Os meus filhos e outra malta nova perguntam-me muitas vezes como é. Como é amar a mesma mulher há 26 anos, como é deitar e acordar todos os dias a seu lado, do que conversamos durante estes anos todos - ainda por cima quando trabalhamos no mesmo sítio - se ainda temos motivos de conversa ou se a nossa é já uma conversa acabada. Perguntam-me o que vi nela, como soube que era ela, como ainda sei que é ela, se não me arrependi, se não desejaria que tivesse sido diferente...

Aqui há uns tempos chamavam-nos "o casal-maravilha". Graças a Deus deixaram-se disso. Como eu detestava! O meu casamento é tudo menos pacífico. O nosso amor, esse é pacífico, mas o amor, por si só, nunca chegou para sustentar um casamento. A nossa vida em comum é muito feita de quotidiano, de dia-a-dia, de vida vivida, sem muitos floreados. É muito feita de conversa e mais conversa e mais conversa ainda, da capacidade de conversarmos sobre as mesmas coisas as vezes necessárias de forma a que, lentamente, pessoas tão diferentes como nós se possam ir encaixando à medida que os problemas surgem, que as dificuldades surgem, que as alegrias surgem.

As pessoas duvidam quando dizemos que nunca fizemos grandes planos, que nunca pensamos muito bem nas coisas, que fomos acolhendo aquilo que a vida, em cada momento, nos ia dando. Foi assim com os filhos, com os projectos, com os empregos, com as casas e os lugares onde fomos ganhando o nosso tempo. Creio que essa foi uma parte importante da nossa vida: não a balizamos excessivamente, não a encarceramos mas abrimos horizontes, ficamos atentos, alegramo-nos e entristecemo-nos consoante o que a vida nos ia proporcionando. Vivemos sempre nos limites, nos limites da paixão, nos limites da entrega, por vezes nos limites da ruptura, como apenas quem é casado percebe. Nunca fomos de meias tintas, de meios termos, de deixar correr o marfim para ver no que dá. Tudo o que fizemos de importante fizémo-lo juntos e intensamente. E quando adormecemos no pedaço, ou melhor, para ser justo; quando eu adormeci no pedaço e julguei ser apenas eu, quase quase deitava tudo a perder.

Porque um casamento  - a vida, toda ela - não é feito de grandes momentos. Não é feito de grandes discussões, grandes passeios, grande decisões, mudanças profundas. Num casamento, quando isso acontece resulta sempre de um caminho que muitas vezes é imperceptível e que apenas pode ser avaliado ao fim de alguns anos, quando olhamos para o que passou. Fundamental, mesmo, é que apesar das enormes dificuldades por que já passamos, apesar de algumas discussões bem feias, de alguns momentos em que a ruptura foi falada, sempre sentimos que o nosso nunca foi um caso de falta de amor. Pelo contrário: na base esteve sempre o desejo de passarmos mais tempo juntos, a falta que sentimos um do outro, a necessidade que temos de nos aconchegarmos um no outro. Nunca se tratou de pretensas infidelidades, de sonhos alheios à presença do outro, de vontade de viver uma vida separada.

Tem sido uma vida cheia, esta. Por causa dos filhos, por causa do trabalho, por causa da fé, por causa do nosso envolvimento de cabeça em mil e uma actividades, em mil e um projectos, temos tido tudo menos monotonia. E continuamos a aprender, hoje. A aprender a começar a viver mais para nós e menos para os filhos, a viver aquilo que completa o outro e que a mim nem me diz tanto, a apoiar-nos nos nossos sonhos, que finalmente ganham voz agora que os filhos já vão caminhando sozinhos.

Faz hoje 21 anos estava nervoso, muito nervoso, por volta desta hora. E com medo do futuro. Hoje, findo este tempo, estou absolutamente calmo, absolutamente grato, absolutamente esperançado que muito temos ainda que caminhar.

Juntos, com a Graça de Deus.

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