Ontem sabia que teria um dia cheio. No entanto, não era essa a mossa que sentia: dias cheios são o pão nosso de cada um dos meus dias e dou Graças por isso. O que me fazia mossa era a ânsia da normalidade que, há muito tempo, teima em primar pela ausência. Eu sempre gostei da normalidade da rotina, de saber, no início de cada manhã, com o que vou contar e antecipar os trabalhos, os temas, as reações. Por causa disso, dessa ilusão do controlo, os meus primeiros 5 segundos depois de uma qualquer surpresa dificilmente são positivos: reajo sempre com protesto. Depois acalmo, racionalizo, incorporo e encaixo-me no que a vida me dá. Mas, entretanto, esses 5 segundos já estiveram lá e foram visíveis para o autor da surpresa. E isso não costuma ser bom. Por outro lado, não gosto da queixa do antes é que era bom ou do éramos tão felizes e não sabíamos. Apesar das imensas memórias que me habitam - e que eu prezo, independentemente de me fazerem sorrir ou sofrer - creio que nunca fui um saudosista. O melhor tempo é sempre este, agora, aqui, e nestas circunstâncias. Faço por não ser um revisionista da minha própria história e, sobretudo, por tentar fazer e ser o melhor em cada altura, em cada circunstância, sabendo sempre que esta é uma batalha por mim invariavelmente perdida, mas que reflete o que vou conseguindo ser, em cada momento, em cada passo que dou. Leituras posteriores implicam sempre algum esquecimento das circunstâncias concretas que me levaram a ser e a agir de determinada maneira e isso implica sempre uma culpa que me é tão intrínseca que faço por menorizar sob pena de ficar tolhido e são sair do lugar. 

Mas gostava muito de regressar à normalidade. De saber, no início de cada manhã, com o que poderia contar, com quem poderia contar, da tranquilidade da antecipação do desafio e a segurança que o desafio será mais ou menos aquele e não o que é ditado pela pandemia. Há um cansaço generalizado no ar. Um cansaço que é físico - são tantos os que ficaram com repercussões do COVID! - mas também psicológico, que não consegue já ser colmatado por uma mera escapadela ou emoção passageira. Sim, são estas as circunstâncias em que somos chamados a dar o nosso melhor. No entanto, ilusoriamente, temos tentado viver na normalidade, como se estes não fossem tempos extraordinários, de um extraordinário desgaste. Mantemos o ritmo, mantemos as agendas, mantemos os procedimentos, forçando uma realidade que apenas acontece nas nossas expectativas. Fingimos que conseguiremos como sempre conseguimos. Pintamos com cores bonitas o que não conseguimos para iludir os nossos dias. Temo que, como numa maratona, mesmo que consigamos chegar à meta, estejamos todos no nosso limite. Sem forças, sem energias, sem ilusões. Desaproveitando a normalidade, se e quando chegar.

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