Há coisas que consigo fazer e coisas que não consigo fazer. Como todos nós, aliás. A esta verdade lapaliciana não cheguei por puro acaso, não é algo que tenha sido claro e evidente para mim desde sempre, mas vem vindo com o tempo, vem chegando, vem-se instalando, e, sobretudo, vem contribuindo para que eu possa ir sendo progressivamente mais consciente de mim e, por isso, progressivamente mais sereno. E feliz.

Eu não sei não cuidar de quem amo. Não sei fazer de conta, não sei ficar indiferente, sou péssimo no jogo das aparências, provavelmente porque as acho completamente inúteis. Quando amo, quando gosto muito - sim, eu sei que são coisas completamente diferentes, mas para o caso isso não é importante - deixo, com facilidade, que transpareça o meu olhar, na forma como falo, na forma como ajo, indiferente ao que possam pensar ou até ao que daí possa advir. Para mim, a questão é muito simples: se não entendem, que entendam. Não, não acho que a mulher de César precise de parecer séria. Para mim, basta que o seja. O resto são interpretações alheias que não posso nem quero controlar.

Pois. Mas isso sou eu. E eu não sou a medida de coisa nenhuma. Às vezes sinto-me como que entalado entre a minha forma de gostar, de amar, e o respeito para com a forma como os outros amam e gostam. E, após alguma luta interior, que sempre acontece e nem sempre é fácil, apercebo-me que amar implica também respeitar a individualidade de cada um, implica também dar espaço para que os outros possam ser e amar e gostar na inteira liberdade de ser amar e gostar à sua maneira. Por mim, agarrava, abraçava, beijava, estava sempre. Mas não é apenas de mim que se trata.

Normalmente lido bem com a ausência física. Normalmente não lido bem com a ausência interior. Que, em boa verdade, não existe. Nunca consegui impor-me a ausência de alguém, no que constitui, ao que me parece, um paradoxo: quanto mais tento forçar a sua ausência mais presente se torna, como os ateus que se esforçam tanto por afirmar a inexistência de Deus que acabam por O tornar mais presente nas suas vidas que muitos que se dizem crentes. E eu, apesar de gostar muito de paradoxos, porque me desafiam a perceber melhor, tenho dificuldade em fingir presenças, em fingir ausências, particularmente quando já fizeram tanto caminho cá por dentro que têm já o seu espaço reservado. E único. E indelével.

Mas não me posso esquecer que amar, gostar muito, implica estar atento, implica cuidar, cuidar muito. E que por vezes as coisas não são tão simples nem tão claras como as vejo, ou como gostaria que fossem vistas. Lá está: tenho muitas vezes que me recordar que eu não sou a medida de coisa nenhuma e que há circunstâncias próprias, há limites próprios, há espaços que são próprios e únicos e que importa preservar, por respeito, por amor. E que respeitar esses espaços, essa reserva de individualidade, é fundamental para amar, para gostar, como se deve amar, como se deve gostar. Apesar da dificuldade. Que faz parte.

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