Desde que me lembro, ando à procura de referências externas para a formação da minha personalidade. Durante muito tempo não entendia porque assim era, mas o meu trabalho em Ramalde com miúdos com infâncias muito parecidas com a minha, ajudou-me bastante a perceber porquê. Quando crescemos sem referências sólidas temos duas hipóteses: ou nos agarramos ao que nos rodeia - e nem sempre o que nos rodeia nos faz bem - ou vamos buscar fora, muitas vezes recorrendo à fantasia, a estrutura que nos falta dentro.

Estrutura é uma palavra que tenho ouvido com alguma frequência, ultimamente. Provavelmente, o fator mais decisivo da minha vida seja mesmo esta minha natural predileção por pessoas com estrutura. Pessoas que sabem bem o que querem, que têm um horizonte tão definido e uma tenacidade tão intensa que conseguem ver com clareza qual o seu rumo e mante-lo custe o que custar. Pessoas que, mesmo no maior dos sofrimentos, mesmo quando caem e se magoam e choram, não se permitem mais que um sacudir do pó e estão logo prontas para retomar o seu caminho, sem alguma vez o porem seriamente em causa. Pessoas que são a antítese de tudo o que eu sou, naturalmente. Esta minha predileção por pessoas assim levou a que, instintivamente, as escolhesse como referências para mim, e isso permitiu-me acompanhá-las e aprender delas, e, mais importante, apreender delas algumas das facetas com que me fui laboriosamente construindo. Acredito que instintivamente procuramos sempre o que nos falta e como o que me falta é muito, sempre o encontrei nos outros.

Lentamente, à medida que vou envelhecendo, apercebo-me que vou deixando de ser um barco à deriva, que tudo aquilo que procurei e encontrei nos outros começa a ganhar sedimento, a dar-me algum lastro, e vou vendo já, com maior clareza, o meu próprio rumo, aquele que eu sinto como verdadeiramente meu. E isso permite-me uma outra entrega aos que me procuram. Com maior serenidade, com menor sofreguidão, com uma muita maior aceitação dos meus limites e das minhas incapacidades. "what you see is what you get".

Em todo este processo, a descoberta daquele breve trecho de Isaías vai adquirindo um importância especial. Todos os dias, antes de me deitar, revisito-o e comparo-o com o que foi o meu dia. E descubro-me a conter-me nas palavras e nas atitudes, e a forçar-me um olhar mais atento e uma ação mais firme, tal como me é pedido. Tenho a íntima esperança Isaías possa ir sendo, para mim, mais uma referência suficientemente clara e incisiva para que vá consolidando a minha estrutura. Quem sabe se daqui a meia dúzia de anos, lá para os sessenta, poderei saciar esta fome que não se cala. A esperança é a última coisa a morrer. Os meus netos que se cuidem ;-)

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