"Ele estava ontem com questões existenciais. Pelas mensagens que lhe enviam, ele não sabe se não deveria alterar a sua rotina para ficar mais em consonância com a dor que deveria sentir."

Sorri, para dentro, e percebi bem o seu dilema. Os outros esperam sempre que tenhamos um determinado tipo de atitude, que demonstremos um determinado tipo de dor, ou de alegria, ou de indiferença, e, muitas vezes sem o desejarem, julgam-nos por isso. Eu aprendi há muitos anos a não dar especial relevo às expectativas dos outros. Vejo, escuto, interrogo-me, faço o meu próprio julgamento, e tento seguir caminho. Normalmente sem sequer me preocupar em explicar as minhas decisões, o meu comportamento, as minhas atitudes. A não ser que magoe alguém por isso - e aí uma explicação é exigível - nunca me apetece justificar-me, nunca sou bom em justificar-me, nunca consigo justificar-me sem ter aquela sensação que ninguém tem nada a ver com isso. A não ser que eu o queira, a não ser que eu lhe tenha dado o meu consentimento para o fazer.

Mal soubemos do Jorge corremos ambos para o hospital. Quando soubemos que nada mais poderíamos fazer senão esperar e rezar, fomos ambos, a custo, para casa e tentamos todos, a custo, prosseguir com as nossas vidas. Mesmo com o Jorge permanentemente na nossa cabeça, temos tido gargalhadas francas, sorrisos sinceros, momentos verdadeiramente felizes. Porque acreditamos que é estúpido sentirmos culpa por termos momentos de alegria e felicidade, porque desejarmos muito que o Jorge estivesse connosco não pode imprimir um cunho de miserabilismo nas nossas vidas, porque o Jorge, se pudesse, seria o primeiro a rir connosco.

Os meus filhos aprenderam cedo a terem que lidar com a perda. Pode parecer herético, mas começaram por ter que lidar com a morte do Aquiles, o meu cão desde que eles eram miúdos, e isso ajudou-os, mais tarde, a lidarem com a perda do avô que eles adoram. Aprenderam com a morte que na vida há lugar para o imenso, seja esse imenso traduzido em forma de dor, de choro, de gargalhada ou rejúbilo. Aprenderam que o imenso da vida é para ser imensamente vivido, e que apenas isso torna a vida imensa. Aprenderam que todos somos passageiros nesta viagem em que tudo é passageiro, excepto aquilo que nos transforma verdadeiramente e que levaremos como bagagem para a etapa seguinte. E por isso aprenderam que a autenticidade do choro e do riso valem mais que todas as aparências do mundo.    

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