Aqui há uns tempos, a minha-mais-velha andava tristíssima. Apesar de daqui a meia dúzia de meses ser médica depois de seis logos anos de um esforço e uma aplicação tremendas, cá em casa nunca era levada a sério no que diz respeito à cura das maleitas do corpo. Confiava-se muito mais em mezinhas e cházinhos e na opinião da prima ou da vizinha e no "ouvi isto no autocarro", que no resultado do seu esforço e capacidade de trabalho. Devia saber já que desde sempre é assim, Já o foi com Jesus "não és tu o filho do carpinteiro?" já o foi com cada um de nós, em nossas casas, e se-lo-à sempre. Ninguém é profeta na sua terra.

Nos meus primeiros tempos da faculdade - há cerca de 9 anos atrás! - chegava a casa empolgadíssimo! A fome de aprender era tanta, o deslumbramento com o que ouvira era tanto, e para mim tão importante, que acreditava ingenuamente que assim que chegasse a casa contagiaria tudo e todos com tamanhas descobertas. Cedo aprendi que isso nunca aconteceria. Que ninguém estava interessado no estudante fora de horas e que mal eu começava a abordar o assunto, era um bocejo só. Aprendi a calar. A custo. Particularmente quando, numa formação para catequistas, os meus vieram todos entusiasmados com uma palestra de um padre da moda que lhes tinha dado uma perspectiva completamente nova de uma determinada passagem do evangelho. Exactamente aquela que, uns tempos antes, por vir de mim, lhes despertara o bocejo!

Os meus amigos sempre adoraram o meu pai. Pela sua jovialidade, pela sua alegria, pela sua disponibilidade, pelo seu sábio conselho na ponta da língua, pela sua identificação fácil com o sentir e o querer dos jovens, que sempre lhe permitiu ser visto como uma reserva para aquela malta nova para quem os outros adultos era ilustres desconhecidos. Para mim, era apenas o meu pai. Enquanto os outros viam a sabedoria e a disponibilidade, eu não conseguia sair da minha infância, da sua ausência, da excessiva liberdade que me concedeu, do desinteresse profundo a que sempre me senti votado. Ainda recentemente, quando os meus filhos diziam que adoram o avô, era com alguma dificuldade que conseguia calar o meu ressentimento de filho que me impedia de ver o seu deslumbramento. Ainda ontem, curiosamente, quando estávamos juntos e olhava para o meu pai e dizia-me que vai sendo tempo de o redescobrir. Tenho mesmo que o fazer.

O passado é algo que temos sempre agarrado às pernas. Dificilmente conseguimos ajuizar cada pessoa, cada gesto seu, cada intervenção sua, apenas por si só. Estamos sempre a compará-la com outras situações, com outras atitudes, com outros gestos e intervenções, suas ou não. Dir-se-ia que é um instinto de defesa. Sermos magoados dói como o caraças e não queremos voltar a ser apanhados desprevenidos. Mas não deixa de ser uma lógica de medo. Viver na reserva, com o passado agarrado às pernas tolhe-nos os movimentos e limita-nos a liberdade de voltarmos a ser felizes. Como se não houvesse senão amanhã.

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