Não é que eu não tivesse gostado dele. Nem sequer que eu ache que não mereça ser santo. Nada disso. Mas desagrada-me sempre o culto da personalidade, qualquer que ela seja.

Estava em Santiago no Domingo de Ramos. Quem celebrou a Eucaristia do Peregrino foi, creio eu, um cardeal ou um bispo lá do sítio. Durante a procissão que antecedeu a eucaristia, ele era quem levava a palma maior, mais bonito, mais cuidadosamente trabalhada. Não consegui deixar de pensar que, como testemunho do que é Jesus, era um pobre exemplo para nós cristãos.

Eu sei que é perfeitamente utópico pensar que alguma vez os bispos, os padres, ou até nós, leigos. alguma vez teremos a coragem de assumir na prática o serviço de Jesus. Que nos deixaremos de rococós sempre que o Bispo vem à paróquia, que sejamos simples como todos os dias somos simples quando o pároco vem jantar a nossa casa, e nos deixemos de colocar as pessoas num pedestal. Eu sei que isso nos está entranhado, que fazemos o mesmo sempre que recebemos visitas especiais lá em casa, que também pomos a toalha das festas, o serviço das festas e até, muitas vezes, o sorriso artificial das festas. Eu sei porque eu também, apesar de tudo, sou assim. Mas sinto sempre isso não como algo a preservar ou a vangloriar mas como uma falha, como algo que seria bem melhor que não acontecesse.

Quando algo deste género acontece a nível da hierarquia superior da Igreja, então, sinto que temos todos um longo caminho a percorrer. Porque me parece que favorece a fezada e não a fé, porque me parece tudo muito artificial, para televisão ver, muito mão no peito, muito arrebatamento, muita lágrima fácil, muito tudo aquilo que Jesus não foi.

Não é que não tivesse gostado de João Paulo II. Particularmente na fase final da sua vida, testemunhou com a sua velhice que os velhos têm um lugar importante entre nós e que essas coisas da dignidade da eutanásia e afins não passam de estupidez pegada. Não duvido que ele mereça ser santo. Duvido é da utilidade de uns (pretensos) milagres para que o possa ser, duvido do espectáculo, duvido das manifestações de fé que exigem simplesmente a ausência de qualquer racionalidade.

Para choque de muitas pessoas, continuo a dizer que, em matéria de santidade e exemplo de vida, recordarei muito mais rapidamente algumas pessoas, pequeninas e anónimas aos olhos do mundo, mas absolutamente fundamentais para que, apesar do que ainda sou, seja hoje muito melhor do que seria se não as tivesse conhecido.

E essa, creio, é a verdadeira configuração com Cristo.

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