Serenar, organizar as ideias, ver, agir. Em conformidade.

Comecei ontem a ler um livro do Miguel Sousa Tavares. Como me acontece muitas vezes quando o leio, as suas descrições de um lugar dão-me uma vontade de, logo ali, naquela altura, fazer a minha mochila e partir para aquele lugar que ele tão bem descreve. Apetece-me ouvir os pássaros que ele ouve, estar no alpendre onde ele está, no pequeno apartamento que alugou num sítio que nem sei bem onde fica e escutar a noite como ele escuta.

Raras vezes, sou assaltado pelos "e se...": ... e se tivesse a coragem de partir? ... e se largasse tudo, de repente, sem comos nem porquês?... e se fizesse apenas o que me desse na real veneta sem ligar para as consequências?... e se vivesse, efectivamente, cada dia como se fosse o último?

Um dia destes, enquanto via uma apresentação da missão a Timor, tive que me levantar e procurar um outro lugar onde pudesse estar mais longe dos olhares dos que me rodeavam. Senti uma saudade imensa de Quelimane, daqueles miúdos, daquela forma de vida, daquela entrega total e absoluta sem pensar em mais nada, sem perguntar mais nada, sem desejar mais nada. Senti ma vontade tremenda de voltar a partir, desta vez por mais tempo, desta vez fazendo mais, desta vez sendo mais decisivo, desta vez não de visita mas armando tenda e habitando, no meio deles.

Paradoxal, não é? Querer partir apenas para chegar e ficar. Querer soltar amarras apenas para as poder voltar a prender num outro cais. Querer largar para poder voltar a agarrar.

No sábado recebi outra notícia tremenda: um amigo, de há muitos anos, descobriu por acaso que tem um cancro. Mau. Muito mau. Mais um abalo neste tempo que tem sido pródigo em abalos e que, como sempre me acontece em tempos de abalos, me remete para Job. E pensei logo no que faria se fosse eu. Se ficaria por cá a morrer aos pedaços ou se faria o que sempre intui que faria numa situação destas: iria morrer longe, como os elefantes. Sabia a resposta. Sei a resposta. E os meus também a sabem.

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