Ontem era dia de estudarmos juntos. Filosofia. O que, para a cabeça do meu-mais-novo é uma tremenda complicação. Ainda ontem me dizia que o sonho dele é trabalhar com motores. Montá-los e desmontá-los, perceber a fundo como funcionam e o que faz mover o quê. E que sonho mesmo era montar ele um carro de raiz, o carro dele, de princípio a fim. E fazê-lo com os filhos. Disse-o numa conversa como quem-não-quer-a-coisa, nem sequer se apercebendo que foi a primeira vez que me falou a sério dos seus sonhos de futuro que não envolvessem qualquer disparate adolescente. Mas ontem era dia de filosofia. De nós cegos, portanto, numa cabeça que encontra muita maior tranquilidade nas físicas e matemáticas e que fica  à rasca quando tem que argumentar e consolidar posições. Ontem era sobre determinismos e liberalismos e livre arbítrios. E foi muito interessante. Falamos das nossas opções, das nossas responsabilidades pelas nossas opções, das nossas cada vez menores desculpas e justificações à medida que a vida vai decorrendo.

A determinada altura falei-lhe de uma conversa que tive há uns anos com um padre amigo. Acerca dos amores de padre, do celibato, do pretenso encerramento do coração a que os padres estão obrigados. ele dizia-me que em nada o seu celibato era diferente do meu. Que, tal como com qualquer pessoa, não conseguia impedir o seu coração de se apaixonar, não conseguia impedir a sua alma de intuir uma ligação profunda a alguém, que não conseguia deixar de se colocar a velha questão "e se..." e de se sentir encostado à parede com esses abalos sérios, de se sentir obrigado a tomar decisões, de ter a consciência que há decisões que não são definitivas porque vão sendo pensadas e reflectidas e geridas consoante as circunstâncias. E dizia-me ainda que até aquele momento a sua decisão tinha tido sempre o mesmo sentido, o da continuidade do compromisso, em nome do amor profundo que sentia por Jesus Cristo, que o enchia por completo, a ponto de não desejar ser outra coisa que não padre. Mas que, no seu íntimo, não excluía definitivamente que, a determinada altura, a sua decisão fosse outra.

Ontem, enquanto estudávamos, chegamos à conclusão que não controlamos o que sentimos no mais profundo de nós mesmos. Mas controlamos o que fazemos com o que sentimos. Controlamos as nossas decisões, as nossas escolhas, os nosso actos. "Seria bem mais fácil se tudo estivesse determinado à partida. Pelo menos a responsabilidade não seria nossa." Pois é, filho. Mas a autonomia é fundamental. E com ela vem a responsabilidade, e com ela vem a dificuldade de escolher, e com ela vem a certeza que nem sempre somos o que queremos, nem sempre somos o que os outros querem que sejamos, nem sempre somos o que deveríamos ser. Mas o importante é que saibas que, nessa tua procura, nesses teus encontros e desencontros, tens sempre com quem procurar e tens sempre para onde voltar para que possas parar e voltar a procurar. Nem que seja a propósito de uma aula de filosofia.  

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