20151102
Não foi a primeira vez. Ali estávamos nós, como estamos em cada dia 1 de Novembro, no cemitério, junto daqueles que jazem à nossa frente, acompanhados daqueles que ali estarão, em princípio, daqui a algum tempo. Nenhum outro lugar me consciencializa com tanta evidência do ciclo da vida. Lembro-me que há um par de anos, neste mesmo dia, olhava para a Tia Micas e tinha a percepção clara que ela imaginava que estaria ali, dou outro lado, no próximo 1 de Novembro. E ontem lá estava ela, efectivamente.
Estava um fabuloso final de tarde, ontem. O cemitério não tão cheio - "os velhos vão morrendo e os novos não vêm a estas coisas" - o Padre Rosas a celebrar, e eu a olhar à minha volta, a ver os meus velhos que me rodeavam, a ver alguns dos amigos de sempre a prestarem homenagem aos seus pais, amigos, familiares, e eu a olhar para o céu, a conseguir ver o laranja forte do sol nas nuvens carregadas de água "está um belíssimo final de tarde!" e a pensar no Jorge, que normalmente andava por ali, atarefado, organizando e vigiando para que tudo corresse bem, e que agora não fazemos ideia de como está, de como irá estar, se terá futuro ou não, de que lado estará ele no próximo 1 de Novembro...
A minha avó, os tios, a minha sogra, os meus pais, agora o Jorge, têm-me forçado o olhar para um outro lado da vida, que normalmente não vejo, que normalmente escolho não ver, entretido com a construção do meu futuro e do futuro dos meus, e que me levanta outro tipo de questões, e que me pede outro tipo de respostas, e que me coloca perante a incerteza da vida, a finitude da vida, a importância de viver efectivamente a vida.
Não me recordo de ter medo da morte. Sempre intui que me poderiam acontecer coisas bem piores que a minha própria morte. Confirmei essa intuição quando a minha filha esteve mal, quando pensei que morria de desilusão provocada, quando não dei qualquer valor a voltar, seja para onde fosse. Não tenho medo da morte. Tenho um medo tremendo de desperdiçar a vida.
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