Foi um bom ensinamento. Estava eu casado há pouco tempo e tinha a folia do exercício físico. Como frequentemente me acontece - agora menos - não conseguia perceber como é que aquilo que era tão evidente para mim - a importância do exercício em termos físicos e mentais - podia ser tão desprezível para os outros. E inscrevi a Isabel no ginásio, claro, porque lhe faria bem à cabeça. Como raramente ia, fui percebendo, algo contrariado, que para a Isabel meia hora de jardinagem era tão fundamental quanto uma hora de ginásio para mim. E aprendi. Várias coisas. A primeira foi a ver com olhos de ver. Mas a principal é que eu não sou a medida de ninguém: aquilo que é notório e evidente para mim não o é necessariamente para os outros. E aprendi que somos felizes de maneira diferente. E que todos temos o direito de procurar essa felicidade sem termos que lidar com os achismos dos outros.

Esta é uma lição que preciso de ir buscar várias vezes ao baú da memória. Assim aconteceu com as escolhas dos meus filhos, pessoais, assumidas, de cabeça erguida, mas claro que algumas delas diferentes das que eu faria. Pudera! São as suas escolhas, não são as minhas, e mesmo quando nos pedem conselhos e sentamos e conversamos, são sempre as escolhas deles, feitas em liberdade, de acordo com a sua leitura das suas circunstâncias. E fazemos questão que saibam e sintam que estamos de corpo e alma com eles quaisquer que sejam essas escolhas. 

Algo semelhante acontece com aqueles que me habitam, com quem vou caminhando e aprendendo e ensinando, e que me são muito significativos. Porque o são, porque são imensas as memórias que a ambos habitam, porque é muito o caminho e a partilha, não me é sempre fácil lidar com as suas escolhas. Mas são as suas, não as minhas. E então lá tenho eu que recorrer àquela memória e perceber que, apesar do que nos une, estou longe de vestir a sua pele e perceber a fundo as suas circunstâncias. Que são as que são e que a mim apenas me compete fazer-lhes saber e sentir que é sempre tempo para nos voltarmos a sentar e a conversar, assim a vida o proporcione e a vontade se mantenha.

Perguntaram-me há pouco tempo se tenho facilidade em deixar ir. Não, não tenho. Nunca tive. E a primeira sensação é sempre a dor da perda. E a verdade é que, passados todos estes anos, não sinto que ninguém que me tenha habitado tenha partido verdadeiramente. Pode estar do outro lado do mundo, tem a sua vida, tem as suas escolhas, tem a sua ânsia de futuro, pelo qual tem o dever de batalhar o melhor que pode e sabe. Mas permanece. Sempre. Sem mágoa, sempre, com progressivo atenuar da dor, sobretudo se encontrar e cumprir a felicidade a que todos estamos votados. E sem achismos da minha parte. Que são absolutamente desnecessários. 

Afinal, é de felicidade que se trata. 

E todos somos felizes de maneiras diferentes.

E eu não sou a medida de coisa nenhuma.

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