Caminho cedo, à beira mar, nesta maravilhosa manhã. Hoje, sozinho, entretido com os meus botões, apenas ocasionalmente interrompido pelos sorrisos trocados com aqueles com quem me cruzo todas as manhãs. Princípio da semana em que farei 56, altura, em termos profissionais e pessoais, de balanços, de avaliar rumos e pertenças, de pesos e medidas. A contragosto, que já cheguei ao tempo de não me contrariar, nestes e noutros aspetos de prós e contras, limitando-me a perceber e a tentar abraçar o que vou sendo. E é justamente esse o gerúndio que habito: vou sendo.

No fim de semana aconteceu a festa das famílias, e dos alunos, e daqueles com quem trabalho. Inevitavelmente, mal coloquei o pé dentro, instalou-se o desconforto. Num acontecimento que é concebido para que nos reconheçamos mutuamente no imenso que nos une, procuro o impossível, refugiando-me num canto, olhando, cumprimentando aqui e ali, quando não o consigo evitar, sorrindo genuína mas atabalhoadamente, com o mesmo à vontade com que um elefante está numa loja de porcelana. Gosto imenso, admiro imenso, tanta gente que me rodeia, e no entanto, anseio por sair e me remeter ao sossego.

Não sei por que acontece. Sei que é assim. Que sou assim.

Por vezes acho que o contacto de todos os dias com pessoas de um lado e do outro desta invisível mas real barricada com a qual sou quotidianamente confrontado me torna habitante das margens. Outras vezes - hoje, por exemplo - sinto que nem as margens habito verdadeiramente, mas apenas a terra de ninguém. Mesmo quando sou efusivo, quando pego na guitarra e ponho a canta e a dançar - adoro pôr as pessoas a cantar e a dançar! - ou quando sinto que estou a conseguir comunicar com a plateia que tenho diante de mim - seja uma turma, um grupo de adultos em Taizé ou a assembleia da eucaristia das 11 - preciso do momento seguinte, daquele em que paro, em que me reconheço nos meus pensamentos, na minha naturalidade, no berço de quem sou. Como se me estranhasse naquela sensação que mesmo eu, de mim para mim, mais que as minhas margens, habito a minhas próprias terra de ninguém. 

Curiosamente, sinto-me feliz nestas terras. Na verdade, é como se a vida se tivesse encarregado de se ajustar a mim fazendo-me ajustar a ela. Na verdade, não sei se serei causa ou consequência, ou ambas, num caminho que - lá está o meu amigo gerúndio - que se vai fazendo, que vai acontecendo, no qual vou descobrindo e tentando ser. Na verdade, é que todas as manhãs dou Graças pelo imenso que me habita. E pelos tantos que me habitam. E - esses sim - que me fazem ser.

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