Não posso dizer que é um hábito, porque não o é, efectivamente. É mais um registo, que me é tão querido e interior que não tenho grande controlo sobre ele.

Quando tenho uma experiência profunda de partilha, acabo por associar esse acontecimento a uma pessoa específica, a um nome específico, como se essa experiência fosse única e irrepetível. E é-o, na realidade! Uma descoberta mútua, com o tempo e a profundidade necessários, a caminho de Taizé; uma conversa, longa e profunda, num terraço moçambicano tendo a lua como testemunha; uma recuperação mútua durante uma noite inteira e fria de Afife; uma abertura plena de coração acompanhada apenas pelo ecoar dos nossos passos no caminho que percorremos; uma partilha de comunhão e de encontro de rara sintonia na oração da luz... são momentos que têm um nome, específico, que têm um rosto, específico, que têm um discurso e uma forma de sentir e uma cadência própria, porque deixaram em mim a marca específica do que foi partilhado, do que foi vivido e sentido, do privilégio máximo que é, para mim, confiarem-me uma parte importante de si. De comum, apenas isso: a vontade de partilhar e a confiança, imensa, sem reservas, com a certeza que o facto de nos colocarmos em mãos que não são nossas não nos coloca em risco mas em segurança.

Um padre amigo - que saudades! - dizia que mais vale uma vida gasta que uma vida enferrujada. Não podia estar mais de acordo. Prefiro, de longe, correr o risco de sair amassado ao risco de não sair coisa nenhuma, de viver um constante e seguro cinzento, amorfo, sem qualquer lampejo de profundidade, sem qualquer centelha de risco, apenas para me sentir seguro. Coloco-me muitas vezes em mãos alheias e nunca fiquei a perder grande coisa por isso. Pelo menos, nada que não passasse com um sacudir do pó e erguer de cabeça.

Nada me faz sentir tão privilegiado que sentir que alguém se coloca nas minhas mãos. E tão assustado! A responsabilidade da partilha, a responsabilidade da confiança, a responsabilidade da comunhão e a sintonia que daí brota tornam cada um especialíssimo, cada um único, cada um meu, que me habita e me faz companhia e me preenche a alma. Aparecem sempre nas minhas orações, sem precisar de convite, particularmente nas que não escolhem dia nem hora e me assaltam o pensamento e me provocam inquietude. E permanecem, indelevelmente, imunes ao tempo, resistentes à vida vivida. ocupando o lugar a que pertencem. Que é apenas seu!

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