Na minha família de cientistas, os meus olham para mim com a mesma naturalidade com que se olha para um elefante vestido com um tutu cor de rosa. Volta e meia, enquanto eles estão a discutir enzimas e bactérias e outras coisas que tais, eu, meio para os provocar meio a sério, digo-lhes que encontro mais certezas nas coisas do Espírito Santo que naquilo que eles estão a dizer. Para além da natural provocação - que me dá um gozo especial quando os meus cunhados irlandeses estão cá (eles são mesmo cientistas!) - eles sabem que acredito naquilo que afirmo, e eu deixo que isso os escandalize.

Quando consigo provocá-los a ponto de discutirmos a sério, tenho o cuidado de substituir o Espírito Santo pela alma, o que, não sendo para mim a mesma coisa, permite no entanto despir a carga teológica da discussão e abrir caminhos comuns, defendendo a minha dama porque a verdade é que eu acredito mesmo nas coisas da alma, na importância da alma, na inevitabilidade da alma, que a essência do que somos e faz de nós as pessoas que somos está mesmo na alma. Claro que todos temos uma história de vida e condicionantes psicológicos e aportes físicos e sociais que nos vão construindo e desconstruindo sucessivamente numa séria de processos encadeados que têm o seu quê de racional como de circunstancial e que, apesar dos nossos esforços, têm tanto de programação como de improvisação, Graças a Deus, porque é justamente isso que torna a vida tão rica e tão desejável. Mas mesmo com tudo o que nos rodeia, mesmo com tudo o que vem de fora para dentro, há uma reserva que pensamos que nos diz apenas respeito a nós próprios mas que eu acredito que, pelo contrário, diz respeito aos outros: a nossa alma.

Claro que para falarmos da alma temos que o fazer num outro patamar que deixa os meus cientistas desconfortáveis. Aqui nada é palpável, nada é visível, nada é comprovável. Sentimos, sabemos que sentimos, por vezes até conseguimos racionalizar o que sentimos, mas atingimos sempre a margem do desconhecido, que pode ou não desembocar na escolha do caminho da fé. E aí é que o caminho se torna difícil para quem faz da racionalização e da observação e da comprovação o seu quotidiano, a sua vida, não raras vezes a sua razão de viver. Passar do que controlam através dos sentidos para a entrega da alma exige uma humildade que não lhes é permitida. E que lhes exige, por isso, uma capacidade de abandono e entrega ainda maior que ao comum dos mortais.

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