Esta noite mal preguei olho. Pelas quatro da manhã já me tinha sentado para escrever e tentar colocar as ideias em ordem. Como sempre me acontece nestas alturas, o silêncio de casa torna ainda mais contrastante e insuportável a imensidão do que se passa na minha cabeça. As memórias surgem em catadupa, os pensamentos atropelam-se na tentativa de as reinterpretar, de as reler, de as reorientar, de lhes arranjar uma qualquer ordem por forma a tentar descortinar algum sentido, alguma direcção, algum novo rumo a seguir. Já devia saber que esses minutos/horas resultam em coisa nenhuma. Já devia saber, por esta altura, que tenho sempre que me levantar, pegar num papel, numa caneta, e reordenar as ideias. Aí sim, com as ideias no papel, com as memórias devidamente sistematizadas e reorientadas, posso então dar lugar ao desafio de escutar o que me querem dizer.

É sempre esquisito quando me apercebo que a forma como penso a vida contrasta com a forma como vivo a vida. Na vida vivida sou muito descomplicado: recebo o que a vida me vai dando, normalmente com alegria, algumas vezes com apreensão, mas sempre como ponto de partida. Ok, eu tenho isto diante das mãos. O que faço eu com isto? Pergunto-me o que Deus quer de mim, o que me quer dizer, choro quando é de chorar, rio quando é de rir, e passado muito pouco tempo já todo eu sou planos e conjecturas e projectos para tentar encaixar o que me aconteceu, ou disseram, ou fizeram. Nada de especial para qualquer puto do bairro: acção - reacção. Rapidamente, assertivamente se possível ou necessário, sem olhar para trás. Na vida pensada gostaria que fosse assim. Mas na vida pensada a profundidade é outra, o tempo é outro, as alternativas outras, as hipóteses muitas mais, há lugar para o arrependimento, para a promessa do pedido de desculpas, para o refazer-me por dentro para tentar ser por fora.

Apesar de me pensar muitas vezes, nem sempre considero isso pensar verdadeiramente na vida. Tem que haver uma interrogação, um despertar, um desafio, que provoque cá por dentro o toca a reunir para analisar, aí sim, na profundidade, no tempo que a profundidade exige, no silêncio que a profundidade exige, o que Deus me quer dizer. Invariavelmente por intermédio daqueles que sei que me amam, porque quase nunca é de um acontecimento que se trata. Mas de pessoas. Que me amam. Que me são muito importantes. E pode ser uma palavra sua, um gesto seu, uma expressão quase imperceptível, que provoca sempre um forte abalo na minha parca estrutura, que tem que ser revista. De cima a baixo, as Peter says.

Ninguém exige tanto de mim quanto aqueles que me amam. Ninguém me questiona, ninguém me interpela, ninguém me corrige, incansavelmente, inapelavelmente, como aqueles que me amam. Porque me amam. Por isso é que, quando uma coisa dessas acontece, sei que essa vai ser uma noite de São João.
Mas também sei que, com sorte e a sua sabedoria, amanhecerei um pouco melhor.

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