Há alturas em que me sinto mesmo deslocado como católico.

Sigo muitos blogues religiosos, católicos e protestantes, de outras confissões religiosas, de ateus... Tento sempre fazer com as leituras o que tento fazer com as pessoas: dou mais atenção ao que é escrito que à sua proveniência. É mais importante para mim o que é dito e feito que de quem vem o que é dito e feito. E tento sempre ver como se fosse novo, tentando evitar catalogar à partida. Muitas vezes não passa de um processo de intenções, muitas vezes o que faço fica muito aquém do que quero fazer e tendo a condenar ou apreciar à partida consoante a origem. Mas esforço-me sempre para que isso não aconteça, e às vezes sou bem sucedido.

Tenho sempre alguma dificuldade em perceber quem, de entre nós, prefere a letra à vida. Eu sei bem que a teologia é fundamental, sei bem que precisamos ter bons alicerces sob pena de andarmos como penas ao sabor do vento, sei bem que, particularmente num mundo em que as coisas nos são apresentadas com roupagens que não correspondem à realidade, tem que haver pessoas que, com muito esforço e dedicação, nos vão chamando à atenção, profetas dos nossos tempos, para que possamos saber sempre que chão pisamos. E sinto-me genuinamente grato por esse esforço, por esse cuidado, por essa assumpção de missão. No entanto, a linha que separa a obstinação dessa verdade alicerçada no papel é muito ténue, e eu vejo-me algumas vezes - sempre com desconforto! - do outro lado da barricada.

Sempre que me sinto desconfortável com a minha religião tenho um remédio simples. Pego numa das minhas meninas, procuro o sossego da capela, e canto e rezo e encontro-me. Recordo-me o que prometi quando, era ainda muito miúdo, comecei a tocar: que isto seja um meio de Te servir. Terá sido, provavelmente, o único compromisso consciente que fiz na altura, e regresso muitas vezes a ele. Digo muitas vezes que, quando as coisas se complicam cá por dentro, tento regressar às coisas simples, a ver quase como uma criança, para quem a única coisa que importa é o fundamental. Na minha fé nada há de mais simples que isto: pegar numa das minhas meninas e cantar e rezar e tornar-me com outros, e abandonar-me com outros e nos outros e, juntos, deixarmos que Deus nos mexa por dentro.

Não acho nada que isto seja mais importante que a teologia, não acho nada que esta seja a forma certa de se estar na fé, não acho nada que abandonar-nos à fé seja mais importante que pensar a fé. Todos temos um papel a desempenhar na Igreja, todos temos dons que importa colocarmos ao serviço da Igreja, todos temos o nosso lugar da Igreja. Em determinadas alturas preciso muito da sabedoria de quem pensa a fé. Noutras, porém, preciso mais de a sentir, de a partilhar por dentro. É este lugar à diversidade que torna a Igreja tão minha. Apesar do desconforto. Que é sempre ocasional.

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