De onde vem o que me dói? De onde vem a insatisfação com o que sou, qualquer que seja a forma de agir, qualquer que seja o desejo profundo de ser algo mais que mero ocupador de espaço, e de recursos, e de tempo? De onde vem esta consciência que me separa, que aparta o que sou daquilo que quero sempre ser, e que não consigo ser por mais que breves momentos? De onde vem este espelho, permanente, constante, que me força a deparar-me comigo próprio, que me obriga a olhar-me nos olhos, que me leva a descortinar, sem sacrifício algum, sem dificuldade alguma, a minha realidade, a aprisionar-me na minha realidade, o que quer que a minha realidade seja?
E que faço eu com isso? Que faço eu com essa consciência, permanente e constante? Baixo os braços, digo para mim mesmo que não vale a pena, recolho sonhos e vontades e mastros e estandartes e bandeiras, remeto-os para o fundo do baú, de onde vieram, e limito-me a ser mero ocupador de espaço, e de recursos, e de tempo? Concluo que tudo é em vão e que por isso não tenho direito senão a centelhas de felicidade, escassas, breves, ilusórias talvez, e que cedo ou tarde sou inevitavelmente recambiado para a minha própria finitude, aprisionando-me na minha realidade, o que quer que a minha realidade seja? Sou apenas pó e é em apenas pó que me vou tornar? Já?
Mas então o que faço com a partilha, o que faço com a alegria, o que faço com a Palavra que me diz que sou mais, que sou chamado a ser mais? O que faço com aqueles que me conhecem e me estendem a mão e me pedem para os levantar e me levantam com eles, com aqueles a quem estendo a mão e peço para me levantarem e levantamo-nos juntos? Que faço eu com os olhares e com os sorrisos e com as lágrimas e com as conversas que me enchem o peito e a memória e transparecem nos meus próprios olhares e nos meus próprios sorrisos e nas minhas próprias lágrimas? Que faço eu com a Palavra, com aquela Palavra que me surpreende  porque vem de onde menos espero, quando menos espero, de quem menos espero, mas que me encaixa como uma luva, porque precisava mais dela que de pão para a boca, ainda que não o soubesse e vivesse na correria constante, tola, de garantir que mais, muito mais, que o pão, me chegasse à boca? Que faço eu com aqueles que me saciam a alma, que me apresentam, ainda que escassos, ainda que breves, mas muito reais momentos de felicidade, que me fazem sentir que tudo o resto é, isso sim, ilusório, e que a vida valeria a pena, ainda que fosse apenas por aquela centelha de felicidade?
E que faço eu com o meu Deus, que nos outros e pelos outros todos os dias me estende a mão e me interpela e me desvia o olhar do espelho e me conduz o olhar para o olhar dos outros para que O possa encontrar?
Quem deixo que tome conta de mim?
O meu olhar?
Ou o Seu olhar?

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