Apesar de tudo aquilo com que me deparo todos os dias, estranho bastante o mal. Não o mal por acidente, o que acontece inadvertidamente, sem querer, que é consequência de um qualquer deslize ou atitude menos refletida. Esse tem remendo, mais ou menos fácil, em função da verticalidade de quem o comete. Mas existe aquele mal, pensado, programado, intencional, profundamente desumano e desligado da vida, porque nem sequer animalesco é, mas a negação da própria vida. Sua ou dos outros. E esse mal existe. É-me muitas vezes inimaginável. Mas por vezes encontro-o. Olhos nos olhos. E desarma-me.

Eu estou longe de viver numa bolha ou num conto de fadas. Como acontece com qualquer pessoa minimamente vivida, eu conheço a dor, provocada e sentida, a desilusão, profunda ou passageira, a falsidade (com a qual tenho tremenda dificuldade em lidar), que deixa sempre marcas profundas, e tantas outras formas engenhosas de fazer mal. Sei como o mal habita as margens, quer de cada um de nós, quer da sociedade, de forma mais ou menos insidiosa, mais ou menos declarada, mais ou menos permitida ou resultante das circunstâncias que a todos nós condicionam.

Sei disso tudo, mas raramente me deparo com uma pessoa má. Porque a verdade é que nós fazemos coisas más mas dificilmente somos intrinsecamente maus. Mesmo se fazemos essas coisas más com relativa frequência. Numa das margens do meu trabalho conheço muita gente assim, que não conhece limites, que não tem noção clara do bom e do mau, que é muito mais impulsiva que racional, mas que, quando confrontado com o mal que fez, pede desculpa - porque sente culpa - ainda que passado um par de dias esteja a fazer a mesma coisa com a mesma impulsividade. Normalmente o trabalho a ser feito com pessoas assim é ensinar como podem ser racionais, como podem ponderar os seus atos e as suas palavras antes de, com eles, agredir os outros. E normalmente - com muito tempo e muita paciência e muita oportunidade para recomeçar - conseguem-se bons resultados. Na outra margem, curiosamente, é tudo mais requintado, mais frio e calculista. E mais difícil de contrariar.

Mas pessoas más, mesmo más, que pensam, prepararam, maquinam o mal que fazem antecipando a dor provocada, desejando-a, essas são raras de encontrar. Mas não me são totalmente estranhas, também. E, quando as encontro, abalam-me. As certezas, as convicções, as reações. E isso não é bom. Porque me colocam mais perto de responder na mesma moeda.

Comentários

Mensagens populares deste blogue