Quando estou com a cabeça cheia, assoberbada, recorro ao básico, ao primeiro. Passeio-me no Parque da Cidade, sento-me junto ao mar, deixo que a brisa me envolva e o som das ondas me invada. Abandono-me. Não faço qualquer esforço para calar o que a cabeça me grita mas, pelo contrário, deixo fluir, até que a sua voz enrouqueça e atenue, lentamente, recuperando a sua normal tonalidade para que, finalmente, abracemos juntos o silêncio. 

O abandono tem muito de confiança, de deixar correr, de permitir a passagem do controlo. No meu caso, decorre da necessidade de regresso. À minha finitude, à minha pequenez, ao meu lugar. É um reganhar de consciência, de pertença, de reconhecimento. Recordo-me que não posso tudo e por isso abandono-me, conscientemente, a quem sei que tudo pode. Remeto-me ao conforto do silêncio profundo, que acontece no lugar onde, calculo, estará colocada a alma. Este silêncio que não é ausência mas inelutável presença, admitida, concedida, desejada intensamente para ser saboreada com intensidade semelhante. E habito, temporariamente, num tempo que pede meças à eternidade, um prenhe silêncio. 

O abandono, este abandono, resulta por isso em encontro. Um encontro que é íntimo, profundo, que seria quase secreto se não se desse a inevitabilidade do transbordo. Um encontro que é de mim para comigo, certamente, mas apenas porque aí habita Deus. Encontro-me sobretudo com a beleza, como se tivesse sido necessário varrer a alma para que nela coubessem as coisas belas da vida. Sendo o mesmo, regresso outro. Mais atento, mais sensível, mais vivo, mais permeável aos sons e ao sol que me invade o corpo e aquece a alma. Mais disposto à escuta, ao abraço, ao reconhecimento. Regresso mais feliz, refeito, reencontrado, acolhido. 

E pronto para acolher o que quer que o dia tenha para me oferecer.

 

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