que, como eu, encontram aqui o começo quase que perfeito para cada dia. Encontro o dia em cada passada, lenta, que me mantém num clima interior propício o reflexão e à oração. Encontro-me em cada passada, lenta, num diálogo interior que me prepara para o dia que agora começa. Sou um privilegiado. Dou Graças. Pelo dia, pelos que tenho, pelos que encontro, pelos que não chego a conhecer. Peço pelos que me habitam, para que sintam, algures neste dia, esta serenidade, esta harmonia, esta completude. Peço por mim, para que saiba ser digno do privilégio de começar assim o meu dia, de viver assim a minha vida. Obrigado, Pai. Vamos a isso.
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  Iludo a distância que medeia o Porto e Cabo Verde com o WhatsApp. Uma das minhas filhas está lá a trabalhar, numa carreira internacional que a seduz, mas que agora lhe dá a conhecer um sabor que a desagrada. Há bem pouco tempo, depois de vir de Bruxelas, dizia-me que não se via a fazer o que eu e a mãe fazemos: a permanecer no mesmo local vários anos, com rotinas estabelecidas e vidas organizadas. Há momentos acabou por me dizer o contrário, que se calhar já não tem idade para andar a saltar e sente necessidade de alguma estabilidade. Mesmo descontando o facto de ter passado do centro da Europa civilizada para África - que conhecia, mas apenas como campo de missão - e do choque emocional que está a sentir num país onde tudo é diferente, eu entendo-a bem. Também eu estive em missão em África e, se intuía que não gostaria de África, vim com a certeza que detesto África. Curiosamente, não sei bem o que detesto, já que adorei as pessoas e a paisagem, das quais tenho imensas saudades. Mas
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Acho sempre curioso quando nós, os que dizemos que temos fé, agimos como se ela não existisse. Mais até que aqueles que dizem não a ter. Para qualquer pai ou mãe crente, a educação dos filhos é algo problemática. Enquanto são miúdos e têm que fazer o que nós lhes "pedimos", a coisa ainda vai. Mas eles não o fazem sempre. Nós, lá em casa, educamos os nossos filhos a desenvolverem a sua capacidade de escolha e de argumentação o suficiente para que eles, a determinada altura, pudessem escolher o seu caminho, que poderia ou não ser coincidente com o nosso. E não é. Claro que há aqueles princípios básicos civilizacionais - o respeito, a boa educação, a não discriminação... - que são inegociáveis. O que, pelo menos para nós, não é o caso da fé. A fé é um encontro, íntimo, profundo, autêntico, entre Deus e cada um. Ao considerarmos a fé desta maneira, não faz sentido a imposição da fé aos nossos filhos. Na verdade, todos eles fizeram o percurso catequético e sacramental de um católi
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  Como se mede, hoje a distância? Quão longe é, hoje, o longe?   I Há já algum tempo que vários dos meus filhos vivem e moram longe de casa. Daquela que era a sua casa. De entre eles, alguns ainda vivem no país e outros – uma das raparigas – não vive sequer no mesmo continente. Entre nós, falamos quase todos os dias, certamente todas as semanas, e acompanhamos os seus estados de espírito com uma frequência que, provavelmente, não acontecia quando eles estavam à mão de semear. Não admira: todos temos esta coisa de quase desprezo pelo corriqueiro que sabemos que amanhã se repete com facilidade. Na nossa relação familiar à distância, as redes sociais são uma verdadeira bênção: conhecemos as suas casas como se já lá tivéssemos estado, temos conversas em família com todos ao mesmo tempo, combinamos prendas, por vezes cozinhamos juntos, e até a árvore do último Natal foi montada a partir de bitaites enviados pelo WhatsApp. Excetuando aquelas alturas em que sentimos que eles estão com dificul
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  Recebi uma mensagem do meu filho: "isto é um escândalo!" É, filho, é mesmo um escândalo. "É vergonhoso!", respondi. Que haveria eu de dizer? Educamos os nossos filhos na Fé e na Igreja, onde fizeram o percurso catequético inteiro, foram dirigentes do grupo de jovens e estão envolvidos em vários grupos cristãos. Apesar de nem todos, agora adultos, terem prática eucarística dominical, vivem todos com Deus dentro, o que significa que as suas escolhas de vida, mais importantes ou menos importantes, têm sempre como pano de fundo a fé em Jesus Cristo, o seu inspirador nas atitudes e valores com que pautam as suas profissões e as suas vidas.  Desde sempre que temos longas conversas sobre a fé e a pertença à Igreja - que é difícil para eles - sem assuntos ou temas tabus, sem autores ou ideias proscritas, sendo tudo e todos passíveis de discussão. Discutimos, por isso, inúmeras vezes a posição da Igreja face aos temas fraturantes, cuja importância a Igreja despreza esquece
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A minha memória tem coisas giras. Hoje, na minha (abençoada) caminhada matinal deparei-me com o diálogo destes dois bancos de jardim. Imediatamente, a minha memória recuou vários anos, a Quelimane, onde aprendi uma das grandes lições da minha vida: a importância do tempo para estar. Lá, sempre que eu visitava a casa de alguém, a primeira coisa que faziam era colocar duas cadeiras à sombra de uma árvore. Mesmo que eu dissesse que não valia a pena o trabalho, que seriam apenas uns breves momentos de conversa, insistiam, e eu lá me sentava adaptando, com dificuldade, o meu ritmo europeu ao africano. Mais tarde, o Padre Jorge explicou-me: era uma maneira de me dizerem que aquele tempo me era dedicado, sem pressas ou desvios de atenção, que eu era suficientemente importante para justificar esse trabalho e esse tempo. Claro está que vim de Quelimane com a pretensão de fazer o mesmo. Em vão. Mas ficou a lição. E é mais uma daquelas coisas que me fazem sentir alguma culpa e eu remeti para as c
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Convidaram-me para falar de como é esta coisa de viver com fé dentro às turmas do 11º ano. E eu, que padeço desta incontinência verbal que me impede de dizer não a um bom desafio, tolamente, disse sim. E desde aí ando com este assunto na cabeça. É que falar do viver na fé é a mesma coisa do falar do respirar. Eu sei que respiro mas, exceptuando nos momentos em que o exercício aperta, não ando a pensar na maneira como respiro, se o ar entra pelo nariz passa pelos pulmões e é expelido pela boca. Não estou nem aí: respiro e já está. E, pelo menos nesta altura do meu campeonato - não significa que tenha sido sempre assim ou que o seja para sempre - viver com fé dentro é-me tão natural quanto respirar. Quer isto dizer que todos os meus atos, todos os meus pensamentos, todas as minhas pequenas decisões quotidianas são refletidas e ponderadas e contextualizadas pela fé e decididas de acordo com a minha fé? Claro que não. No entanto, espero, desejo, anseio, que subjacente a elas esteja a fé e
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  A cada morte, a cada notícia de morte, a cada confronto com a morte dos outros, inevitavelmente penso na vida. Hoje vínhamos a conversar justamente sobre esse confronto, sobre o como e sobre o que vale ou não a pena viver. O Padre Almiro dizia sempre que mais vela uma vida gasta que uma vida enferrujada. Sim, mas... e a dor? Vale a pena viver a dor? Em nome de quê? E o sacrifício? Vale a pena o sacrifício? Em nome de quê? Até que ponto? A minha experiência vai-me dizendo que tudo isso pode valer a pena. Se formos felizes. Verdadeiramente felizes. Não permanentemente alegres, que isso, para além de ser idiota, é impossível. Mas intimamente felizes, como apenas quem vive em sintonia consigo e com aquilo a que se sente chamado a ser é. Naturalmente, uma sintonia assim só se atinge depois de muita escuta e de muita cabeçada na parede. Depois de começar e recomeçar imensas vezes, tantas aquelas em que se duvidou se aquele era, de facto, o nosso caminho. Porque a felicidade não pressupõe a
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Nesta fase do meu campeonato tenho uma preocupação especial em não ser anti-coisa nenhuma. Já aprendi - quase sempre como se aprende verdadeiramente, à custa de cabeçada na parede - que todas as pessoas têm a sua própria visão da realidade, que decorre de múltiplos fatores internos e externos a si. De uns, poderão ser até diretamente responsáveis, mas de outros não, a não ser na escolha do que cada um considera, ou não, importante assimilar. No entanto, independentemente disso, todos têm direito a ter a sua própria opinião e a manifestá-la, desde que seja coerente com a sua própria mundivisão e, claro, desde que conceda aos outros o mesmo respeito e liberdade pela sua própria opinião e idêntico lugar a que a manifeste. Soa bonito, não é? É, sim senhor. Eu gosto. Mas há alturas em que é extraordinariamente difícil de concretizar. Nos últimos quinze dias, por exemplo, eu teria que ter uma força sobre-humana para conseguir respeitar o anti dos antis, sejam eles juízes ou velhotas a vocife
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Quem me conhece um pouco mais que apenas circunstancialmente sabe como me são caros os recomeços. Por um lado, sempre foram por mim tidos como oportunidades, como refazeres ou, mais importante ainda, como reseres , deitando fora tudo o que em mim se vai acumulando de detestável e desprezível, permitindo-me - ilusoriamente, claro - sentir-me um outro que não eu. Nesta perspetiva, o recomeço é prenho de desejo de ressurreição, de Pessach, pleno de juras de melhoria e de projetos sonhados que me permitam, finalmente, transformar no Homem Novo que sempre anseio ser. À medida que a vida foi acontecendo fui percebendo que a esta minha Páscoa se sucedia, invariavelmente, não a vida nova da ressurreição, mas a condenação ao deserto dos velhos hábitos. Que afinal eram vãs as minhas promessas e que eu continuava a ser eu, apenas com mais algum tempo em cima. E, ao ritmo de sempre, marcava nova data no calendário, esta sim, agora é que vai ser definitiva, verdadeiramente transformadora de mim, co
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Uma das minhas necessidades básicas é o silêncio. Quando era muito miúdo, porque passava enormes quantidades de tempo sozinho, o silêncio era o meu habitat natural. Mais tarde, na adolescência, descoberto o valor dos outros na minha vida, o silêncio continuava a ser companhia quotidiana, sobretudo nas longuíssimas caminhadas casa-escola. No bairro só passava uma camioneta no início e final do dia e a escola ficava a três quilómetros de distância, e eu fazia esse percurso todos os dias, quase sempre sozinho. Quando comecei a trabalhar a sério, o gabinete ficava próximo da escola e como eu ia almoçar a casa, fazia doze quilómetros por dia a pé, quase sempre sozinho. E, mais tarde, quando conheci a Isabel e me foi permitido ir a casa dela, depois do jantar ainda ia e vinha a pé, mais dois quilómetros para cada lado, quase sempre sozinho. Não admira, por isso, que seja tão importante para mim caminhar, e tão natural ficar absorto nos meus pensamentos enquanto caminho. O que eu gostava era
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  Há imensa irracionalidade nestes temos que vivemos. Venho à net e, no mesmo minuto, deparo-me com o sol e a escuridão total e absoluta. Por um lado, as imensas fotos de praias e férias e alegria e dolce fare niente; e no separador à direita relatos de uma dor e crueldade incomensuráveis, inimagináveis para quem nunca soube o que é viver em estado de guerra. Num minuto, preocupo-me com as coisas comezinhas, insignificantes, risíveis, do meu quotidiano - para mais em férias - e, nesse mesmo minuto, desvio os sentidos do terror que entra por mim dentro através das redes sociais e dos canais de comunicação. Entre um lugar e outro habito eu. Habitamos nós. Nas nossas conversas no jantar de ontem alterávamos de tema e de expressão facial consoante o tema e de estado de espírito dependendo do que discutíamos. Ao riso solto e franco sucedia a apreensão dura e calada. E falamos disso. Como é possível vivermos assim?  Como é possível? É possível. Tem que ser possível. Este não é, aliás, um exc
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The Long Road by Passenger https://www.youtube.com/watch?v=Pne7xGPaokA You've walked the long road and you've worn it well You stitched yourself up when you fell Keep your memories in jars Carry secrets in scars Beneath your shell You've seen some good days, and some bad ones too You weave through fashion and trend You've seen a sun rise on an ocean blue You've seen it set for the dearest of friends You found faith but you, chose to doubt it You found love but you, left without it And now you don't want, to talk about it You travelled down through foreign lands Touched mountain tops and golden sand Seen pyramids and temples made of stone Keep seashells in a cashmere scarf A treasured book of photographs  In every single one you stand alone You've seen Vienna and the Berlin wall As you watched the decades fall The letters that you wrote never made it home Your birthdays flew past like June With Christmas days in hotel rooms And new years eve with people you d
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"Estás mudado. Antes não pensavas assim, tão livremente. Nem concedias essa liberdade de pensamento aos outros." Não foi bem com estas palavras mas, atendendo ao contexto da discussão - as diferentes formas de viver a fé - era esta a intenção. Noutros tempos tivéramos auditivos e desbragados debates durante os quais eu era, invariavelmente, acusado de ter palas nos olhos e de não saber ver as coisas como as coisas são. Eu sentia-me ofendido com tamanha acusação, tão injusta e tão cega... e, pelo menos por vezes, tão verdadeira. A verdade é que fui aprendendo. Vou aprendendo. Muito por causa dos meus filhos, de ter que aprender com as suas - mais que legítimas, incentivadas - escolhas. O problema dos ideais é que facilmente me esqueço que eles habitam o mundo das ideias. São metas, são objetivos, são horizontes, mas raramente são o chão que tenho sob os meus pés. Esse é sempre mais duro, mais cinzento, menos claro, com nuances que me provocam mais dúvidas que certezas. Normalm
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Normalmente, trabalho o evangelho de domingo durante a semana. Leio-o, vou-o rezando com a vida e depois, ao sábado, sinto-me apto para preparar os cânticos para a eucaristia. E às vezes, ao domingo, enquanto escuto a homilia, percebo que a minha percepção foi completamente ao lado. Assim aconteceu este fim de semana: eu apenas via o Bom Pastor e ambas as homilias das eucaristias em que participei abordaram a importância do descanso.  Dificilmente chegaria lá, nesta altura. Porque não é, ainda, altura do descanso e tudo em mim aponta em sentido contrário. Tenho diante de mim a perspetiva de duas semanas absolutamente cheias de trabalho, de actividades fora da caixa, que me envolvem o dia inteiro durante vários dias. Não chegam na melhor altura, depois de um ano que ficará para os anais da história como intenso e extenuante, mas serão como que a cereja em cima do bolo, permitindo, no seu final, que viva o que não consegui viver durante todo o ano letivo: a oração, o serviço e a entrega,
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  “As alegrias quotidianas permanentes são, para mim, tão importantes como os dias de júbilo, que passam fugazes.” Aquilo em que creio, Hans Kung   Final do dia, o habitual trânsito – devagar, devagarinho e parado – da VCI, o som suave do   Kind of Blue a separar o ambiente de dentro e fora do carro como se do Mar Vermelho se tratasse. À cadência dos minutos passados – tão lenta quanto o movimento dos carros que me envolvem -   sinto que o cansaço do dia intenso vai dando lugar à tranquilidade, serenando a cabeça, depois o corpo e, finalmente, sossegando a alma. Este é, a par com muitos outros ao longo de cada dia, um momento de puro prazer, de pura felicidade. Há não muito tempo desesperava, mais ou menos àquela hora, mais ou menos naquele lugar, mais ou menos com aquele trânsito. Ansiava por chegar ao destino, por chegar a casa, para poder, enfim, descansar de um dia igualmente extenuante. E aquela quotidiana viagem era terra de ninguém – que sempre foi, par
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  A maneira como sou reconhecido é, desde sempre, um dos focos da minha atenção. Tempos houve em que o era excessivamente, em que me preocupava de uma maneira quase obsessiva com o que os outros ficariam a pensar de mim, e isso acabava por me limitar e me levar a fazer asneira: para que ficassem apenas boas memórias, por vezes não fui carne nem peixe, ou fui ambos, o que é ainda pior. E ainda hoje recordo com frequência últimas palavras, ou últimas atitudes, ou últimas decisões que, se tomadas hoje, seriam diferentes e penso que, perante a eventual notícia da minha morte, gostaria de ir ter com algumas dessas pessoas e desfazer o que foi feito ou dito, ou deixado por fazer ou dizer. A verdade é que é importante para mim ser bem recordado. Com um sorriso, se possível.  À medida que a idade avança vou percebendo que isso não será, de todo, possível. Não com toda a gente, não com todas as situações, não com todas as circunstâncias. Ainda ontem, curiosamente, tive necessidade de falar gros
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  De todas as minhas facetas, aquela que me causa maior perplexidade e profundo incómodo é esta contradição que me habita. E que habito. Perplexidade porque tinha toda a esperança que, depois de uma vida atento às possibilidades de aprendizagem que todos os dias me trazem, chegasse por volta desta altura com maiores certezas. Bebo de todo o lado, não deito nada fora à partida, são escassas as certezas que tenho na minha vida, e, na minha imaginação, isso deveria funcionar como uma peneira, onde apenas o que é importante e certo e definitivo ficasse retido. Tolo!  Desde 19 de fevereiro que começo os meus dias, ainda antes de a manhã e eu próprio acordarmos, na elíptica - paralítica, é o nome que se lhe dá cá em casa. Apesar da música alta, batida e convenientemente ritmada, me ecoar nos ouvidos, começo invariavelmente de olhos fechados, meio a dormir, deixando que corpo e pensamento despertem com os seus ritmos próprios, à vez. E deixo-me fluir. Hoje, ao fim de todo este tempo, percebi
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 55 anos! Quando era pequenito, as pessoas com 55 anos eram velhotas. E sábias. E resolvidas. Ou então eram tidos por mim como adultos esquisitos que tinham a mania que eram novos, o que era horrível. Pior, muito pior, que uma pessoa de 55 a queixar-se como se tivesse 65 é estar convencido que tem 35. Isso é ainda mais idiota que quando tinha 15. Eu fiz 55.  Ainda hoje, numa deliciosa e peripatética conversa, disse que estou mais perto dos 60 que dos 50, e isso deixa. naturalmente, lastro. Começo a ver e a sentir de maneira diferente, a desejar outro tipo de coisas, a programar outro tipo de futuro, onde a serenidade seja a palavra de ordem. A correr bem, terei mais 10 ou 12 anos de vida profissional ativa, cuja saída convém, por mim e por aqueles a quem sirvo, ir preparando. Tranquilamente, com tempo, calma e a sabedoria possível.  Ainda ontem, numa deliciosa viagem de regresso de uma longa reunião de trabalho, falávamos disso, de ciclos, de preparação, de renovação, de dar lugar a qu