...e de repente, depois de uma série de anos de calmaria, ondas vindas de vários quadrantes atingem-me o barco. Parece que tudo mexe, parece que nada mais será como antes, parece que os deuses se reuniram em conluio para me agitarem as águas e testarem as minhas escolhas. A nível pessoal, profissional e agora até a nível nacional, as verdades que ainda ontem o eram inquestionavelmente hoje são já ultrapassadas pela realidade que, apesar de incrédula, é indesmentível.

Conversávamos ontem ao jantar acerca da imprevisibilidade da vida e das nossas reações quando tudo parece escapar ao nosso controlo. E vamos sempre ter à incógnita do amanhã e ao Carpe Diem, que ainda ainda assim tem múltiplas interpretações: se há quem ache que o que importa é viver tudo hoje e com isso cometa as maiores loucuras, outros acham que o importante é a qualidade da marca que deixamos nos outros e com isso viva voltado para fora. De comum às duas visões, a premência da vida que teima em escapar-se-nos por entre os dedos e a deixar-nos um sabor amargo na boca sempre que desperdiçada.

A minha filha disse-nos ontem que tinha estado com a Lurdes, que se tinha comovido com a sua serenidade, com a sua sabedoria profunda, com a sua capacidade de entrega aos outros, apesar de lhe ter sido diagnosticado um cancro terminal há vários anos. Como tem acontecido ultimamente, fomos ter ao Jorge, que tem sido um abalo duro para todos nós. Outra filha minha disse que era muito confuso para ela quando pensava que mesmo que ele recupere e fique bom - um cenário cada vez menos provável - haverá pelo menos três semanas da vida dele que serão inexistentes para si. Outro filho disse que pela primeira vez na vida se tinha questionado a sério acerca do rumo que tinha tomado para si... escutava-os, como sempre, completamente embevecido, como quase sempre, completamente grato pelo que fomos construindo juntos ao longo da vida.

Há alturas em que tenho a noção clara que estou em viagem, apenas em viagem. Que não comecei aqui, que não vou acabar aqui, que o que se passa por aqui, o que é dito e vivido e sentido e desfrutado é a antecâmara de algo muito maior. Não me rouba a alegria nem a tristeza nem o choro ou o riso. Não me rouba a preocupação nem o gozo nem o desânimo ou a força. Não rouba vida à minha vida, que é composta de dias e semanas e segundos e anos e meses e minutos e até de um outro tempo sem tempo, que até acredito que é o tempo onde se passa aquilo que é verdadeiramente importante.

Mas dá-me a certeza que nada, absolutamente nada, do que sou, se esgota aqui.

Comentários

Mensagens populares deste blogue