Existem muitas maneiras de sermos culpados. Basta procurar. É como numa operação stop: podemos ter tudo em ordem, pode o carro ter vindo da vistoria há duas horas, podemos ser o condutor mais cuidadoso do mundo, mas se o polícia acordou mal disposto não temos nada a fazer. Há sempre uma luz que pisca, há sempre uma luz que não pisca e devia piscar, há sempre um traço contínuo que se ultrapassa, há sempre um sinal que foi roubado mas devia estar lá e nós não o vimos. Há sempre uma maneira de sermos culpados.

Adoro escutar. Pela quantidade e, sobretudo, pela qualidade das pessoas que se abrem comigo, fui aprendendo que este deve ser um dos meus dons. Que me esmero em colocar em prática. Algumas vezes ainda fico demasiado absorvido pela data limite que o trabalho sempre nos impõe, mas tento ir ficando mais atento a quem se aproxima - ainda que ao longe - tento ir lendo nos olhares - ainda que se desviem - tendo ir disponibilizando um lugar para que, quem quiser, quando quiser, se quiser, se possa sentir acolhido. E quando chega a altura, paro tudo, nem que seja por breves minutos, nem que seja por alguns dias, e aquela conversa, aquela partilha, aquela preocupação, passam a fazer parte dos meus silêncios orantes, das minhas procuras interiores, habitando-me juntamente com quem se partilhou comigo.

It takes two to tango. E isso pode ser um problema. Porque existe uma verdade lapaliciana que defende que para existir quem escute é preciso haver quem queira partilhar. E isso pode ser um problema. E isso é um problema.

Existem muitas maneiras de sermos culpados.

Basta procurar.

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