Começa-se a respirar um outro ar, neste nosso pequeno burgo que é o nosso local de trabalho. 
 
Há menos de um mês, chegava à sala dos professores, dizia bom dia e, no máximo, obtinha como resposta um ou dois grunhidos mais ou menos percetíveis. Eu, que não sou professor - e que nessas alturas vivo numa outra cadência - olhava e via tudo pressionado pelo tempo, pelos resultados, pelos projetos, pelas agendas. Ninguém falava com ninguém de outra coisa que não fosse correções e provas e notas e reuniões e pautas e escalas. Chegavam todos demasiado cedo e saiam todos demasiado tarde e, invariavelmente, era quase visível a olho nu o peso do sentimento de culpa de não terem tempo para aqueles que amam, porque sofriam na pele o paradoxo da sensação do abandono daqueles que amam em nome do seu cuidado. Não admira, por isso, a enormidade de caras fechas, algo zangadas até, com que me deparava todos os dias. 
 
E nós não somos assim. Não somos mesmo assim. 
 
Nestes últimos dias, passado o frenesim dos exames e das notas e das pautas e das reuniões já oiço rir na sala dos professores. Ainda se trabalha, claro, mas a pressão é já outra. Aqui e ali ouvem-se brincadeiras, combinam-se almoços, acertam-se saídas, e escuta-se até alguns ohhhs quando alguém, finalmente recuperado do sentimento de culpa,  mostra as fotos dos filhos, dos pais ou dos netos. Agora já respiramos vida, já sentimos vida, já somos vida. De novo. E isso é tão bom! Eu próprio já me fui sentando com um e com outro e conversando, por vezes durante escasso tempo, noutras vezes esquecendo o tempo, e fomos partilhando vivências e dificuldades e projetos para o próximo ano, porque na verdade temos imensa dificuldade em desligar e a nossa cabeça fervilha sempre de novos projetos e novos sonhos que se transformem em novos desafios e nos transformem com eles. E isso é tão bom!

Nenhum de nós é parafuso. Ou prego. Ou uma qualquer outra peça de um qualquer mecanismo que fique satisfeito apenas porque a máquina funciona bem e produz bons resultados. Nenhum de nós consegue ser máquina durante muito tempo. Por vezes permitimo-nos sê-lo, por pouco tempo, desligando-nos da imensidão que nos ajuda a ser quem somos. Por vezes até nos esquecemos que somos mais, que somos chamados a ser mais, e por vezes até confundimos tudo e achamos que esse mais a que somos chamados está ligado à produção quando na verdade está ligado ao ser, ao ser para os outros, ao ser com os outros. E é quando somos, quando verdadeiramente somos, com os outros e para os outros, é justamente aí, nesse momento, que sabemos como é ser feliz, como é cumprir esta imensidão que nos habita e a que somos chamados a habitar. E isso é tão bom!

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