Quem me habita? Quem permito eu que habite em mim? Quem, mesmo não o permitindo, persiste nos meus pensamentos, nos meus desejos, nas minhas ânsias e preocupações? Nunca fico incólume depois de me deixar habitar. Não sou um hostel, ou uma estalagem, em que as pessoas chegam, assinam o livro de ponto, e ficam apenas por alguns momentos - alguns dias, se gostarem da paisagem e do clima - e depois partem para outras paragens, para outras vidas, deixando apenas trás de si a roupa suja da cama e, com sorte, algumas memórias que rapidamente serão substituídas. Next!

Tenho idade e vida vivida suficiente para perceber já que deixar que me habitem é reservar um espaço, único, exclusivo, que sei que vai permanecer ocupado muito depois da partida, muito depois de escapar ao alcance do meu olhar, muito depois de os dias e as semanas e os meses se intrometerem. Por vezes tenho a ilusão - quase um ressentimento! - que esse espaço quase fica vago, quase é ocupado por outro alguém, como se eu precisasse de espaço livre para albergar quem quer que seja, mas basta uma sms, basta um post no facebook, basta um cruzamento acidental numa rua qualquer, num corredor qualquer, para que as boas memórias reocupem o seu lugar e o espaço fique imediatamente livre das teias de aranha, convenientemente aspirado, rapidamente arejado, com cama com lençóis lavados, pois irá permanecer.

Tenho muitas vezes a tentação de, num dia assim, procurar por aqueles de quem tenho saudades. Seja porque vi alguma coisa que nos recordou, seja porque, algures no meu percurso interior, recordei uma conversa, um sofrimento partilhado, seja porque a manhã está fria ou o sol brilha ou a chuva é melancólica ou a lua brilha, lá em cima, quase tão brilhante quanto teima e fazê-lo cá por dentro, qualquer pretexto é bom para me reencontrar com aqueles que me habitam. Por vezes, raras, cedo à tentação e arranjo forma de me fazer recordado. A esmagadora maioria das vezes deixo para lá, imaginando que as vidas das pessoas são suficientemente preenchidas e não precisam de novos inquilinos. Como em qualquer casa, como em qualquer lugar onde habitam várias pessoas, tem que existir um acordo, um limite, um equilíbrio, muitas vezes tacitamente estabelecido, que permita que o querer encontre sempre o seu espaço. E essa é uma linha muito ténue, muito volátil, muito própria de cada pessoa que me habita. E que tenho sempre muito medo de ultrapassar.

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