Não. Ainda não recuperei. Ainda estranho quando nos cruzamos nos corredores e não vejo nem sinto nada nas costas.

Levo sempre muito tempo a recuperar. Diria que se trata de um desmame difícil, se o termo não fosse tão feio. Mas de facto ainda sinto que nos vamos lendo nos olhares que se cruzam, ainda sentimos que, de alguma forma, estamos a continuar o caminho, que não queremos deixar de caminhar. Ainda achamos esquisito estarmos juntos num ambiente completamente diferente daquele que partilhamos, ainda nos debatemos com as palavras de circunstância, que nunca são suficientes para quem viveu o que juntos vivemos, para quem partilhou o que juntos partilhamos, para quem se superou como juntos nos superamos,

E a palavra chave aqui é mesmo esta: juntos. Porque juntos fomos mais, bastante mais que a soma das nossas individualidades. Assisti a muitos "estou de rastos" que miraculosamente se transformaram em "anda lá, que já falta pouco" perante alguém em dificuldade.

É disto que se trata quando falamos no Caminho: de união, de persistência e boa disposição mesmo quando os músculos doem, os ossos doem, as bolhas doem, as costas doem, e até o que vai dentro da mochila e deveria ter ficado em casa dói como o caraças...
De orações e eucaristias ao ar livre, de "buenos dias, senhores" a torto e a direito, de "cidade maravilhosa", de dezenas de carros a apitar quando nos vêm, de incentivo das pessoas por quem passávamos, exaustos, no final de cada dia...
De filas para rebentar bolhas, de conselhos sábios dos outros caminhantes, de reencontros com esses mesmos caminhantes, de massagens à borla, de ressonares perfeitamente desconhecidos - e, ao segundo dia, perfeitamente inócuos, tal era o cansaço - de espanto e respeito perante caminhantes que levam mais de 2000 kms nas pernas...
Mas também de algumas paisagens mesmo feias, de muitas paisagens mesmo lindas, de mãos dadas, de "dá cá que levo isso", de "quem ainda tem barritas?", de orgulho na chegada, de "conseguimos", dos nossos nomes em latim...

E de como nos sentimos melhores que nunca quando, juntos, acordamos às 5 da manhã para passarmos, juntos, as próximas sete ou oito horas a caminhar.

Juntos. Sempre juntos.

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