Por vezes há coisas que dizemos e ouvimos dizer que soam a mais do mesmo, a verbo para encher meninos, como o meu pai me dizia. Outras, porém, constituem oportunidades para a desconstrução dos nossos próprios conceitos. E eu adoro quando isso acontece.

Há algum tempo, fui convidado para falar em algumas turmas acerca do que é esta coisa de viver com fé. Como eu não sei bem o que isso seja - nem tenha capacidade de dizer o que quer que seja acerca do assunto - preferi falar do que é viver com Deus dentro. Porque essas são certezas: a que sou habitado por Ele e a que quero que Ele me habite, mas, mais que isso, que essa cohabitação tem consequências práticas na minha vida e na dos que me rodeiam. E eu gosto de alicerçar o que digo naquilo que vivo.

Numa das últimas aulas, uma aluna, provavelmente algo insatisfeita por eu não ter abordado convenientemente a fé (a propósito, engana-se redondamente quem acha que os miúdos hoje não querem saber da fé para nada), perguntou-me o que era a fé para mim. Depois de hesitar - não contava com aquela pergunta, tão direta - falei-lhe de um episódio marcante da minha vida, enquanto pai, em que a minha filha mais velha correu, verdadeiramente, risco de vida. Liguei, portanto, automaticamente, a fé à eventualidade da morte de um filho, naquela que eu calculo que seja, de muito longe, a experiência-limite mais dolorosa de todas. Os miúdos perceberam a ideia, mas eu, que sou como as vacas - quando as ideias chegam eu meto-as cá dentro e só depois é que me dou tempo para as ruminar - andei com aquela questão a incomodar-me durante alguns dias. E recordei-me de uma conversa que tive algures em 1991 com alguém que, perante a notícia que eu iria ser pai, me disse que a minha vida jamais seria a mesma porque nada há de mais definitivo que ter um filho.

Hoje voltei a falar noutra turma. E, curiosamente, hoje, no final, foi-me colocada a mesmíssima questão. Então lá voltei a referir o episódio com a minha filha, mas desta vez tive a oportunidade de dar um outro rumo, feito de um pormaior que, na verdade, tudo muda. Na realidade, estamos todos habituados a ouvir que nada há de mais certo e definitivo que a morte e no entanto, para nós, para aqueles que acreditam, para aqueles que têm fé, nada há de mais certo e definitivo que a vida. Poderá parecer um mero jogo de palavras mas, na verdade, há uma imensidão de novidade nesta certeza. Quando aceitamos a vida - e não a morte - como aquilo que é verdadeiramente definitivo, a nossa própria vida, a nossa herança, o nosso legado, ganham uma nova roupagem, e nós uma nova responsabilidade. E um outro sentido.

E fiquei feliz. Triplamente feliz. Primeiro, porque uma simples questão permitiu-me desconstruir uma ideia feita, tantas vezes badalada. Depois, pela recordação dessa verdade sempre nova - e são tantas as vezes que preciso de ser recordado das verdades mais simples! Finalmente, pela oportunidade de fazer perceber de forma tão natural que o nosso é, verdadeiramente, o Deus da Vida!

Já valeu a pena!

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